Penso que teríamos que focar os acontecimentos sob nova perspectiva, a partir de agora.
Ante um quadro onde observamos:
- o império da irracionalidade na busca de poder e exaltação de interesses personalizados,
- a evidência da quebra da ética e dos compromissos assumidos sob esse prisma,
- a constatação da não aceitação de acordos visando o bem comum e ações humanitárias,
acredito que nosso foco deveria recair no que temos no "aqui e agora existencial" dessas populações.
Sob uma leitura racional e emocional, análises e interpretações deverão recair nas perdas desestruturantes da identidade do ser humano, e que interferirão diretamente em suas reconstruções logísticas e convivências futuras.
Nesse sentido, vale lembrar que as perdas, na construção do ser humano, englobam os três tipos de lutos:1- as perdas de entes adultos e idosos significativos, parentes ou não, testemunhos de nossas experiências, pontos de nossa auto-referência, reminiscências de nosso passado e sinalização de nossa passagem por esta vida;
2- as perdas de crianças e adolescentes, representantes de nossos projetos futuristas, sonhos e propósitos que dão sentido a nossa vida;
3-as perdas dos patrimônios materiais e culturais, de nossa tradição histórica, conquistas e aquisições : autorealizações reponsáveis pela valorização de nossa auto-estima.
Como se reestruturar como ser humano, com senso moral virtuoso e justo, ante toda a distorção da própria sensibilidade humana, necessária para suportar todo o flagelo desumano?
Como suplantar todo o ódio, raiva e ressentimento, que tendem a se transformar posteriormente em reações vingativas e intimistas, até como forma de amenizar toda a angústia que geram?
Como perdoar e superar todas essas vivências violentas, mescladas em ambos os lados por impotência e culpa, dos que sofreram e foram submetidos e dos que agrediram e humilharam.
Ambos os lados terão que se confrontar com a gélida barreira de autoproteção, porta de aço da sólida indiferença, instalada internamente para aprisionar o lado mais íntimo e afetuoso de cada um, postura necessária à sobrevivência física ante o dilema "eu ou ele".
E quanto a sobrevivência psíquica?
Ambos os lados são constituídos por pais, filhos e maridos, que viram projetadas suas próprias vidas, derrocadas suas esperanças, ao serem espelhadas as mortes de familiares e a sua própria morte, ante cada tiro dado ou agressão efetuada.
Zumbis e robôs, aceitando e dando ordens aviltantes, sem autonomia humana defensiva, sem direito a senso crítico questionador, que já pagaram e pagarão alto preço a partir de agora ante a intransigência que se observa.
Quem irá lhes propiciar posterior equilíbrio emocional, harmonia consigo mesmo; motivação para respeitar as leis e normas discriminadoras políticas, economicas e sociais; disposição para a construção de convivências pacíficas humanitárias num mundo tão ameaçador e persecutório, sem a segurança de lideranças confiáveis visando o bem-estar da raça humana?
Qual será a visão de mundo e de homem, que está sendo construída, e qual prevalecerá nesse século 21?
Isso é responsabilidade de cada um de nós, mesmo distantes.
Com pesar, Aurora Gite.