segunda-feira, 28 de abril de 2014

Não estou cobrando, nem impondo... só pedindo!

Existem autores que nos marcam desde nossa adolescência. No meu caso, destaco o escritor russo Fiódor Dostoiévski. Não vou negar que, de tempos em tempos, me reporto a ele, e releio trechos de suas obras. É incrível como lançam novas luzes para a compreensão de algumas dinâmicas psíquicas entre pessoas que me cercam, clareando mesmo as angústias dos sofrimentos de alguns pacientes.

"Crime e Castigo" é um de seus livros, que considero, dos mais conhecidos; acredito que pela temática, que envolve a problemática da culpa, a dúvida do arrependimento, a submissão e resignação ao castigo como purificador. Mas hoje retiro da estante sua obra "O Idiota", relembrando como me encantou o mundo do Príncipe Michkin e o amar de Nastássia.

Talvez o tenha feito por associar à percepção da fragilidade física daquele palestrista, sua necessidade de maior esforço no comandar sua respiração, para emitir um tom de voz mais vibrante - mal intento pois seu cansaço físico transparecia em alguns momentos pela visível debilidade no som emitido, perceptível a um observador mais atento. Isso me fazia imaginar como suas relações de troca com o mundo não deviam estar se dando de forma tão suave, com mais equilíbrio e vivacidade. O corpo humano reage através da linguagem funcional expressa pelos órgãos específicos de nosso sistema orgânico. Nossas disfunções em vias respiratórias e vias excretoras como a urinária, responsáveis pelo filtro do que nos é impuro, do que pode nos intoxicar lentamente, dão sinais e mais sinais... alertas constantes para que prestemos atenção na qualidade de vida deficitária, que estamos nos permitindo ter. Logo, na sequência de sua fala, reforçando minha impressão, vinha uma frase (irônica?) alertando para o cansaço da velhice, para o pouco tempo que resta, para o estar se entregando ao poço dos idosos que desistem de lutar por manter suas almas vivas e jovens. Nossas almas não envelhecem acompanhando nosso corpo físico, se as nutrirmos de sonhos e idealizações constantes.

É fascinante a forma como Dostoiévski desenvolve a trama de seus romances e a agudeza com que nos conduz ao mundo psicológico, às almas mesmas, dos personagens. Ávida leitora, fui cativada pelo mundo sob a temática do dinheiro, poder, conquista, vícios, culpas, fraquezas humanas, trágicos desencontros e ... redenções, reencontros pelo resgate do humano nos seres descritos por esse autor.

Em "O Idiota", Dostoiévski retrata a problemática de um indivíduo puro em seu caráter superior, que acaba sendo, para a sociedade corrompida, um frágil idealista humanista inadaptado. Para quem busca entender os meandros da mente humana, Michkin , além da epilepsia e do físico franzino, portava grande vulnerabilidade psíquica. Seu mundo era entremeado por inseguranças, dúvidas e incertezas, inconstâncias e indecisões, que contaminavam e o torturavam em suas necessidades de fazer escolhas e tomar decisões.

Para meu espanto, a personagem Nastassia teve uma fantástica transformação ao amar Michkin, com tal grandeza de espírito, que o deixou livre. O autor a levou a preferir a renúncia do contato direto com o príncipe - em determinado momento do transcorrer da história do romance -  do que  conviver com a angústia da simples hipótese de pensar em ser responsável por lhe aumentar o sofrimento gerado nele por uma questão de escolhas entre desejos e deveres, probabilidades de erros e possíveis acertos dos quais não podia ter controle direto para se sentir mais seguro. A grandeza do "cuidar e soltar por amor" levaram Nastassia mais ao afastamento físico, do que a uma luta competitiva, em que tinha sua vitória quase como certa. Optou por manter sua presença ao acompanhar a vida de Michkin à distância. Depois o destino, nas mãos do autor, mostrou sua força, dando novos rumos aos personagens.

No momento atual de nossa sociedade, assolada por interações mórbidas e até fatais, envolvendo "ciúme e posse do outro", tratado como "mero objeto de desejos", é leitura suave, a meu ver.

Como boa leitora, sempre me dedico a ler atentamente prefácios e capítulos introdutórios, me inteirando sobre o autor e as circunstâncias em que as ideias contidas nas obras emergiram. A ideia de fazer um herói idiota teria vindo do folclore russo. "Idiotia": considerada uma "doença divina" pela inocência atribuída ao doente."Simplicidade, pureza, inocência possuem dons divinatórios por despojarem o homem dos preconceitos que encurtam a vida e envenenam a existência".

