sábado, 18 de fevereiro de 2012

Da solidão à sensação de "dualidão"

Acredito que essa sensação da transformação da solidão em "dualidão", descrita por Nietzsche para significar seu contato com os conhecimentos adquiridos por Spinoza e a observância de semelhança em seus percursos e nas repercussões de suas posições. São esses encontrões intemporais com proximidade entre idéias e posturas de pensadores distanciados até por séculos, que fortalecem, a meu ver, os elos de pertencermos a uma mesma humanidade.

Em nova mesa redonda, por mim organizada,já estão acomodados alguns convidados trazendo em seus currículos suas idéias inovadoras. Vídeos com suas palestras podem ser encontrados disponíveis no YouTube, a quem se interessar em melhor compreender o processo energético do ser humano.

Uma apresentação concisa de seus componentes, por já tê-los citado anteriormente:
*A neuroanatomista Dra.Jill Bolte Taylor, que conseguiu se recuperar de um difícil quadro de AVC (acidente vascular cerebral) e como cientista além de relatar em livro, o passo a passo de suas experiências, se dispôs a realizar palestras para divulgar suas descobertas comprovadas científicamente;

*O professor de física Laércio B. Fonseca, que em sua aula sobre Física Quântica e Espiritualidade nos confronta com suas idéias pioneiras e nos permite acompanhar seus argumentos dentro de uma logicidade que nos remete obrigatoriamente a adentrar um labirinto de reflexões. Confesso que a maioria de suas constatações acompanho, mas algumas estão muito além de minha compreensão no momento... mas estou aberta a elas. No penúltimo vídeo da série que contém essa aula, expõe propostas inovadoras sobre "partículas e ondas fazerem parte do mesmo campo a que chamamos de consciência", que valem a pena ser consideradas com atenção especial;

*Representantes da Gestalt-Terapia, como Fritz Perls e Barry Stevens com sua busca de novas maneiras de enfrentar a vida e entrar em contato com a força e originalidade de sua criação. Muito me atrai os recursos terapêuticos usados em seu desafio de focalizar a tomada de consciência. Muitos utilizei, com bons resultados, tanto em atendimentos individuais quanto grupais;

*Jung com suas descobertas sobre energia psíquica e representantes da bioenergética e da psicologia transpessoal persistem em seus postos;

*Entre os filósofos também persiste Nietzsche e convido Spinoza;

*Conclamo a presença de Krishnamurti cujas idéias, nessa mesa, terão espaço para serem realmente escutadas e assimiladas em comunhão por todos os demais, já capacitados para esvaziar suas mentes dos condicionamentos, conhecimentos passados acumulados e da influência profunda de toda forma de poder: preconceitos, tradições, religiões fragmentárias, autoridades psicológicas que aprisionam o ser e o impedem de atingir sua liberdade interior.

Sobre Krishnamurti me estendo um pouco mais, por ser a primeira vez que o cito como participante ativo, difundindo o conteúdo de suas idéias através de inúmeras palestras e livros - de grande valia para minhas pesquisas atuais.

Jiddu Krishnamurti (1895-1986) realça que o maior inimigo do homem se concentra no tempo psicológico e que urge a necessidade de sua eliminação, para que a verdadeira liberdade interna seja alcançada, e seja barrada a fragmentação destrutiva das sociedades, formadas por homens perdidos em sua desumanidade.

Krishnamurti tem total consciência de sua diferenciação da maioria, onde muitos enquadram suas idéias inovadoras na categoria da loucura. No entanto, confirma seu fortalecimento na verdade alcançada e, em sua firme postura autocentrada, continua na defesa do homem. Sua proposta é que, para que mudanças reais e imediatas ocorram, o homem precisa se abrir para a escuta atenta de sua intuição - percepção imediata - onde não se observa a participação da mente e da memória condicionadora, que o aprisiona e o molda a padrões externos já estabelecidos. Coloca como decorrentes da mesma movimentação energética a percepção imediata, a visão intuitiva, o amor e a compaixão: daí advém, segundo ele, a energia saudável e a força necessária para a construção da humanidade no lugar das sociedades, ditas civilizadas, que formamos no mundo atual.

Em suas conferências e palestras (vídeos no YouTube) destaca a importância dessa visão intuitiva para a humanidade, que se deteriora ante tantas guerras e justificativas, que são mais distorções racionais para a exposição de todas sua violência e desagregação como ser humano. Sua investigação recai sobre a causa do homem enganar a si mesmo e permitir que sua própria mente o aprisione na corrente de ilusões que ela criou ao redor dele. Mesmo não se sentindo bem, desamparado e perdido nesse quadro social, prefere ficar no mesmo lugar, fato incompreensível, se analisado sob os holofotes da lógica da razão. Aponta, ainda, para o perigo da ilusão do "buscar a transformação", que considera mais uma fuga do que um atuar visando um mudança de postura interna. Coloca que a armadilha, aí contida, é pelo fato das expectativas dos homens se basearem em conhecimentos atrelados ao "tempo psicológico" de pensamentos, referenciados pela imaginação do passado ou de um futuro. Sem a referência prática a possíveis alterações do agir no "presente", único tempo real, paralisam o homem e o impedem de alcançar o estado de espírito interior e a verdade de sua existência e essência.

