sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Ensinar, educar, formar para a cidadania? Que "balaio de gatos" atualmente!

E não é motivo de preocupação perceber esse "balaio de gatos", essa confusão cercando o que vem a ser, ou melhor, o que vem a significar, atualmente: ensinar, educar, formar para a cidadania? Ferramentas computacionais agregadas a representações virtuais nos remetem a uma aprendizagem construtivista, demandando a combinar como o indivíduo se percebe, como se organiza, como processa a informação para se obter melhor qualidade de ensino. Luc Ferry, filósofo e educador, propõe a criação de um novo humanismo com foco no amor, na ampla troca dialética interpessoal em vários campos de interação humana, para criação de uma sociedade mais justa e convivências mais pacíficas. (vídeo de 05.08.2012 de palestra do Café Filosófico na TV Cultura cpfl, "Filosofia para um Novo Tempo, disponível no YouTube).

Como fazer a adaptação ao "novo paradigma pedagógico ante a informática educacional, a realidade virtual, a ciência cognitiva e inteligência artificial", aos robôs professores interagindo com a afetividade de alunos, crianças ou adultos de carne e osso, coração e mente esperando ser estimulados a ter um engajamento ativo como ser vivente e motivados a ter interesses e curiosidades despertas pelo que ocorre a seu redor?

Qual virá a ser a principal função do pedagogo, a não ser ensinar a arte de aprender, o gosto e a curiosidade por ampliar campos de conhecimentos e sua aplicabilidade prática. Transmitir informações os robôs, as redes sociais e a internet globalizada já o fazem. Qual será o papel da didática de um professor motivado não só a ensinar mas a aprender em uma relação dialética (de troca) com os alunos, os quais, por vezes, chegam às salas de aula com maior domínio sobre assuntos de seu interesse pesquisados previamente na internet? Como será o engajamento do professor desse milênio, se não construir e "se construir" no processo ensino-aprendizagem que se desenvolve na relação aluno-professor? Não é fácil conviver com a angústia do "não saber". Não é confortável expressar com humildade um "Não sei, mas posso ajudá-lo o orientando em suas buscas!"

Como ajustar o processo de aprendizagem que prima agora pela interatividade e flexibilidade? Parece que as escolas terão que abrir mais espaço nos processos decisórios para os professores e os pais:                 "Quando nos negamos a discutir algo dando a verdade que se apresenta como certa, colocando nossas crenças e decisões pessoais no primeiro plano, estamos matando o direito à livre informação, contraponto da livre expressão.[...] A questão é "como discutir, com que bases argumentar" sem abrir mão do respeito pela opinião do outro e pelo que ele tem a mostrar... tendo sempre em vista que uma escolha racional nem sempre é uma escolha ética por um autêntico querer. Uma escolha moral, embasada em obrigatoriedades e deveres sobre "como deve ser", difere da ética que envolve não mais um questionamento sobre "como devo agir", mas profundas reflexões sobre "que vida eu quero viver, e o que é uma vida que valha a pena ser vivida" (Yves de La Taille, Desenvolvimento Moral, vídeo disponível no Canal YouTube).

Como "acoplar o aluno em seu próprio ritmo interno, nível e estilo mais adequado?" Como "apresentar tópicos educativos de modo atrativo, criativo e integrado" em uma educação auxiliada por computador e uma aprendizagem autorregulada por sistemas tutoriais inteligentes, onde o ambiente de aprendizagem é baseado em simulação (estratégia de ensino)?" E "que padrão ético me permite, ou a outrem, o juízo sobre a viabilidade da vida de alguém?", sobre o que lhe é certo ou errado? (www.eps.ufsc.br/teses...cap.1.html)

E nosso governo se volta, pensando na degradação do ensino que, segundo seus dados estatísticos, não se sustenta até 2022? Mas emitir, apressadamente, por MP (Medida Provisória) não mais por Projetos de Lei, reformas do Ensino Médio, sob a alegação que poderia ter sua aplicação de imediato, enquanto já existiam Projetos de Lei emperrados em 2012/13, pelo agregar de detalhes e mais detalhes, ainda não postos em discussão. Mais uma falha de nosso sistema político? Mais uma postergação e desinteresse  de nossos políticos com o bem estar social, promessa de campanhas eleitorais?

Como refletir nas mudanças propostos, sem pensar em suas repercussões práticas? Aumento de carga horária para 7 horas? Crianças entraria às 8 e sairiam às 16 horas descontando 1 hora de almoço? Medidas visando um ensino de tempo integral no papel, mas teriam condições efetivas para serem concretizadas a contento? Como ficariam os custos com refeições, se hoje até verbas com merendas entram na pauta dos desvios por corruptos?

Atribuição falaciosa de poder de escolha à uma "geração y selfitizada", "narcísica e nada empática" e "superficial, voltada ao mundo das aparências", que "não encontra espaço no mercado volátil, que se renova a cada minuto e, com isso, busca inovações criativas constantes"? Como os alunos, com esse perfil e desinteresse em se aprimorar, irão aplicar os parcos conhecimentos práticos adquiridos na escola atual, ainda mais sem previsão de um retorno financeiro compensador necessário a sua sobrevivência pessoal, quiçá familiar, e que garanta um sobreviver autônomo no futuro? Sem retaguarda financeira, como podem entrar em Programas de Educação Continuada, para suas reciclagens e atualizações, como o mercado demanda?