Eis-nos, novamente, jogados no labirinto dos significados das palavras e no confronto de emoções pelos paradoxos com que somos afetados por eles. De um lado, seu sentido agressivo, entendendo o termo idiota como imbecil, estúpido... e de outro, a compaixão ou a pena, se o compreendermos como pessoa simplória, inocente. "As palavras do 'Poverello di Dio', aplicam-se bem à idiotia do Príncipe Michkin, no quixotismo cristão do herói dostoievskiano", segundo as palavras de quem admira as obras do autor, reconhecendo seu valor e sua grandeza.

E eu me ponho a constatar quão distantes, os valores éticos e as grandezas de caráter, estão do nosso social de hoje, que não mobilizam as pessoas à paciência por ideais esperançosos e à transcendência interna por crescimentos éticos; mas que, pelo contrário, as remetem ao imediatismo e aos infernos interacionais, ao caos destruidor de convivências pacíficas, respeitosas e afetuosas, ante a ausência de regras morais de convivência e leis éticas unificadoras dos grupos humanos.

Vou mais adiante e me ponho a refletir sobre quantos de nós somos capazes de reconhecer qual é o seu peso (valor) e a sua altura (grandeza), na construção ética da história de sua própria vida, no cenário atual de deterioração e desestruturação social, onde temos que abrir nosso espaço como indivíduos, com coragem, ousadia e, mais ainda, com a galhardia da dignidade pessoal conquistada a duras penas?

Pergunto a você se consegue bancar sua alma viva e jovem, cheia de sonhos e esperanças, buscando inseri-la nas críticas circunstâncias sociais, que cercam esse mundo de crises? Indago se em todo caminho que tente trilhar, vai se esforçar por não cair no pântano do desânimo e do tédio, nem propiciar que o pessimismo e a preguiça ociosa a envelheçam?

Poderia me prometer, e se comprometer, a fazer tudo que estiver a seu alcance - com as limitações por que passa - para impedir que sua alma perca a fé e autoconfiança, indispensáveis para que possa ter um envolvimento efetivo e uma participação ativa na qualidade que você possa imprimir a seu viver?

Conseguirá impedir que "sua razão lhe pregue uma peça", que seu "querer seja amordaçado" e que sua "vontade perca o impulso vital inato" - fundamental para ela inocular a energia necessária em seu organismo físico e psíquico?

Conseguirá fortalecer sua alma e manter atuante sua juventude dentro de um corpo aparentemente envelhecido, até que o sopro da vida persista em seu peito?

Não morra em vida! É pedir muito? Não estou cobrando, nem impondo... só pedindo!

Aurora Gite


domingo, 20 de abril de 2014

Também estou em choque!

Até onde vai a inversão de valores em nossa sociedade?

Duas notícias chocantes, que merecem ser compartilhadas e, posteriormente, divulgadas, para que outras pessoas tomem ciência. Não dá mais para vestirmos "roupagens camaleônicas" e fazermos de conta que nada aconteceu, não vivermos sob a violência perversa desse "mundo cão", não presenciarmos ou "recusarmos a nos permitir presenciar", e "não nos afetarmos" com o que não nos diz respeito diretamente!

Espetacular a entrevista realizada pela jornalista Miriam Leitão ao consultor Mário Veiga, demonstrando como não é preciso se utilizar de sensacionalismo para atrair a atenção das pessoas, ainda mais quando o assunto é de tal seriedade, que afeta a todos nós de uma forma ou de outra, ou sofreremos privações práticas, quebrando nossa rotina cotidiana com transtorno em várias áreas de nossa vida diária, ou teremos que arcar financeiramente por falhas e erros de terceiros, a quem não representamos mais que um número para estatísticas, dentro da frieza insensível do anonimato social.

"Estou em choque!" diz Miriam Leitão no final da entrevista, mesmo ante sua grande experiência profissional. E eu, também fiquei, ao assistir seu programa Globo-News Economia (vídeo disponível em site que coloco a seguir) por isso compartilho. Peço aos que acharem pertinente que divulguem, para que o maior número possível de pessoas tomem ciência. São informações tão distantes de nossos cotidianos, que sobre elas não recai nossa atenção, ou nosso interesse para saber dos detalhes sobre como tudo é gerado e quem toma decisões ou é responsável por falhas de tal gravidade. Sobre seu conteúdo podemos refletir e, talvez, ter outra compreensão sobre o que nos cerca, e exercer, com mais responsabilidade, nossa cidadania.

http://globotv.globo.com/globo-news/globo-news.economia/v/crise-da-energia-eletrica-brasil-corre-risco-de-novos-apagões-e-de-racionamento/3289442