Krishnamurti se empenhou, durante sua vida, a divulgar suas idéias sobre a necessidade do homem adotar uma nova forma de agir para mudar o quadro de destruição que o cerca. Em seu processo investigativo é constante seu questionamento sobre o porquê do homem, que se intitula racional, agir de forma tão irracional - reconhecendo sua irracionalidade - e persistir no ambiente deteriorado, que sua própria mente insana criou.

Seus livros reúnem as conferências e palestras por ele proferidas. São transcritos em forma de indagações e busca de respostas normalmente em diálogos. "Uma Nova Maneira de Agir" data de 1964, mas traz os problemas e questões atuais, de forma que causa surpresa observar a mesma moldura destrutiva ser mantida e a dificuldade do homem "escutar"a si e à natureza do universo cósmico, e utilizar sua "visão intuitiva"- percepção que o conduz ao esvaziamento da mente da energia pensamento, e à aproximação solitária do vazio silencioso de um espaço interior, pleno de outro tipo de energia, verdadeira força interna a conduzi-lo a ser livre e a um estado de espírito sereno.

Os que contém seus diálogos com o físico quântico David Bohm, abordando o sistema energético intrínseco ao ser humano e o movimento da energia pensamento, são muito instigantes - ainda mais se considerarmos as décadas em que ocorreram.

Agora é vocês conferirem!
E para quem for da área de saúde mental,considero importante o estabelecimento de conexões com as qualidades dos vínculos estabelecidos com seus pacientes, em qualquer modalidade de terapia, e a escolha dos recursos terapêuticos a serem empregados.

Ops! E não esqueçam de revalidarem teorias reducionistas, que ainda buscam enquadrar o paciente visando resgatar um passado e chegar a uma qualidade de vida padronizada pela sociedade vigente.

O foco é propiciar ao homem social, hoje em dia cada vez mais indiferente e perdido em si mesmo, que se aprisionou e se violentou, liberar "com urgência" seu lado humano sensível e racional, íntegro e harmônico, livre e sereno.

Epa! Esqueçam o "com urgência", hábito ou ação já automatizada, ou robotizada se preferirem um termo mais atual. Seu uso inadvertido serviu para exemplificar como nos condicionamos a agir sem pensar, nos deixando levar, sem refletir, dentro da imposição do enquadramento do "relógio do tempo psicológico", que "nós mesmos inventamos para nos enjaular"!

Aurora Gite

P.S. : Já visitaram www.ameporto.org ?
Não é para se espantarem, mas o site é da Associação Médica do Porto (Portugal) e artigos científicos de ponta registrando últimos experimentos com o uso de neuroimagens funcionais.

Destaco ainda os vídeos do Prof. Dr. Decio Iantoli Jr disponíveis no YouTube. acesso pelo Google. Ou assistam a um deles, que indico com prazer, em: www.youtu.be/aRHzsq6KgMc

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Nova perspectiva: novo prisma sobre a humanidade

Duas inquietações me mobilizaram a mudar de perspectiva, ampliando assim o prisma de minha observação do mundo e das relações humanas... e das formas de psicoterapias o que é pauta de futuro blog a elas mais direcionado.

A primeira inquietação envolve a enorme abertura dada pelos representantes oficiais da Psicanálise à entrada de vários profissionais, muitos dos quais com vasto campo teórico e mínimo campo prático no que diz respeito a sua própria formação pessoal como psicanalista, colocando em perigo a complexa relação analista-analisando com seu intrincado mundo transferencial representando um viés interpretativo, um caminho sem volta na realidade concreta do paciente em análise.


No contato com defensores da Psicanálise me advinha a mesma sensação: como estavam tão acima, seu foco recaia na fortaleza teórica freudiana, e não demonstravam preocupação com qualquer infiltração que pudesse abalar suas bases, nem com o fato de que os indivíduos estavam mais e mais infelizes, e que as sociedades mais estavam totalitárias e opressoras. Nesse sentido, o quadro vivencial do ser humano pouco mudou. E isso é fato!

A segunda foi despertada pela inovação terapêutica advinda da Filosofia Clínica. Entendo filosofia como amor à sabedoria, amor à verdade. Para mim o próprio viver psíquico deveria inspirar e expirar o ar renovador e unificador desse amor. A humanidade em si  deveria ser fortalecida em sua "integração pela convivência amorosa".


É importante ter sempre em mente que o amor implica um cuidar prazeroso. Isso leva a um convívio agradável e sereno, tipo de relação baseada em paz, união, construção mas atualmente cultivada por tão poucos! A maioria se vê assolada por seus conflitos psíquicos.  Deixando de estabelecer uma relação amorosa harmônica consigo mesmo, como expandir sua capacidade de amar?