Que formação pretende dar esse governo ante a retirada da grade curricular de disciplinas como Artes (ou Educação Artística) e Educação Física? Vale ler e reler, "A República" de Platão! Tornar optativas, acredito que por ignorância do que abarcam e das repercussões sobre a formação das personalidades dos alunos, as depreciadas "Filosofia e Sociologia", que ensinam, respectivamente, a pensar, investigar e refletir sobre si mesmo e sobre a vida...  e a conviver com as diferenças do coletivo, se incluindo no social, refutando formas de violência irracionais? Reforçar a obrigatoriedade do Português e da Matemática, com a inclusão aqui do Inglês, sem refletir sobre suas didáticas atuais, sobre as mudanças que formalizam abreviações na nova linguagem e comunicação digitalizada?

Entendo "educação" como "formação de cidadãos", tal qual o filósofo e educador Mário Sérgio Cortella (vários vídeos sobre essa temática disponíveis em youtube.com). E se tornar um cidadão integral, apto a exercer sua cidadania, envolve apurar sua capacidade de pensar em si dentro do social. Sendo assim. educar envolve o facultar ao aluno se aperfeiçoar seu caráter e ter autodomínio e controle sobre sua índole, inclusive. "Educar é fornecer a alguém os cuidados (e recursos) necessários ao pleno desenvolvimento físico, intelectual e moral". (Dicionário Houaiss). Será que os membros dos Conselhos de Educação partem dessas premissas, ao terem elaborado "de cima para baixo" as alterações que já estão em vigor pela recente MP assinada agora em setembro? Entra em vigor com todos os aspectos da implantação prática ainda soltos no espaço só das ideias.

Não concebo um educar que não seja voltado para contribuir um amadurecimento emocional e um pensar autônomo responsável, um autodomínio e gerenciamento sobre emoções, um senso crítico voltado ao convívio ético e empático com os limites e as necessidades dos demais. Vivemos uma deterioração de valores morais e das referências das tradições familiares, responsáveis por muitos pilares que orientavam prioridades em diversos campos de vivências dos descendentes. Passamos por uma degradação ética da arte de convivência pacífica e respeitosa de hierarquias compreendidas por escalas racionais de entendimento. Enfrentamos uma crise social pela ausência de sabedoria na arte da diplomacia, no argumentar e negociar.

Agressividade direta ou passagem ao ato sem pensar, sem usar a razão para intermediar a explosão de impulsos ("acting out" psicanalítico), é o que temos observado permeando a violência social. Tais reações demonstram a dificuldade, cada vez maior das pessoas lidarem com limites, conterem as angústias decorrentes de frustrações e controlarem impulsos e ações destrutivas. Some-se a esse quadro o imediatismo na busca de autossatisfações sem o aprendizado sobre o uso da inteligência emocional. Intolerâncias com divergentes ganha prioridade no convívio social, argumentações e direitos não são mais escutados, vigora a lei do mais forte ou do mais esperto... interações muito distantes de inclusões pacíficas.

Pontuo o perigo, ante as recentes alterações educacionais nesse período de transição social de início de milênios, com acelerados avanços tecnológicos e mudanças nos perfis de mãos de obras pelo amplo uso de robôs, ou não uso da mão humana como caso da inteligência artificial auxiliando nos cuidados a doentes, assessorando afazeres doméstico, e - o que é pior, a meu ver, "psicotizante" - da inclusão da eletrônica em sua distante, e invisível, monitorização inteligente  na condução de veículos, por exemplo, nos obrigando a conviver com outra realidade como a de um carro se movimentando, sem nenhum condutor!

Como educador, como avaliar o perfil do aluno advindo do ensino autodidata pela internet, inserido na realidade virtual, e alinhar seu educar ao mundo caótico atual, mantendo a própria sanidade mental?

Mais me parece que as recentes medidas encobrem a isenção do governo perdido, ante a confusão de informações e conhecimentos que dificultam montar programas e grades curriculares voltadas ao educar integral de um "indivíduo humanizado". Mais me parece a incapacidade de um governo e sua "cegueira em distinguir ensinar de educar moralmente, além de tecnicamente, um corpo de docentes eficiente e eficaz para fazer frente aos novos paradigmas no ensino, impostos pela cultura emergente das "transformações culturais acachapantes" do milênio. Parece melhor ao governo, no campo da Educação, limitar suas atuações a reforçar recortes pontuais da realidade educacional, mantenedoras do "status quo" , do que se deparar com a eclosão de jovens questionadores por Justiça Social.

Mais me parece a dificuldade reflexiva de um governo que se isenta, ainda, de assumir seus erros nas montagens de programas de aprimoramento e reciclagens contínuas; de bloquear diálogos diplomáticos e soluções que contemplem igualmente os lados envolvidos; de reconhecer financeiramente os méritos de docentes, dentro do famoso critério da "meritocracia". Penso que os docentes deveriam se acautelar com essas novas medidas, que diminuem suas horas/aulas -logo seus salários e espaços de ensino; que mexem com a extensão das licenciaturas e diplomas do magistério, em vez de sanar deficiências no ensino pela revisão de atualizações metodológicas e renovações na didática.