Nossa! A confusão não começou por fatores climáticos em 2014. Vejam onde ocorreram, e ainda ocorrem, falhas. Responsabilidade de terceiros que não tomaram decisões cabíveis, embora devidamente alertados. Negligência que vai nos custar caro, literalmente falando. Nós pagamos por esses erros: isso vocês sabiam? Por isso divulguem, exercendo seu direito de cidadãos e pelo dever de zelar também pela gestão do bem-estar e harmonia social. Após refletirem sobre os dados da entrevista, imaginem o caos, que teremos que enfrentar. Se existe violência social acirrada, imaginem a convivência interpessoal estando os ânimos mais exaltados por dificuldades práticas intransponíveis decorrentes de tomadas de decisões antiéticas e imbuídas de tão pouco caso, sem ter como prioridade a qualidade de vida de nossa sociedade, já tão injustiçada pelas normas legais e fiscais, e assolada por impunidades, com as quais se percebe impotente, cerceada e oprimida atualmente.

Aqui pego o gancho para o segundo evento chocante que tanto me tocou.

Não posso negar que estou estarrecida, ante tanta displicência na forma como estão sendo tomadas decisões judiciais, e com a irresponsabilidade dos membros oficiais de instituições voltadas ao bem-estar da infância e juventude. Cito o caso, que mobiliza variadas emoções na sociedade nesse momento, da morte do garoto B.B.,de 11 anos, em situação tão trágica.

A revolta é tão grande que temos que compartilhar e pedir que divulguem, para que o caso não caia no esquecimento, como tantos outros semelhantes, sem a devida averiguação e punição dos culpados por tal atrocidade, sem que sejam punidos os co-responsáveis da máquina institucional que cercaram o garoto, ouviram, comprovaram suas queixas e menosprezaram o perigo de morte que o cercava. E ele se esforçava para ser escutado, pediu socorro a vários órgãos públicos; sua avó materna também deu queixa, através de advogado, pedindo providências legais para obter a tutela do neto - visto ser órfão de mãe: suicídio (?) em 2012 na frente do pai e amante; famílias se colocaram no papel de adotivas dando cobertura afetiva e prática ao menino. Todos foram tratados com total descaso e aprisionados na burocracia "legal" e "cegueira" da justiça falaciosa. Todos passam a ser cúmplices no desfecho fatal, vocês não acham?

E as notícias pela mídia persistem:
"Menino B. teve morte violenta indica certidão de óbito... Foi dopado antes de ser assassinado por injeção letal... Surgem suspeitas de que tenha sido enterrado vivo... Encontrado enterrado em uma cova num matagal... Seu corpo estava nu, envolto em saco plástico."
"Madrasta já teria tentado asfixiar B., segundo ex-babá...Assistente social, amiga da madrasta, suspeita de envolvimento na morte do garoto B.B. de 11 anos disse à polícia gaúcha que recebeu R$ 6.000,00 dela..."
"Avó avisou - final de 2013 - rede de proteção à infância, que B. corria perigo...Advogado da avó tentou que a tutela fosse transferida para ela ..."

Mais e mais informações sobre os desencontros e as negligências judiciais por parte dos defensores públicos. Como buscar reconciliações, que o tempo provara não ter condições de serem conseguidas pacificamente, naquele momento familiar de desavenças e ameaças já físicas ao menino?

As perguntas que não querem calar, dentro de mim, são:

* Por que medidas efetivas, com base nas evidências das testemunhas e vontade expressa da vítima e da avó materna - friso queixas respeitando as "vias legais"- não foram tomadas e nada foi feito para afastarem o menino da madrasta e retirarem a tutela paterna?

*Existem penalidades ao Juiz da Infância e Juventude F.V.S. (divulgado por jornais e revistas) e aos responsáveis pela "rede de proteção à família", que legalmente ficaram de vigiar à família de B., e não o fizeram?

*Temos que conviver com expressões do juiz, divulgadas pela imprensa, com seu "Infelizmente aconteceu o pior... não tinha informações sobre a avó ter condições de cuidar do garoto ... iria enviar para um abrigo (?)" ? Um juiz não tinha o poder de outras decisões alternativas mediante informações, que lhe foram passadas , repito, por membros da equipe que cercaram o caso: promotora e assistente social oficial?

*Como isentar um juiz de tal descaso, aceitar suas lamentações, após tragédias como essas, com sinais previsíveis, se consumarem?