No que residiria, então, uma clínica filosófica?
Como haver uma investigação filosófica, ligando a existência humana à sua essência, sem esbarrar intrusivamente na clínica psicológica, entrando em choque frontal com a base ética dos limites humanos, não só formais mas virtuosos, a serem respeitados?
Como imaginar o uso da Filosofia abalando o pilar transparente da Justiça, como "bem maior" em suas regras de convivência adequada?
Como vislumbrar a não observância, por parte dos que se dizem filósofos, dos direitos legais sociais a serem preservados, ou refutados, com base nas leis criadas pelos homens visando esse alcance?

De repente mudei de posição e, com essa atitude, me deparei com outro ponto de vista. O foco no social e nas sociedades, recaiu direto sobre o humano e a humanidade, que estiveram por anos encobertos.

Aí foi esticar a mão e retirar da prateleira os livros, não... as idéias de Jiddu Krishnamurti (1895 - 1986), também não...  muito menos as palavras e os pensamentos, ou conhecimentos e condicionamentos, tão questionados por ele - por estarem atrelados ao que considerava o maior inimigo do humano, ou seja, o tempo psicológico.


Aí foi esticar a mão e retirar da prateleira o "humanismo de Krishnamurti" . Seu foco teórico estava no homem em seu existir cotidiano e na prática errônea da "ação humana não consciente" . Sua investigação recaia sobre a dificuldade do ser humano "irracional em suas atitudes", recusar se reconhecer dentro de sua irracionalidade, sempre se escondendo sob o manto do racional para não precisar agir em seu existir no agora.

Eis o que buscava nessa palestra proferida por Krishnamurti em 1980 (Ojaí, Califórnia). Mudem a moldura de 1980 para 2012 e verifiquem como ainda lhe cabe:

"Gostaria de fazer uma pergunta que poderá nos conduzir a algo: o que é preciso para o homem transformar-se profunda, fundamental e radicalmente? Ele tem passado por crise após crise, tem sofrido inúmeros choques, tem atravessado todos os tipos de infortúnios, de guerras, de sofrimentos pessoais, e assim por diante. Tem tido um pouco de afeição, um pouco de alegria, mas tudo isso não parece mudá-lo. O que fará com que um ser humano abandone o caminho que está seguindo, e siga em direção completamente diferente? Esse é um dos nossos maiores problemas, você não acha? Por quê? Se estivermos preocupados, como deveríamos estar com a humanidade, com todas as coisas que estão acontecendo, qual será a ação correta para levar o homem a mudar de direção? Essa pergunta é válida? Tem algum significado? (...) o que está segurando as pessoas... o que está mantendo as pessoas no seu rumo atual...parecem mudar, mas o centro egotista permanece o mesmo...o que dificulta a manutenção de afastamento de atitudes irracionais, padrões destrutivos e autocentrados...o que leva a mente a enganar a si própria? (...) Os analistas tentaram, as pessoas religiosas tentaram, todo mundo tentou tornar os seres humanos inteligentes - mas eles não tiveram sucesso (...) há muitas explicações bastante racionais, e no final caímos de volta nisso (...) Você poderá me apresentar mil explicações, e todas provavelmente um pouco irracionais, mas eu direi: você o fez (rompeu o padrão) ?"

Recolho agora material das obras de Krishnamurti com seu foco no "agir no agora da humanidade" e cruzo com o que me fornece André Martins, filósofo e psicanalista em seus livros "Pulsão de Morte?" (novas idéias e propostas teóricas inovadoras para uma clínica psicanalítica, que visa à potência do agir do analisando) e "O mais potente dos afetos: Spinoza&Nietzsche" (o "conhecimento" como o mais potente dos afetos, ou seja, aquilo que me afeta, me causa afeição, vínculo afetivo).

E me aventuro agora a ler "O Livro Negro da Psicanálise: viver e pensar melhor sem Freud", em suas 644 páginas, org. por Catherine Meyer. Na contracapa podemos ler: "Há uma vida depois de Freud: podemos, em terapia, trabalhar um inconsciente não freudiano (...) Este livro é, antes de tudo, um ato de confiança na liberdade de cada um. Cabe ao leitor saber resistir aos argumentos de autoridade daqueles que "sabem", daqueles que decidem ex abrupto. Cabe a ele comparar os diferentes pontos de vista."

Como começar em meio a tudo isso?
É simples! Comece por acompanhar, dentro de você, a movimentação de sua energia interna ante a mudança dos termos "sociedade" por "humanidade". Só observe e constate o que ocorre quando o "homem social" cede espaço para o "ser humano".

Aurora Gite


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Uma Saudosa Homenagem

Casa Arrumada

Casa arrumada é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa
entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um
cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os
móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros
saem das prateleiras
e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições
fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca
ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.
Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...
E reconhecer nela o seu lugar.

Carlos Drumond de Andrade
(1902 - 1987)

Sem palavras novamente... só saudades!
Aurora Gite