Penso que os pais deveriam se preocupar e ponderar se têm condições, ante as alterações e controle governamentais sobre o que é ensinado a seus filhos, de caminhar junto na formação de personalidade (formação da maneira de ser) dos mesmos. Penso que deveriam se inteirar mais do teor dessas medidas e pensar se estão de acordo com as propostas desse novo ensino. Acredito que deveria haver muita reflexão se, por trás, dessas medidas não haverá a intenção de colocar uma "mordaça e camisa de força" na criatividade espontânea e curiosidade natural individual; no espírito solto, empreendedor e inovador de seus
filhos; no senso crítico e vontade de adquirir uma autonomia não direcionada, que se traduz em movimentos de revolta, muitos a meu ver significando um "SOS", grito de socorro de almas livres ainda, pedindo libertação das amarras que a entrada no processo civilizatório lhes impõe. (vide Freud em seus estudos sobre "O Mal Estar da Civilização"?

Termino me questionando sobre como os educadores, que manipulam teorias educacionais e práticas de ensino e didática, enfrentam seu próprio "SOS" e buscam se libertar de suas amarras internas, suas crenças irracionais, seus desejos mal atendidos. Penso que quanto mais se preocupem em se autoconhecerem e reforcem sua razão, mais serão candidatos a serem bons docentes, enfrentando o mal proveniente de diretrizes padronizadas, a maioria mantenedora de "status quo obsoletos". O foco deveria estar no inovar suas didáticas e estratégias de ensino, buscando fortalecer os recursos dos alunos em estabelecer "e seguir" metas para atingir seus objetivos. Não é fácil, ainda mais na adolescência, alinhar decisões pessoais, tomadas em um existir limitado por restrições e opressões sociais, com suas vontades internas, desejos que emergem do querer genuíno de suas índoles, únicas e individuais, que buscam expressão adequada em um viver cotidiano, que afeta a todos nós.

Lúcia Thompson


domingo, 18 de setembro de 2016

Entre os "pares"? Lugar de inveja,competição,humilhação e muito mais...

Lá estava eu, sentada há tantas horas (das 9:00h às 14:00h?) após ter me aventurado como profissional da saúde a um concurso público em famosa instituição hospitalar. Aprovada na parte teórica e dinâmica de grupo, após a devida entrevista que também me selecionou, respondendo a uma convocação para me apresentar tal dia... a essa hora, para tomar ciência do setor em que iria trabalhar. Meu primeiro contato com a burocracia hospitalar, com a negligência de pares hierárquicos, com o papel de ministros exercido por chefias administrativas que a tudo comandavam como se fossem primeiros escalões - interferindo até em decisões de meus pares e em funções de diretorias. Na pseudo receptividade de pares, eu era mais uma a evitar que se destacasse e pudesse abalar a posição de conforto e as vantagens pessoais de muitos "colegas". Era mais conveniente deixar tudo como estava, dar continuidade ao "status quo" vigente na organização. Inovar para seu desenvolvimento demanda esforço e criatividade para implantar e manter!

Meus primeiros diagnósticos da organização, começando a conhecer sua logística atual me espantou, mas acima de tudo se destacaram os "desperdícios". Atitudes virtuosas voltada a vontade de autorrealização e alto desempenho foram golpeadas pela primeira marca de ser profissional de nível superior no funcionalismo público: pensar que estava sendo remunerada por todo aquele tempo parado, para que então a pressa em assumir meu cargo e assistir à pacientes necessitados e ir contra essa estrutura montada há anos? Esperava que pudesse exercer meu profissionalismo após minha escala ser efetivada, pois se havia um horário oficial a partir de 7 horas e pacientes chegavam para atendimento às 6 horas, podia entrar antes e atender a demanda da clínica. Ledo engano, logo os pares se insurgiram: entendiam minha intenção, recordavam do juramento profissional, mas não podiam perder as vantagens conseguidas se por acaso ousassem defender minha postura e me apoiassem!

E realmente ocorreu um sucedâneo de decepções, começando pela negação de minha parceira responsável pelo setor de psicologia da Clínica Radioterápica, a primeira onde fui escalada para prestar serviços. Faltavam meses para terminar o curso de Psicodinâmica do Sedes (terças e quintas à tarde), porém tive que desistir observando a reta de chegada, pois minha "parceira" houve por bem, sendo a mais antiga, escolher o horário que me obrigava a assumir às terças, quintas e sextas à tarde, se recusando a qualquer tipo de negociação mesmo que assinalando a temporariedade da decisão. Mas não parou aí! Após 1 semana, mais ou menos, estarrecida ouvi: "Não estou me sentindo bem com sua presença! Quero que peça para ser transferida!". Ante minha recusa e outorgando a ela essa atitude perante nossa chefia, continuei a escutar atônita: "Vou tornar sua vida um inferno por aqui e entre os pares, você vai ver!" E fez isso. Outra lição organizacional: como é fácil se difamar, plantar calúnias, montar alianças para divulgar infâmias; a ponto do desrespeito se estender à sua estagiária - que, por sua vez, terminava seu Curso de Psicanálise - ao passar por mim sussurrar direto impropérios inomináveis denotando seu caráter perverso; da assistente social interromper meus atendimentos retirando os pacientes, que estavam sendo atendidos por mim, para passarem em entrevista com ela, sob a ameaça de não atendê-los em outro horário; envolvendo no conluio o próprio diretor com mentiras de que minha intenção era "passar-lhe a perna". Acabou ela não aguentando, com filho recém  -nascido, a jornada dupla em casa, oficializando seu pedido de demissão. Mas o estrago, a meu redor, estava feito. Ah! A estagiária, citada acima, passou a ficar sob a supervisão de nossa chefia e logo foi "convidada a pedir exclusão do quadro de aprimorandas" da referida instituição. Sua inadequação e seu caráter perverso ficou diagnosticado. Por que não pela minha parceira? Deixo para vocês responderem...