*Não deve estar sendo fácil para o juiz que - passando por cima da queixa de maus tratos familiares, efetuada pelo próprio garoto, avó, vizinhos e amigos...comprovada por testemunhos colhidos por elementos da promotoria e dados coletados pela assistente social -  ainda tenta a reconciliação pai-filho, e força a permanência  do menino "sob o mesmo teto da madrasta" (que já havia tentado asfixiá-lo). Como evitar reconhecer que facultou seu fim trágico?

*Afinal, a Justiça serviu a quem?

Aurora Gite

P.S.: Também podem acessar o vídeo da entrevista de Miriam Leitão em twitter.com/ThompsonLM
- tweet publicado em 20 de abril de 2014.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Por que é tão difícil ver +além das meras aparências?

Por que é tão difícil ver + além das meras aparências? Essa inquietude me faz recordar do filme Patch Adams. Como não deixar de associar com a sábia lição de vida contida na frase, cuja profundidade talvez tenha escapado a alguns: "Veja além dos dedos de minha mão (aqui na frente de seus olhos)"? Em muitas ocasiões, durante o filme, essa aprendizagem foi útil a Patch, particularmente para se afastar mentalmente se protegendo dos impulsos negativos de ódio e raiva, sem se envolver emocionalmente em momentos de discórdia e agressividade, competição e inveja... Lembro de ter me indagado como seria útil nos encontros com pessoas especiais, para soltar livremente, dando asas à imaginação, impulsos de alegria e energia (por que não, não é uma troca de energia?) na expansão do "cuidar do próprio amar" através da plena entrega ao outro.

Como esse questionamento me tem sido recorrente ante alguns tweets, achei pertinente reler essa postagem. Senti o mesmo tripé me mobilizando: impactante, intrigante, instigante. Pena grande parte das pessoas ainda estarem tão voltadas ao apego aos fugazes prazeres sexuais físicos, e não terem se aproximado do tesão propiciado pelo agregar capacidades de nossas outras faculdades, como a de imaginar e de brincar. James coloca bem o indescritível da sensação do lúdico na relação a dois, onde dois corpos e duas mentes, dispostos a curtir o encontro, permitem se soltar nesse contato, sem cobranças ou exigências, sem preocupação com desempenhos e resultados, simplesmente se permitindo "ser" e "se sentir alegre" se entregando a seu desejo de "ser livre e feliz" a dois - na "cumplicidade, lealdade e simplicidade", que podem ser outorgadas a esses momentos, singelos quando sinceros, preservados da malícia invejosa e maledicência preconceituosa.

Os comentários abaixo me remeteram a sensações, que ainda permanecem vivas dentro de mim, e atenta às reações que me provocam, percebo que persistem muito estimulantes, como não!

" Encerro a leitura da trilogia 'Cinquenta Tons' de E.L.James e me ponho a digerir sobre o que ficou dentro de mim.

Começo por três pontos, a meu ver, básicos:

Primeiro, dou ênfase à qualidade da publicação da editora Intrínseca e à escolha das capas, não só pelas imagens, mas pela textura das mesmas.

Segundo, realço o estilo de escrever de James com sua objetividade, frases curtas, indo direto ao que quer transmitir, sem a necessidade que o leitor tenha muitas elucubrações e interrogações do tipo "o que será que o autor quis dizer com isso?". Acredito que, além do conteúdo instigante, essa forma sucinta e direta, tenha atraído tantos leitores "internautas do mundo atual", que se dispuseram a comprar seus livros e a seguir avidamente suas idéias, bem articuladas dentro do que a autora se propôs.

Terceiro, leitores em busca de pornografia, podem ter se deparado com muitas lições de como atuar sexualmente, ante descrições tão detalhadas e ricas sobre a relação sexual entre duas pessoas "afins uma da outra", que se perceberam com uma química semelhante, com seus corpos respondendo a estimulações específicas de forma idêntica - sintonia que aumentou a atração entre eles - e com suas mentes se permitindo  se embalarem no aumento de prazer, pela excitação advinda da atuação da faculdade de imaginar, fervilhante de inovações consensuais impeditivas a que o tédio da mesmice contamine o tesão que  apimenta a relação; digo melhor, que poderia apimentar o tesão de qualquer relação humana nesse sentido.

Agora chego ao que me causou grande surpresa: Quanta coisa sobre o "amor" , para os que se dispuserem a ver +além das meras aparências!

"Data venia" aos que tenham opinião contrária, chamou minha atenção, logo no início da leitura da trilogia, a autora usar a expressão "fazer amor" em vez de fazer sexo. No sexual temos o êxtase do prazer orgástico, explosão de energias através da entrega a uma união de corpos que se abre ao estímulo de áreas eróticas e à excitação pela fricção das mesmas. No "fazer amor" temos a entrega ao prazer de duas almas afins, o "sentir", em breves momentos, o clímax (apogeu) de energias em campo que irradia paz, aconchego, amor.

