sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Será mesmo que vamos assassinar a "História"?

Quando inaugurei este blog, fiz questão de colocar inicialmente dois textos meus, que serviram como capítulos de livros, enfatizando a necessidade de alterações nas visões e dimensões de homem e de mundo, e a busca de instrumentos nas áreas da Psicologia e Física, Ética e Direito para um novo equilíbrio global, individual e coletivo.

Entendo que da pluralidade e conectividade de "micro-histórias", obtenhamos o desenho da dinamica existencial que configura a "macro-História".

As micro-histórias dependem da inserção das individualidades na complexidade dos relacionamentos humanos, seus jogos de convivência, suas lutas por espaço e poder, suas tomadas de decisão embasadas em intencionalidades e imprevisibilidades.

E é dessa intríncada rede de relações pessoais que se esboça a História da Humanidade. Suas sinalizações são importantes de serem levadas em consideração ao se observar a "vida em reverso".

Sendo assim procuro aspectos de minha história pessoal que pudessem se encaixar na sociedade que gostaria de ver construída nesse novo milênio.

Nesse sentido, não posso deixar de pontuar que, quase quinze anos, atendendo pacientes dentro da área clínica, a nível hospitalar, me trouxeram grande conhecimento e melhor adestramento no uso de ferramentas para lidar com o lado psicológico do ser humano, sem enquadrá-lo em molduras teóricas, mas procurando uma compreensão de sua dinâmica dentro do contexto histórico em que se envolvia. Porém, três anos antes de me aposentar, a meu pedido, atuei, sempre desempenhando minha função, dentro do campo organizacional, e esse período me possibilitou a aquisição de uma sabedoria ímpar .

A colocação de um grande complexo hospitalar no "divã", a observação e análise da rede de interações estabelecidas, os jogos pelo poder, o mau uso da autoridade conferida pelo cargo ocupado, o contato com o lado perverso do ser humano ao reagir a ameaças de possíveis alterações em seu "status quo", a constatação da enorme fragilidade das lideranças, escravas da burocracia e do fortalecimento pessoal ilusório, falseado por constantes manipulações desumanas e preconceituosas, desnudaram para mim : uma categoria que se esconde atrás da aparência assistencialista, a razão da deficiência na qualidade do ensino dos profissionais da área, e das egoísticas atuações em pesquisas, voltadas mais a interesses pessoais, do que ao bem empresarial e o coletivo.

O fechamento de equipes, enclausuradas em si mesmas, debaixo do "em time que está ganhando não se mexe" ,"mudanças desde que...", " é preciso fazer a cabeça de fulano" . Esse tipo de coordenação impede a flexibilidade necessária para trocas e constantes inovações criativas. Um agregar forças, diretriz de uma política em recursos humanos baseada na inclusão e administração das diferenças, depende de posturas abertas, saudáveis , que não se amedrontem ante qualquer desenvolvimento concorrencial, pois confiam em seu potencial.

A patologia organizacional a nível de suas lideranças diretas e indiretas ( assessores) estava visível. Chefias apresentando projetos como seus, erguendo crachás e dizendo:"Faça porque estou mandando!", desenvolvendo políticas de privilégios ( liberação para congressos) e submissões humilhantes? Coordenações de ensino que guardam sigilo do "sumiço" de matriz de apostilas necessárias as aulas, que desviam para outros docentes material ( datashow) requisitado dentro do prazo, obrigando reestruturações imediatas do plano de aula? Falta de ética ante quebra de sigilo de provas e de banco de dados informatizados? Quem não convive ainda com algo semelhante? Tudo agora é questão de tempo . Esses tipos de profissionais não conseguem sobreviver dentro dos novos modelos participativos de gestão.

Um ponto forte que me chamava a atenção residia no orgulho de muitos colaboradores ( e aqui me incluo) ao percorrer os corredores daquela Faculdade, observando a galeria de quadros de profissionais que construíram sua história, ganhando por isso destaque. Isto constrastava com o desejo de outros, ainda na ativa, de apagar registros bibliotecários e destruir dados significativos, banco de memórias de uma época, esquecendo que uma história institucional se conserva viva, enquanto estiver na lembrança dos que a cultivem e transmitam oralmente de geração a geração.

Não entendia bem, na época, os projetos voltados a esses objetivos. Por que e para que serviam? Buscando maior compreensão, tinha por resposta que tudo fazia parte da evolução tecnológica que envolvia a agilidade da informação e a simplificação da burocracia. Porém na prática tais medidas ainda deixavam muito a desejar, e as perdas históricas eram muito significativas.