Honrada com o convite de representar a Radioterapia no Plano de Governabilidade em união com FGV. Apresentei projetos logísticos de peso, pois sempre recebia parabéns e, de minha diretoria, frases como "Gostei do Projeto de Psicooncologia que me encaminhou, vou colocar algumas vírgulas e vamos conversar a respeito" (nunca mais vi meu projeto, soube que foi implantado pela Divisão um Projeto de Psicooncologia, cuja coordenação coube a um "par"). Como explicar as inquietudes do médico clínico, diretor interino da Radioterapia, que veio me questionar sobre o porque de minha escolha para representar o setor sendo psicóloga? Represálias vieram em seguida as indagações sobre o porque tínhamos uma sala para atendimento e supervisões de estagiárias, e ele não tinha espaço para suas supervisões... logo o espaço foi retirado e a Divisão de Psicologia houve por bem não mais prestar serviços de psicologia ao setor. Pouco tempo depois ocorre a separação e alteração do organograma das unidades hospitalares, sendo criado o Instituto de Radiologia.

Aí assumi a chefia dos serviços de psicologia na Divisão de Odontologia (fobias - dor crônica - e transtornos vários decorrentes de diversas patologias). Fui indicada pela própria Diretora do setor, que afirmou que eu era a profissional responsável que ela queria. Meu "par", que estava respondendo há mais tempo, não me perdoou. Foi deslocada para outra clínica e junto levou seu saquinho de difamações; cruzava comigo em reuniões clínicas e me virava o rosto... fez seus conchavos e seu compadrio se agregou a seu redor. Buscava intercâmbio para análise de casos clínicos mas se recusavam dizendo não entender minha forma de atuar ( a maioria era psicanalista, havia uma comportamental cognitiva e uma junguiana na equipe de então), não abrindo espaço para ouvir sobre a adequação racional e pertinência de minhas intervenções, ante o feedback das reações positivas dos pacientes.

As situações se repetiram e com a aposentadoria da diretora, a equipe que assumiu logo passou a questionar a sala em que eu estava para expandir suas reuniões, mas ela era dentro da sala de espera, não sendo interessante a exposição dos odontólogos, contato direto com os pacientes em seus queixumes. A estrutura de atendimentos psicológicos, nesta Clínica, foi desmontada ante a intervenção da nova equipe de coordenação de supervisores, que passou a supervisionar os quadros clínicos, lacanianos interferindo diretamente na minha forma de atuar ( era a única que defendia postura eclética nas intervenções aos pacientes e no caso da Divisão Odontológica, reputo como a mais adequada pois as diferentes formas de atendimento são contempladas em intervenções psicológicas de acordo com a demanda dos pacientes, que se beneficiam com variados recursos psicoterapêuticos).

Participei com um "grupo de pares", auxiliando em "seleção de aprimorandos". Nova lição: abaixar a cabeça precisando do salário para acatar ordens autocráticas e antiéticas ao ouvir frases como: "Sou coordenadora, mas no momento só comunico ordens da Diretoria. Temos que propiciar a inclusão da filha da Diretora de Enfermagem! Existem "x" estagiárias (3 ou 4) na frente dela, que passaram na seleção? Essas aprovadas devem ser desprezadas!"

E eu me questionava internamente: "O que eu estou fazendo aqui?".
Procurei sempre não me envolver em confrontos ostensivos afetando a hierarquia organizacional. Abraçava o silêncio e continha a angústia. Não me permitia ser arrastada em ações antiéticas, me agarrando e respeitando meus valores éticos. Isso incomodava os que adotavam posturas antiéticas. O falso poder, para se manter, exige submissões vis!

Alguns pares tentaram se insurgir, mas logo percebemos o que é estar dentro dessa engrenagem de hierarquia centralizadora e ditatorial, e mais adiante, sentimos o que é ser "laranja" ante a inclusão dos ministros (chefias administrativas) que abocanhavam o que por direito cabiam aos psicólogos envolvidos em Programas de Educação Continuada ou Aprimoramento Contínuo. Inclusive Núcleos de Estudos, com verbas à parte, foram deslocadas para casa de uma das diretoras, que resolveu alugá-la para os eventos, cursos e aulas (nepotismo e privilégios da diretoria?). Já estava visível a mordaça colocada entre os "pares" e as fortes represálias aos insurgentes. Eu era uma insurgente, que recusava colocar uma viseira, além da mordaça. Havia um limite para se acatar ordens antiéticas e irracionais, assim pensava eu. Na minha profissão brincar de "faz-de-conta", distorcendo o real, pode transformar a realidade de tal maneira, que as núcleos psicóticos tem suas brechas e afloram intempestiva e agressivamente. É horrível se observar isso entre os pares, profissionais da saúde mental que não percebiam essa dinâmica "psicotizante" atuando: "Estou passando a seu lado, mas você não está me vendo!" - "Meu consultório é aqui perto, vou atender uma paciente lá e já volto, mas para todos estou em minha sala aqui no hospital, ou dando alguma palestra, ok?"