Refletindo sobre a repercussão e o estouro nas vendas da trilogia "Cinquenta Tons", mais me convenço sobre a pobreza da fantasia no erotismo atual. Ao ler não se sobressaiu o encontro sadomasoquista e a relação de prazer ante dores físicas e/ou psíquicas, mas o consenso e a curtição de um casal no encontro de jogos eróticos, que liberam a sintonia da excitação de suas libidos. Inclusive, quem se dispôs a ler e confrontar a obra com tantas críticas cruéis, deve ter notado que entre o casal existia um código: o uso da palavra "vermelho", indicava o 'Pare!', simbolizando, naquele momento, a interrupção de como chamavam de seu "desafio de limites". Meu foco recaiu na preocupação de um com o bem-estar do outro, na enorme vontade de agradar e preservar, no afetuoso e raro cuidar das respectivas integridades psíquicas.

Notem como a autora articulou suas idéias, sempre mobilizando o interesse para o "quero saber mais" e a curiosidade no "e agora, o que vem?" , dentro de situações banais que poderiam ocorrer com qualquer um, e sob uma abordagem bem passo a passo da relação sequencial das cenas, que levam a seguir seu pensamento e o desenrolar das ações dos protagonistas.

Analisem o "subjugar": não implica em causar sofrimento, mas aumentar o prazer da entrega, após o jogo da resistência e controle das reações imediatistas, impulsivas. Verifiquem a "função da submissão" onde o aumento do tesão vem do tentar se esquivar, sem impedir a ação restritiva do outro, mas encorajando-a. É incrível como os casais menosprezam suas capacidades de imaginar e fantasiar, apimentando a vida sexual, e  se permitem cair no marasmo tedioso da mesmice.

A expressiva vendagem dos livros ("pornografias para mamães?", subtítulo que receberam) e o interesse de tantos jovens, podem sugerir a possibilidade de maior união da "sensualidade" à "sexualidade", ou seja, que a mera satisfação dos instintos sexuais se acopla à grandeza das descobertas dos prazeres sensuais, pela entrega gradual aos estímulos sensoriais: aumento da percepção sobre as sensações físicas. O que me parece um bom sinal para impedir a alienação do mundo da ilusão,  com suas criações em que impera a falácia fantasiosa sobre as sensações reais.

Termino a leitura e me recordo que a autora se permitiu "criar", concretizar suas idéias, sob o som da música clássica, fato que também atraiu minha atenção. Minhas pesquisas sobre os dinamismos energéticos de nossa energia psíquica, os associando a processos bio-quânticos (bio-eletromagnéticos) estavam sendo direcionadas para os efeitos internos da acústica dos sons: de um som lírico e suave (mais atrativo à nossa alma) e sua diferenciação com um rock da pesada ( mais estimulante a movimentos corporais). Começo a ler de Otto Maria Carpeaux, "O Livro de Ouro da História da Música", onde o autor "traça a história da música erudita através de sete séculos.

Ao fechar "Cinquenta Tons de Liberdade" e me por a pensar sobre o trajeto dos personagens, vejo delineado o caminho por onde a autora impulsiona seus personagens a percorrer, que pode ser experienciado por duas pessoas viventes quaisquer. No possibilitar essa identificação também reside parte do sucesso da obra.

Mentalmente faço um retrospecto das articulações das idéias de James, que me levaram a refletir sobre:

* "a arte de amar", ou o respeito pelo cuidar das diferenças individuais e o encontro do prazer no ser diferente do outro e crescer nessa relação, preservando as individualidades;

* "a arte de fantasiar em consenso" como fator enriquecedor da relação;

* "a arte de criar expectativas", ou saber aguçar o prazer da espera de algo imprevisível e fora de controle;

* "a arte da entrega", ou o de se capacitar para o relaxar necessário a que a mesma ocorra com prazer;

* "a arte de confiar", de confiar no próprio taco para manter a relação e na capacidade do outro para lidar com adversidades circunstanciais do cotidiano, ambos preservando a relação para que não se contamine.

Essas reflexões me levam a recordar como algumas pessoas - como os personagens de James - ao se encontrarem circunstancialmente têm algum tipo de conexão energética ativada. É um reconhecimento inexplicável : "Não me pergunte o porquê, mas sinto nele a dignidade do diamante; se algum dia o souber 'solitário' e 'só'. vou estar por perto"; contrapondo a um " Ou ela é muito boa, ou muito..." já permitindo antever suas ansiedades antecipatórias, seus "cinquenta tons" a serem acolhidos.

