sexta-feira, 22 de abril de 2011

Participe!

Há muito tempo, venho observando as interações familiares e a dinâmica que envolve a relação entre adultos, adolescentes, crianças, e idosos, tentando imaginar como serão esses agrupamentos nesse milênio de relacionamentos virtuais, robotizados ante a aridez afetiva que se alastra, agora também encoberta pela distância do isolamento voluntário de seres humanos. Exceções tentam enfrentar esse turbilhão, mas parece que adentram um "tornado social" que os engole e os transforma em párias da nova sociedade, por enquanto... Assim espero!

Para exemplificar pego famílias nos dois extremos financeiros:

De um lado os mais abastados que passaram anos encouraçados na ansiedade neurótica de nosso tempo, correndo atrás de melhor administração do tempo, para poder dar conta de todos os seus compromissos; e quebrando a cabeça nos planejamentos e melhores estratégias para permanecerem no mercado competitivo e perverso, conservando seus espaços de liderança. É fácil comprovar onde sua eficiência os levou.

Suas moradias são de dar inveja. Ao nelas adentrar tem-se a impressão de estar em amplos locais cinematográficos não só bem mobiliados, mas com aparelhos eletrônicos de primeira linha. Seus corpos são tratados academicamente sendo seus cartões de visita empresarial. Também reveladores de seu "status social" são os cuidados alimentares. Sua geladeira conserva o desenho de uma logística parcimoniosa, voltada para uma conservação do equilíbrio de seus sistemas orgânicos e harmonia da comunicabilidade entre eles, quase beirando ao excesso. Reconhecem eles que fatores genéticos, ou variáveis do mundo externo totalmente disfuncionais, podem interferir em suas sadias lideranças. Seu quadro de funcionários consegue manter tudo limpo e organizado, o que lhes faculta expressar sua preguiça e comodismo ante um não arrumar camas, ou saídas a trabalho sem horários de retorno em finais de semana. Aí tentam controlar o ambiente e estabelecer limites de aproximação: fumantes não, bebidas controladas incluindo cafézinhos, doces sob vigilância total, manipulação da violência televisiva, exposição na internet em bate-papos ou sites do gênero nem pensar...Enfim, tudo sob controle! O real mascarado e o social peneirado de acordo com suas regras de bem viver.

Tento brincar com suas crianças, sempre bem vestidas e de mãos limpas, que têm atenção familiar e a melhor das intenções, sendo levadas a cursos de natação, tênis, futebol, guitarra, inglês, além das aulas curriculares; a clubes, cinemas e teatros, a percorrer livrarias, e a constantes disputas nos jogos eletrônicos:

Espalho vários carrinhos, miniaturas interessantes em sua perfeição, e são muitas... muitas. Tento usar minha capacidade de imaginar, partir para o reino da fantasia e começar a articular estórias. Primeiro agrupo por cores, tentando atrair os menores; depois parto para estacionamento buscando organizá-los por tamanhos; depois para filas em lava-jato e postos de gasolina tentando avaliar sua capacidade de estabelecer prioridades e lidar com a frustração da espera e seu grau de solidariedade.

Monto a casinha de bonecas, a mobilio e tento também articular estórias aproveitando a família de bonecos até com o cachorrinho fazendo parte. Aproveito a quantidade de bichinhos e construo um jardim zoológico avisando que irão visitá-los após o almoço. Fogão e panelinhas em cima dele faziam antever sua proximidade. Sinto falta das sonhadoras associações que impedem a destruição do reino da fantasia. Sinto falta do aconchego afetuoso capaz de articular vínculos entre os bonecos que interagiam.

E novamente o que aparecia eram o desinteresse e o tédio, que os fazia correr em busca dos Ds da vida, robotizados frente a telinha de um game-boy (nintendo ds). De repente, me chamam para participar. Oba! Lá vou eu... mas para meu espanto, me dão outro Ds explicando que cada um teria o seu e que um poderia interferir no jogo do outro (?). Bem brincaríamos juntos então, até que enfim! Ledo engano, seu prazer infantil estava em correr atrás de meu "mario" lhe dar vários socos, erguê-lo sobre sua cabeça o deixando impotente e jogá-lo dentro de um lago, impedindo sua caminhada. Todo esse processo valia risos e risos, e a sensação de ter-se tornado um vencedor na vida. Uau! Foi a exclamação de meu peito oprimido.

Virei a cabeça ante a percepção de um sussurro sobre outra criança:"Ele não tem dormido bem, sempre ansioso, tem medo de ficar só. Fala de noite, levanta, anda. Para sairmos a empregada tem de dormir no quarto dele, até voltarmos. E quantas vezes não vai para nossa cama, ou vamos dormir com ele. Tudo para ele tem que ser perfeito, ou é um fracasso. É perfeccionista ao extremo! Cumpre regras ao pé da letra. Não se sente bem frustrado, mas não ataca, fica mais quieto..." E por aí foi a conversa. E dentro de mim uma angústia oprimindo o peito:Uau!