Bem, após 12 anos, lá estava eu, convocada por duas diretoras, onde fui comunicada que continuaria lotada na Divisão de Psicologia, mas devia procurar outro setor dentro do Complexo Hospitalar para exercer minhas funções, pois iria ser disponibilizada, embora fosse um período em que algumas pacientes haviam encaminhado à Ouvidoria elogios a minha atuação profissional. Coerência do "discurso totalitário: não há espaço para questionamentos". A decisão já está tomada em caráter irrevogável, foi o que ouvi com assombro! E mais: "Não quero que se aproxime do Instituto de Psiquiatria, pois estamos realizando Programas Educacionais juntos". Nada a fazer, pois por trás dela, estava um QI (quem indicou) de peso da área clínica do hospital (falecido logo depois dessa reunião) e uma "ministra administrativa" dizendo "Ferro com quem dificultar o esquema interno com muito questionamento!"

Quantos meses fazendo minhas pesquisas nas vastas mesas nos corredores das várias unidades hospitalares, das lanchonetes, das bibliotecas... convivendo com rejeições, com injustiças, com vontade de produzir, com ver o desvio de projetos, com o jorrar de inovações criativas sendo sequencialmente engavetadas e não encaminhadas para que fosse tomada ciência - e eu protocolava, hein! Como conter o desconforto de minhas frustrações em suas variadas áreas e, inclusive, acolher as ansiedades de estagiárias, que haviam sido proibidas de se aproximar de mim, de me dirigir a palavra ou sofreriam represálias, e que me pediam desculpas por terem que acatar as ordens recebidas da psicóloga responsável por seu estágio, sem saber o que fazer... não podiam perder esse ano de investimento em sua vida profissional. Outra lição na vida institucional: aprender a otimizar o tempo e investir em si mesmo, acima de tudo ter muita cautela na vida de relação ("networking").

O elo afetivo quando se é comprometido no que se faz é imenso. Difere muito dos terceirizados que investem temporariamente sem se engajar com a organização. Clínicos que se utilizam da instituição para créditos em suas pesquisas, vão aplicar fora dela o que aprenderam e reverter os títulos alcançados em sua vida profissional pessoal. Na época minha esperança é que esse quadro situacional se reverteria. Na época investia em muita leitura para minhas pesquisas, em elaborar projetos que esperava caíssem nas mãos de pessoas certas. Enviava a muitos, mas tinha conhecimento de que eram engavetados por assessores com receio de que seu espaço fosse questionado e perdessem sua zona de conforto e que sua falsa confiabilidade fosse descoberta.

Assim cheguei ao Instituto de Ortopedia onde um grupo buscava estudar as dimensões de energia e níveis de consciência, a religião, o espiritismo, a mediunidade, a parapsicologia, a telepatia; e já procurava a compreensão de técnicas acupunturistas de grande efeito para aliviar dores agudas e controlar dores crônicas e quadros ansiosos. Extasiada frequentei as reuniões desse grupo em horários extras, nada interferindo na escala oficial. Outro aprendizado: Congressos e Seminários distribuídos entre funcionários administrativos por assessores de executivos, eram instrumento de troca, onde os que se interessavam por assistir e aprender eram os que frequentavam verdadeiramente, mas quem respondia pela frequência era quem recebia o convite e embora ausente agregava pontuação em seu currículo.

Pouco permaneci na área clínica, do Instituto de Ortopedia, ante a perseguição mais sórdida e aviltante, onde o interesse era que avaliasse pacientes e anotasse nos prontuários, onde segundo a diretriz da psicóloga responsável a assistência não era prioridade pois pouco se poderia fazer com o escasso tempo de atendimento - e ela era psicanalista! - Além disso eu, pessoalmente não poderia me dirigir aos médicos diretamente; era tudo por seu intermédio. E mais, eu não poderia mais frequentar as reuniões clínicas dos engajados com dor crônica, as quais em todos os anos anteriores nunca deixei de participar.

E eu por dentro: Ah, agora não! Basta! Não tenho mais condições internas para conviver com essas violentações à minha integridade pessoal. Aprendi como funcionários públicos subalternos são tratados como se não fossem concursados, mas empregados pessoais de chefias e não da empresa que os contratou e podem reivindicar a ela. Tentei apelar, mas existe o perigo do aprisionamento a algemas da gratidão, mais do que o respeito a si próprio e aos valores éticos. A cadeia dos funcionários administrativos interceptam o fluxo da entrega de quaisquer demandas, pedidos protocolados, e quaisquer esclarecimentos retorno, se por ventura, houvesse. Toda comunicação, nesse sentido, era controlada e facilmente manipulada por eles. E eu
precisava de mais quase dois anos para alçar voo e iria aguentar... mas para sobreviver psiquicamente e respeitar uma curiosidade inata, precisava me aprimorar como pessoa e "criar projetos" das ideias que jorravam e clamavam por articulações com conhecimentos já existentes, e que pudessem valorizar o setor.