Aqui já tirei da prateleira os "Diálogos de Platão" : "Banquete" ( com todo seu louvor ao amor) e "Fedro" (que prolonga o Banquete e vai +além) . Li o "Banquete" em 1976. Só de folhear percebo sua importância pessoal, por me permitir observar meu caminhar em relação ao fenômeno amoroso. Mas, de repente, em Fedro, do "mito do carro alado, no qual o cocheiro é a razão e os corcéis, a vontade e a concupiscência", me surge a percepção de que ansiedades antecipatórias em suas roupagens de medos do porvir, não só serão afastadas pela oposição ao que é no presente e pelo reforço ao confiar na própria capacidade de atuar sobre circunstâncias "conforme forem se concretizando no real", mas quando se alçar a categoria do cocheiro: da "razão" para a da "sabedoria".

Os mitos dispersos pela obra de Platão me fascinam. Talvez ouse estabelecer um código secreto, para quando se possa, ou se queira, acolher a privacidade de uma relação a dois, e falar 'me too' (eu também)."

Aurora Gite

Minha curiosidade agora volta-se para o próximo lançamento do filme já em produção (2014).

É interessante imaginar as ideias da autora, que me despertaram tantas impressões e geraram tantas imagens a partir delas, serem agora manipuladas pelo diretor do filme. Sem dúvida, os recortes de cenas decorreram também das impressões que lhe causaram as ideias de James. E no filme vão estar acrescidas de como foram assimiladas e como serão expressas pela atuação dramática dos atores. Como esquecer que as características de suas personalidades, suas sensibilidades além da experiência profissional é que vão dar vida aos personagens? 

Agora os personagens não são mais da autora do livro, não são mais do diretor do filme, não são mais dos atores que encenam a vida dos personagens... passam a pertencer ao imaginário de quem se dispuser a assistir ao filme, como eu! 

Uau, sou eu, então, que vou conviver com elas e gerenciar o lugar que quero que ocupem no meu imaginário e o seu tempo de permanência?

Como li a trilogia antes e tenho vivas as impressões que me causaram, preparo minha memória para conviver, por um lado, com perdas de lembranças agradáveis, e por outro com os ganhos. Acho fascinante o poder do ser humano para abertura de seu espaço mental e recepção calorosa para novas recordações prazerosas. Desse movimento é que vai depender, também, a qualidade de seu viver.


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Um encontro, ou uma paciente, sempre especial!

Existem pacientes que com o tempo vão se tornando especiais. É lógico que guardamos essas impressões seletivas, mas não podemos conter a ansiedade pela expectativa dos novos contatos.
Experiências de vida semelhantes sempre nos reportam a observar, sob novo prisma, nossas próprias vivências. Esse é o campo fantástico que ocorre não só nas relações psicoterapêuticas, mas nos encontrões da vida, que acabam se tornando para cada um de nós, pela similaridade de vivências e das profundas marcas que as fortes impressões cunharam em nossa memória, em elos que possibilitam novas compreensões sobre nós mesmos, constituindo-se em verdadeiras experiências emocionais corretivas.

É o próprio viver ganhando vida própria, ao adquirir novo colorido, nova significação singular, novo sentido subjetivo, submetendo nossa liberdade e livre arbítrio à sua tutela sempre. Nesse trilhar não há como não se confrontar com grandes enigmas, que nos obrigam a escolhas que nada têm a ver com nossas reais vontades e desejos, mas que nos confrontam com grandes aprendizagens como as contidas nas lições "Com a vida não se briga, pois se perde sempre." e "Otimizar o tempo é torná-lo aliado, atento às oportunidades que nos oferece."; ou, ainda, "Envelhecer com galhardia, não é atribuir à vida os fracassos que nossas más escolhas propiciaram, mas observar que, se somos responsáveis por elas, somos também passíveis de possibilitar alquimias interiores e, de posse da jovialidade de vitórias, se imbuir de garra, para autorrealizações gratificantes, e cair na sensação indescritível de precisar de mais tempo de vida".

Esse é o estado interno em que se encontram alguns pacientes, em sua luta para ultrapassar o sofrimento de suas vivências, afastar as máculas das mágoas e ressentimentos, buscar sensações pacíficas de serenidade e harmonia internas, transformar a superação de obstáculos em incentivo à aquisição de uma auto-estima positiva e fonte mobilizadora de um saudável amor-próprio, inquebrantável ante qualquer ataque vindo do mundo social que os cerca. Como não deixar de admirar esses pacientes, e não alçá-los à categoria de especiais? Aprenderam a reconhecer os próprios limites, se resignar aos desígnios do destino (da vida?), selecionar vários focos de prazer para não se permitir serem dragados pelo poço das carências, administrar seus desejos e ir, com garra, em busca racional de suprir suas faltas...