Passo a percorrer outro mundo, ao ser contaminada pelo outro extremo financeiro:

"Mistura" quando se tem, senão o "rango" é arroz e feijão; pode faltar fruta, mas não cerveja... e muita pois a casa sempre está com amigos da família. Tudo bagunçado, é trabalho fora mais trabalho para os outros, sem ninguém para ajudar na organização da casa e o tempo de lazer é de ver tv, jogar baralho, tomar cervejinha, fumar adoidado, contar piadas... Crianças? Estão presentes, mas existem e suas necessidades como pessoas são escutadas? "Adoramos crianças, soltas ao redor com suas mãos e bocas sujas lambuzadas de doces, quando se tem ... mas que aprendam o seu lugar e se virem! Primos, amiguinhos da vizinhança, que venham... tendo dividimos. Se puderem trazer algo, ótimo; senão damos um jeito (?)." Cozinha com pratos sujos sobre a mesa e panelas e louças empilhadas na pia. E, para os de casa: "Estão com fome? Tem miojo no armário. Estamos abertos aos DRs (Discutir Relações), desde que..." Traduzo: desde que sigam o que dizem, pelo poder autoritário de pais, que se atribuíram. Uau!

Todo material, usado por uma faxineira, no quartinho dos fundos, esperando dinheiro para contratar uma. Ah, prioridades! Estruturar a vida para quê? Tá dando para pagar as contas. O resto empurramos para frente. Deixar de viver o momento? Estamos com visitas, nosso vizinho do lado! Esquecem que a vida, nesse "jogar para frente" não nos permite escrever nossa história em rascunhos, para depois os recuperarmos para passarmos a limpo. Não nos dá essa oportunidade. Sempre temos que conviver com as consequências de nossas escolhas imediatas, no aqui e agora de nosso presente.

E eu, sentindo a angústia de meu self (essência), no momento,também aprisionado, pela falta de recursos para estabelecer contato real e humano com essas crianças, só podia torcer para que elas conseguissem "sobreviver" em sua individualidade e humanidade. Não vai ser fácil! No entanto, sei que, como seres humanos, não podemos escapar desse "encontro marcado conosco mesmo". Uau!

Para aliviar minha angústia, eis o que me caiu às mãos e suscitou essas reflexões:

"As crianças aprendem aquilo que vivem...

Se uma criança vive criticada, aprende a condenar.
Se uma criança vive com maus tratos, aprende a brigar.
Se uma criança vive humilhada, aprende a se sentir culpada.

Se uma criança é estimulada, aprende a confiar.
Se uma criança é valorizada, aprende a valorizar.
Se uma criança vive no equilíbrio, aprende a ser justa.
Se uma criança vive em segurança, aprende a ter fé.
Se uma criança é bem aceita, aprende a respeitar.
Se uma criança vive na amizade, aprende a ser amiga,
Aprende a encontrar o "amor" no mundo.

A responsabilidade é de todos pelas futuras gerações. Participe!!!"

Adoro movimentar meu mundo interno e meu pensar, minha maior riqueza pois me une a minha essência humana. Através das reflexões, surgem tantas articulações, pensamentos se entrecruzam, minhas idéias brotam. Resolvi aderir à convocação para participar, com essas dicas para todos nós, seres humanos:

"Pus-me assim a refletir:
Todos nós ajudamos a construir o mundo em que nossas crianças vivem
Como preferimos vê-las?
Encouraçadas ou robotizadas como pessoas,
Aprisionadas em si-mesmas,
Ou libertas em sua autenticidade e espontaneidade?
Participemos como cidadãos, cada um a seu modo
Quer seja espalhando nossas reflexões a respeito do que ocorre ao redor delas,
E nossa esperança de contribuírmos para educação de um "ser livre e feliz"!

E os idosos? Não toquei neles, não é?

Acredito que, em meio a discriminações sociais, reais e naturais, tenham muitas aberturas no mundo de relacionamentos virtuais. Os novos recursos interativos podem contrabalançar com suas limitações físicas e aposentadorias ociosas. Muitos podem deixar de ser "mortos-vivos", aproveitar a telinha do computador e programas como a internet, para colocar suas idéias pelo mundo a fora como "cidadãos ressuscitados". Inclusive pela aquisição de nova identidade virtual e liberdade para troca de conhecimentos, podem conquistar novo espaço físico. Deixam a qualidade de dependentes e tornam-se sujeitos responsáveis pela escrita de sua história novamente. Agora que se apossaram de suas vidas suas ações dependem de suas vontades, escolhas e decisões. Podem se considerar incluídos no mundo mais ativamente nesse milênio, optando por viver e descobrir a alegria da vida em sua alma. Eu me orgulho deles!

Muitos, no entanto, estão com seu "querer" tão atolado na areia movediça da depressão, que se afundam, cada vez mais, na categoria de excluídos sofredores. A frágil e temporária bóia medicamentosa não mais os sustenta, só os lança no torpor ilusório, que torna seus corpos passivos e impotentes. Suas cabeças se mantém expostas e seus olhos fixos numa tela de tv ou computador... até que sua idosa fiação interna se enferruge de vez pela intoxicação, que os consome, e que acaba oxidando sua alma de simples "ser sobrevivente". Uau!