Pedi para fazer parte, como psicologa organizacional (também tinha diploma para tal). Porém havia uma sensação de ameaça nos profissionais assistentes sociais, relações pública, assessorias diretas, pedagogas... todos ao se aproximar logo expressavam seu medo de que fosse ocupar suas funções ou manifestavam desconhecimento das atribuições de uma psicóloga: "Não sei como lidar com você, imagino você 'fazendo cabeças' aqui dentro", frase de uma assessora, a maior perseguidora. Os elogios do diretor ao desengavetar um projeto meu de amplo alcance, aumentou esse clima belicoso ao meu redor. Percebia quando a assessora do atual diretor executivo, a cada passo consultava a ex-diretora do quadro da enfermagem. Ops! Eu era fiel e admirava o atual diretor executivo, um médico cardiologista na função administrativa. Queria implantar Núcleo de Qualidade, responsável por atendimento psicológico aos funcionários internos, por estudos e pesquisas nos vários setores abarcando a etiologia dos afastamentos no trabalho entre outras variáveis, montando programas de educação continuada, elaborando perfis profissionais e realizando processos seletivos (até então eram aleatórios e realizados por enfermeiras ligadas à ex-diretora acima mencionada). Toda essa montagem foi interceptada por essa equipe, que se apropriou desse design logístico. Ao voltar de férias, psicóloga organizacional fora contratada para exercer essas funções junto comigo e nossa... conviver com distorção de caráter para se manter no poder é difícil! A mesa,ocupada por mim, foi virada para a parede; pegou para uso próprio a cadeira que eu usava; passou a dizer que horários de reunião tinham sido alterados ( e eu cruzava com o diretor que dizia ter notado minha ausência); queria que assinasse presença em programas elaborados por nós (recusei e contestei, mas ela havia convidado outras psicólogas de outros institutos sem me avisar); conseguiu que a assessora interviesse para me afastamento do setor e trocou a chave sem me comunicar ( e eu tentando abrir a porta para entrar na sala, onde ainda estavam meus pertences pessoais... podem imaginar? Humilhação parecida senti quando me deu para corrigir um carta que escrevera... eu o fiz e disse que precisávamos de auxiliar administrativo para digitar... e ouvi: "Mas você está aqui para que?" - Acreditam que 'ouvi isso de um de meus pares'!

Novos meses nas grandes mesas de longos corredores... tentei ocupar uma salinha de 2m por 2m, mas logo a assessora interrompeu o aval do diretor, e passaram a guardar tralhas nos local... voltei aos corredores, mas até aí incomodava. Só sossegaram quando retornei à Divisão de Psicologia. Aí eu já precisava de poucos meses ... Fiquei na Biblioteca do Instituto Central e aproveitei o ostracismo imposto para me aprofundar em minhas pesquisas envolvendo a saúde mental no design organizacional.  Eu me orgulhava do jaleco que usava, com meu nome no bolso. Lutei muito por isso. Sabia ser boa profissional, nada havia que desabonasse meu desempenho. Sentia enorme prazer ao andar pela galeria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e contemplar o retrato de vários parentes "Doutores Professores..."! Posteriormente soube que esse patrimônio histórico estava incomodando e existiam projetos para que não mais fosse conservado. Era, a meu ver, um assassinato à memória da Faculdade de Medicina!

Meu último projeto criava um Núcleo de Desenvolvimento abrangendo assistência, ensino e pesquisa. Foi enviado por mim em julho e pelo diretor executivo, com minha aquiescência, para a equipe da Superintendência que havia se unido ao grupo da FGV.
Nunca mais soube dele!
Em novembro saiu no Diário Oficial a criação do Núcleo de Desenvolvimento por eles.
A mim coube a pergunta sobre "Quem montou esse projeto?"
E o orgulho pessoal de verificar "Quanta semelhança!"

 Comentei recentemente:
 "Ser-Ter-Parecer-Aparecer" equivale a "Tornar-se para o Outro". Agora pode iniciar-se novo trilhar interno, de acordo com o "Livre Arbítrio" de cada um de nós, o "Tornar-se para Si" Ao alinhar "Existir e Ser em Essência" - energia espiritual ou quântica a meu ver - pode descortinar-se uma "Etica Superior", subjetiva, força vital interna advinda de "Valores e Virtudes", fenômenos dinâmicos de uma energia endógena. Eta trilha difícil para se manter na conduta, que nos parece reta (certa), para não desviarmos desse "Religar-se à Energia Vital" que nos é inata, seguindo as pistas de nossas Percepções Sensoriais"!

P.S. : Qualquer comparação com o que passam, hoje, muitos brasileiros, sujeitos a empregos públicos, é mera coincidência!
Minha sorte é que minha bagagem profissional e de caráter me ajudaram muito a conservar minha integridade ética pessoal!

Lúcia Thompson

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Revisitando postagens: A Maratona dos Cientistas

Revisitando postagens:

A maratona dos cientistas

Sempre imaginei os cientistas como aqueles desbravadores, muitos dos quais carregando nas costas o peso das novas descobertas, homens valorosos pela fé em seu acreditar e persistência em continuar investindo na busca da confirmação ou refutação de um saber intuído, hipotetizado por eles e, por vezes, ridicularizados pelos demais.

Fileira de formiguinhas, trazendo às costas o material de sobrevivência de sua espécie, obedecendo ao rítmo de cada uma das formigas, enfileiradas à sua frente, sem atropelos competitivos em seu caminhar persistente e sistemático.

Em meus devaneios, era o que ocorreria entre aqueles que se esgrimiam em seus argumentos defendendo ou criticando, na luta pela construção do mundo das idéias, que seriam aglomeradas em teorias científicas e que passariam a ser aplicadas racionalmente na prática em prol da humanidade. Assim, suas descobertas passariam a fazer parte desse "conjunto de conhecimentos sistematizados relativos a um determinado objeto de estudo" que vem receber o nome de ciência.

A ciência, no entanto, para espanto de muitos (inclusive meu), passou a ganhar "status" de algo concreto corporificado, personificado como entidade dotada de poder sobre o homem. Saiu do campo do abstrato, como tantos outros termos ideativos, e tornou-se - como a religião era antigamente - fonte de referência da verdade.