Recordo de uma... que se me tornou especial. Chegou me dizendo como era difícil o mundo infantil e que pouco se lembrava desse período. Conforme avançou na terapia, mergulhou com coragem dentro de si mesmo, descortinou o véu da amnésia e as lembranças jorraram:

* Não sabia como agir com minha mãe, nunca soube na verdade, tentava acertar na relação com ela, mas parecia que errava sempre. Minha avó tinha problemas com as figuras femininas, minha mãe também as tinha. Era pequena quando ela me disse que tinha abortado, após meu nascimento e de meu irmão, por ter certeza que seria uma menina como eu; as meninas davam muito trabalho. Lembro de ter encolhido e me recolhido dentro de mim. Pouco antes dela morrer, ela me confessou que tinha tentado um aborto, também comigo, pela situação familiar estar complicada na época, mas não teve êxito. Para meu espanto, eu tenho a forte sensação na memória, a impressão sofrida de como feto estar encolhida num canto do útero me protegendo. Isso me assusta, mas a ciência tá avançando, não é? Algum dia vamos encontrar explicações sobre nossa memória.

* Não é fácil quando, além de termos que conviver com nossas próprias angústias e fantasias infantis, ainda temos que sustentar as dos pais. Minha mãe sempre depositou em mim a culpa do que lhe sucedia.Se minhas tias não lhe telefonavam, era porque eu, ou meu irmão menor, não buscávamos maior contato social com elas; se meu irmão quase morreu porque em uma de nossas brigas infantis peguei um pau que tinha um prego na ponta e bati com raiva nele, por ter estragado uma de minhas bonecas, eu era uma assassina (assim me senti, mesmo sabendo que não tive intenção -nem vi o prego enferrujado - e depois ele superara tudo); nossa, e no dia em que precisei tirar um raio-x do pulmão... sua angústia era dobrada, pois seu primo irmão, meu padrinho, morrera de tuberculose; ele era nosso vizinho de casa ... no trajeto todo de tanto ela me culpar por não comer direito, não me precaver no contato com ele - eu já era portadora da doença; imagine meu pavor ao realizar o exame!

* Sempre tivemos problemas financeiros. Muitas vezes meu pai perdia no jogo seus salários. Ela constantemente trazia à tona essa situação o culpando por nossas privações, sempre nos dizendo nos momentos de raiva, que era preferível que morresse, pois viveríamos bem com sua pensão. Na época que começamos a passar fome, eu e meu irmão fomos enviados para a chácara de tios. Se fosse só isso... mas quando meus pais iam nos ver nos finais de semana, ela não assumia a função materna comigo; a tudo que pedia me mandava pedir autorização a minha tia - meu sofrimento era de me sentir uma verdadeira órfã, nas mãos da tirania de uma tia que não tinha filhos. Minha tia me obrigava, cedo pela manhã, a esperar a caseira chegar, para só então ir ao banheiro, mesmo eu lhe dizendo que precisava ir, não aguentava mais esperar... escutava meu tio brigando com ela, e ela inflexível em seu rigor disciplinar! Muitas vezes nos dirigíamos a sua enorme dispensa para roubar uma lata de leite condensado, tanta era a vontade de comer um doce, e acabávamos curtindo a travessura, mas o saboreá-lo carregava a culpa pela transgressão indevida. Não gosto de lembrar quando me obrigou a tomar um prato de sopa, um tipo de creme de maçã salgado, de cor cinza... não suportei conter em meu estômago em meus 7 anos e botei tudo que consegui ingerir, à força, para fora, em golfadas e mais golfadas; e só recordo a voz de minha tia, frieza cortante em tom de reprovação, ordenando à caseira que providenciasse a limpeza de toda a minha sujeira - "eu" (pessoa) sumira do desagradável cenário.

* Nos momentos de raiva, minha mãe sempre apontava meus defeitos como apontava constantemente o fato de eu ser desafinada; sentia uma espécie prazer em me humilhar, diferente da proteção com que envolvia meu irmão. Era um suplício quando me obrigava a escolher de quem gostava mais, dela ou de meu pai. Dizia que eu tinha o 'sangue de barata' de meu pai, mas eu me amedrontava e tinha pavor de vir a ser impulsiva a troco de nada, muito menos ser agressiva e rancorosa como ela. Escolher entre pai e mãe é sempre um sacrifício, e muitas vezes a escolha afetiva contradiz a evidência de fatos reais e é contra quem mais cuida. Acho que a percepção da criança é mais sagaz do que se imagina. Não sabe nomear, mas saca e sente a dor da ambiguidade, insegurança e incerteza desde cedo.

E eu a refletir, posteriormente, como algumas pacientes conseguem ultrapassar tudo que passaram e reverter seus quadros patológicos?
Como crianças conseguem conviver e  administrar possíveis sequelas em sua socialização?
Alteram-se as configurações das sociedades, mas permanecem constantes as formas de relações familiares, onde predomina o medo da perda do amor. Pais ou cuidadores, em sua impulsividade patológica, não abrangem a extensão da "tortura psicológica" e os "efeitos na estrutura mental em formação na criança". Palavras ferinas podem se constituir em "dardos envenenados" direcionados ao mundo psíquico, se a vulnerabilidade de quem as ouvir impedir que estabeleça limites.

Quadros fóbicos (em nossa sociedade, "transtornos de ansiedade fóbicos" e mesmo casos mais regredidos de "paranóias" não predominam no meio dessa visível violência?) - se desenvolvem em crianças que vivem, desde tenra idade, sob o teto do "amor condicional": vivem sob o medo de amar e o pavor de serem amadas. Relações parentais que passam a mensagem "Amo você, se for bonzinho!", contaminam o mundo de fantasia infantil, permeado por fantasias destrutivas para lidar com a dor psíquica pelo desejo de morte de cuidadores,  pela desconfiança de proteções amorosas em que dizem, como algumas mães (e muitos cuidadores) o fazem "Sou sua melhor amiga, não vai encontrar outra como eu!" Assim falam categoricamente, embora demonstrem agir como maior inimiga. Não é difícil observar desde cedo os quadros de autossabotagens e psicossomatizações (alergias, problemas respiratórios como rinites, asmas...) que as cercam. As relações de troca do organismo gritam por socorro, quando o psiquismo luta por sustentar uma dor mental (angústia) sem tanto êxito.

Não é fácil ao terapeuta conter a ambiguidade do amor e ódio transferenciais e construir vínculos em que o paciente aprenda a amar e se aceitar. É importante realçar que fenômenos chamados "amor e ódio" são faces da mesma moeda: mais nefasto a um vínculo é a indiferença que significa a morte do amor. Excessiva vontade de controle e perfeição, ambição e conquista, vaidade e destaque, reação agressiva ao perder, podem encobrir mecanismos de "evitar ser rejeitado" e, ao serem trabalhados em terapia, quando as fantasias de cobranças e coerções, sensação de humilhação e desejos de vingança, vêm à tona e , desinvestidos da energia libidinal (afetiva), perdem sua força em prol do uso adequado da razão, os pacientes logo trazem a sensação de leveza e liberdade.

Sobre a paciente citada?

A frase abaixo, corroborou para me provar seu amadurecimento emocional, e me comprovou que ela assumiu a direção de sua vida, quando não mais se utilizou de "comparações com pessoas externas para mobilizar suas energias construtivas", retirando essa força de seu centro interno de referências revigorado e agora "curtido" (admirado):

"É uma pena que minha mãe não esteja aqui, para ver como fomos semelhantes em nossas divergências; sem sombra de dúvida, fortes como figuras femininas, sustentando a fraqueza e irresponsabilidade das figuras masculinas que nos cercaram. Ambas fomos marcadas por uma "rebeldia corajosa": lhe contei que minha mãe ficou poucos meses casada, presa aos ciúmes de um primeiro marido que a impedia até de visitar minha avó, e que, quando seu amor-próprio começou a ser abalado, providenciou a separação, voltando para a casa de minha avó, enfrentando todo o estigma da época em cima de pessoas separadas? Senti na pele por não poder ir para um famoso colégio de freiras, tradicional na época, por ser filha de segundo relacionamento de pais separados... mas isso é uma outra história, para um outro encontro (...especial, pensei eu). E assim continuou ela, confirmando nossa sintonia: "Ah, não fugindo de citar encontros imprevisíveis sempre especiais: meu pai e minha mãe se conheceram por ser ele designado para ser o advogado de separação de minha mãe. Mão do destino... mistério inexplicável de mais um dos enigmas da vida!"

Como não haver trocas, que mobilizem nossa evolução pessoal, no encontro com esses pacientes... que já deixaram esse lugar, não se enquadram mais nessa categoria?

Aurora Gite