E se expandiu! A meta principal a ser atingida voltou-se para a obtenção e manutenção de poder. Não foi tão diferente do que ocorreu com a religião, agregada a instituições, onde os religiosos passaram a ter que se curvar ante um conjunto de regras a serem seguidas como estilos de vida, e dogmas a serem obedecidos sem questionar, se quiserem pertencer a categoria. Não mais prevalecia o valor das transformações interiores e da adoção de condutas éticas, mas o pagamento de dízimos e a absolvição por repetição de rezas decoradas. Hoje em dia, tem cientista para tudo. O homem passou a englobar, nesse termo, amplas áreas de conhecimentos vários. Um cientista passou a representar prestígio, fama para alguns, poder autárquico para outros.

Um parêntese, ou um lembrete de atenção, se faz mister. Tal foi o poder que o homem lhe atribuiu que tornou-se corriqueira a justificativa "Faço em nome da ciência!". A permissão para seguir adiante nos experimentos surge, não sei bem com que aval, mas sei que muitos experimentos se tornam até contrários ao bem comum da humanidade. Ops, e sei que as pessoas sabem, sabem reconhecer de onde vem a autorização. É só acompanhar o fio da meada e descobrem seu ponto inicial, mas terão que conviver com a dor da impotência e o confronto com a frustração e a raiva por se aquietar e brecar um agir ético; e isso incomoda tanto, que é melhor não insistir em observar a verdade que jaz oculta.

Quando pensava em ciência me vinha a imagem de uma maratona de cientistas, profissionais importantes na corrida em prol de novos saberes, um passando ao outro a tocha da verdade, com galhardia e orgulho, buscando no final o acender da tora que iluminaria as decisões humanas em prol de uma sociedade mais harmônica e feliz. O vislumbre esperançoso era o de contribuir para a expansão de uma sociedade onde o ser humano ganhasse em dignidade e auto-estima, a convivência usufruisse de mais paz, pelo respeito e tolerância ante as diferenças, e a raça humana mais serenidade, pelo "cuidar por amor" que se expandiria como consequência inevitável desse tipo de interação.

Como machuca se cair na real, podendo transitar no meio científico, principalmente sendo profissional da área da saúde mental. Anos passados fazendo parte, inclusive, de equipes institucionais nas áreas de pesquisa, ensino e assistência... Ops, essa ordem não deveria estar invertida?

Também penso assim, mas não é a realidade, que se pode constatar, ou se desejaria ajuizar, ainda. O que se observa são muitos, mas muitos mesmo, profissionais "de passagem" por instituições de renome, que buscam acumular conhecimentos nesse trânsito institucional e burocrático, se destacando em "especialidades", para aplicarem esse saber em seus consultórios particulares e tornarem seus nomes públicos para garantir aumento em suas contas bancárias, por "reconhecimento devido", conforme o ponto de vista que defendem. Justificativas que reportam a uma reflexão sobre a qualidade de seu ensino superior e à qualificação de seu aprendizado envolvendo o "como se tornar um ser humano".

O resultado dessa diretriz de ensino é bem diferente das máquinas registradoras pensantes, que se acumulam por aí. Calculadoras ambulantes, que visam sempre o aumento de lucros materiais, não abarcando a prazerosa gratificação obtida através dos benefícios morais multiplicados pela irradiação ambiental das atitudes virtuosas. Sua visão imediatista não se assemelha ao olhar do empreendedor da nova era. O termo virtude não está cadastrado, em seu lugar vem a mensagem do "não tem registro" nos arquivos mentais. A janela que surge em sua mente, com seu piscar intermitente indica a necessidade da vivência racional no mundo capitalista, distorcido para um frio acúmulo de riquezas materiais e o colocar sob vigilância e controle o perceptivo mundo sentimental, como se pensamento e sentimento não estivessem atrelados simbioticamente, residindo a chave mestra em seu gerenciamento adequado.

O quadro acima dificulta a administração justa e ética das incompatibilidades entre os meios acadêmicos e os profissionais que se quer lançar no mercado. Grades curriculares engessam a curiosidade espontânea, mola propulsora a ser fortalecida em qualquer cientista.

Os alunos, e os verdadeiros mestres, são enjaulados dentro de grades ideológicas poderosas, que delineiam pouco espaço ao saber em si, direcionando suas metas e avaliações a interesses outros, que não o de sanar, ou beneficiar, a demanda do "paciente social".

Na época atual, atribui-se ao ensino a bóia salvadora do quadro social que hoje vivemos. A má remuneração e má formação dos profissionais docentes são citados como principal fator desse estado de anomia e violência. A realidade, no entanto, se incumbe de espelhar outro cenário, bem diferente do idealizado e divulgado, mas isso é para quem se dispõe a ver, a se confrontar com o que é refletido, com o fenômeno real.

O foco, para despoluir o social, recai então no saneamento da ignorância pela formação de profissionais qualificados. Uma reflexão mais apurada vai constatar o desvio da atenção do que se mantém por trás dos brilhos dos diplomas: o juramento sub-liminar de manter o "status quo" do poder institucional vigente e o aprisionamento do atuar ético dentro dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Uma análise mais acurada vai comprovar que ainda vigora, pela falta de fiscalização e impunidade, o QI (quem indicou) para a aceitação e aprovação dos mestres e dos alunos. O peso das "algemas da gratidão" se faz logo presente, pois a relação simbiótica entre os envolvidos com o "tráfico de influência" é fortalecida e vicia - é uma das maiores drogas da corrupção sociopática.

Projetos de ensino e programas didáticos de maior eficácia ? Ótimo, precisamos de inovações, "desde que" sigam as normas já estabelecidas. Mudanças no mundo demandando novas estruturas, novas estratégias de ensino, nova didática? Serão consideradas, "desde que" não alterem as regras já solidificadas. Ensino que pense na formação do aluno de uma maneira global, não somente cognitiva, em qualquer nível de aprendizado, que busque despertar sua autocrítica e que leve ao despertar interior de uma ética humana e ao cuidar do bem público? Só no papel, aliás é preciso mesmo ter um registro visível do empenho por transparência, verdade, justiça, humanização... Quer termo mais pomposo que esse? Agora peça para descreverem em que consiste uma ação de humanizar! E não se assuste com a resposta que vai ouvir.

O som das palavras e os afetos, que emolduram seus significados, pairando no ar já está de bom tamanho para os "ilusionistas educacionais". Todo esse aparato já serve de palco para ótimas encenações, peças criadas com conteúdos temáticos, que o povo curte apreciar. As pessoas têm até curtido serem enganadas! A mentira corrupta, que enfraquece o peso dos valores éticos, passou a ter efeito semelhante ao ópio e se tornou um vício. A vontade de lutar por ideais mais humanizados cada vez mais enfraquece e cede lugar para a inércia de quem se aposenta da vida, se permitindo ficar no papel de mero expectador, excluído como "agente responsável atuante" no que vai acontecer.

Ao se abrirem as cortinas, o cenário bem construído, os atores bem posicionados, o texto midiático bem definido, os óculos 3D distribuídos ao público, e o mundo virtual da ilusão contamina toda a realidade das pessoas que estão no local e dependem das circunstâncias para viver. Após seu término, o entorpecimento do pensar, manipulação bem camuflada contaminando a platéia, perdura por bom tempo, mesmo à distância de sua causação imediata. Tudo bem planejado e arquitetado!

Sendo assim, nem é preciso esperar a calada da noite, para se colocar em pauta, novamente, MP antes rejeitadas, ou tomar outras medidas políticas impopulares, mas geradoras de aumento de renda aos cofres públicos e , aos de algumas pessoas físicas, em especial. E isso sem encontrar grandes resistências em serem aprovadas nesse momento de torpor.

Ah. a arte de iludir! E como existem "cientistas na arte de iludir"! O fenômeno fascina, a paralisia deprime, a resiliência constrange. Aumentos de impostos e de salários, inclusive na proporção de 200 a 300% poderão ser confrontados, e defendidos como gastos de primeira necessidade, por aqueles "escolhidos democraticamente" para gerir a "coisa pública". E a defesa dos interesses do povo?

Ora o povo (outro termo abstrato, a que cada um atribui a imagem que lhe aprouver), ora o povo... não há de querer ver seus representantes mal vestidos e andando sem ser em carros de primeira linha. O povo não precisa viver de ostentação. Quer um exemplo? É só observar sua identificação virtual com o mundo glamuroso das celebridades. O povo vive através das vidas delas, basta ver a forma como reage ao que ocorre com elas. É criar ídolos que o povo desvia sua atenção para eles, e sossega!

Ora o povo, até a época de novas eleições já esqueceu tudo! Os experimentos científicos dos cientistas da ilusão podem desativar a memória popular. Qual verdadeira lavagem cerebral, ministrando soníferos através de pequenas dosagens de sonhos imprecisos e incertos, de promessas de prazeres duvidosos ou de ameaças, fomentando o medo de represálias, se utilizam desses métodos ilusionistas, com grande potencial de alterar as percepções, semelhante aos fármacos. Aplicados, nas vésperas das eleições, alteram quaisquer circunstâncias desfavoráveis ao poder vigente.

A cegueira que impede a leitura sobre fatos reais, o pouco interesse com o bem estar do povo, o enfraquecimento intencional do poder da livre-expressão popular, a fragilização manipulada da vontade espontânea, o gerenciamento da raiva - que surge pela impotência ante injustiças - devem ser trabalhados e bem disfarçados por um ensino eficiente.

Uma didática eficaz, nesse sentido, visa reforçar esse foco e centralizar a atenção na iluminação psicodélica ofuscante do "palco das ilusões". Os sonhos têm que parecer que se tornaram reais, função da "teatralização midiática". O poder de identificação com o conteúdo da peça, tal como nas novelas, se incumbe de, virtualmente, ocasionar a vivência das circunstâncias, sentidas na imaginação como prazerosas e felizes, e o suportar as reações metabólicas reais, condizentes com esse estado psíquico. Na realidade, porém, essas vivências não se assentam no chão, pedregoso e esburacado, pelo qual os pés do povo transitam, e são lesionados, no mundo real.

O que mais leva esse aglomerado de pessoas, essa multidão; esse grupo de indivíduos que formam uma nação ou vivem numa mesma região; esse conjunto de pessoas da classe menos favorecida, essa plebe - escolha a definição do dicionário com que mais se identifique - o que leva o "povo" da sociedade contemporânea, a optar por estar assim vivendo o momento atual de sua existência ?

Para quem não conhece, indico a leitura do "Mito da Caverna", de Platão. Muitos se enfileiram para adentrar e ocupar seu lugar dentro dela. Deixam-se aprisionar sem resistir... O que os leva a isso?

Aurora Gite