Um assassinato imediato de vivências históricas reais, buscando enterrar protagonistas, conservados vivos pela dignidade dos valores defendidos?

Um suicídio, a longo prazo, visto que a história vivenciada por anônimos poderia ensombrecer ainda mais o vazio e espelhar a falta de comprometimento organizacional e social de muitos profissionais atuantes?

As experiências devem sempre reforçar o quadro autoreferencial de quem se propõe a ser o construtor de sua própria história de vida. Lembro que mesmo dentro de um ambiente totalmente hostil, preconceituoso e de falsa política inclusiva, consegui sobreviver.

O primeiro contato com uma assessora marcou todo o meu percurso pela área : " Não sei como lidar com você me analisando o tempo todo." A partir daí, toda aliança ou parceria que procurei estabelecer, era interrompida por ela. Gradativamente me foi tirado espaço físico e material de trabalho, minha produção decorria do material que levava de casa. Tive que conviver com constantes distorções de informações, inclusive no que se referia a horários de reuniões com diretores, que ficaram no aguardo de minha presença . Tive que sentir a frieza do ostracismo e a mudança na qualidade de relações decorrentes de maledicências e receio de "enfrentar hierarquias" com o comum "Percebo o que ocorre, mas preciso do emprego, não posso me envolver, nem estar perto ou cumprimentá-la". Não foi fácil permanecer centrada, mesmo para mim que auxilio aos outros nesse sentido.

Consegui manter a cabeça erguida e estar bem comigo mesmo. Produzi a cada mês novo projeto, reforçando meu capital intelectual. Engavetados ou redistribuídos, muitos deturpados e abandonados, ninguém me usurparia esses conhecimentos. O tesão da criação e o processo logístico para a implantação residem "no" e permanecem "com o" autor. Tive o cuidado de reforçar esse lado e quem desenvolvesse meus projetos teria conhecimentos que o tornaria apto ao mérito e a minha admiração como parceira distante.

Hoje, após anos, minha auto-estima valorizada só tem a agradecer. De tempos em tempos, em alguns momentos de fragilidade, resgato essa visão histórica e isso me ajuda a superá-los mais rapidamente. Acredito ter sido a qualidade dessas vivências, que me possibilitou acompanhar as considerações de Eric Hobsbawm em seu livro " Era dos Extremos" , e retirar delas as respostas que buscava naquela época.

Transcrevo trechos dos relatos desse historiador , algumas de suas análises sobre o século XX, repercussões atingindo o século XXI . Também endosso o apelo de muitos :" Não deixem que retirem da História seu eterno papel unificador"! Acreditando que possa estar sendo falseada por alguns, é se aproximar dos historiadores que buscam cercar seus relatos de evidências focando a transparência de fatos verdadeiros sob várias perspectivas.

Algumas citações do autor, acima mencionado valem muitas reflexões, pois sinalizam o grande perigo do século XXI:

" No fim deste século XX, pode-se ver como pode ser um mundo em que o passado - inclusive o passado no presente - perdeu seu papel... Não sabemos aonde tudo nos leva, ou mesmo aonde deve nos levar... Para onde vai a humanidade? "

"Olhando para trás, vemos a estrada que nos trouxe até aqui. Mas o que nos moldará o futuro?"... Ante a "regressão aos padrões do barbarismo, este século nos ensinou que os seres humanos podem aprender a viver nas condições mais brutalizadas e teoricamente intoleráveis."

" A memória histórica já não está tão viva". É a lacuna entre gerações e o abismo entre seus valores dificultando a vida de relação.

"A destruição do passado - ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas - é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso, os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por esse mesmo motivo, porém, eles tem de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores".

Ao abordar a diferença qualitativa no mundo, o autor cita três transformações históricas, que contribuíram para a realidade atual :

1- Quando o século XX começou, a Europa deixava de ser o centro de poder, riqueza, intelecto e "civilização ocidental" e o mundo deixava de ser "eurocêntrico" - ocorrendo grandes mudanças na configuração econômica, intelectual e cultural da época.

2- A construção de uma "aldeia global" , e a aceleração das comunicações e transportes - mobilizando a grande "tensão entre o processo de globalização cada vez mais acelerado e a incapacidade conjunta das instituições públicas e do comportamento coletivo dos seres humanos de se acomodarem a ele".

3- Segundo ele, talvez o mais perturbador: " a desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano e, com ela, a quebra dos elos entre gerações, quer dizer entre passado e presente".

O historiador destaca "o predomínio dos valores de um individualismo associal absoluto, a erosão das sociedades e religiões tradicionais, a destruição ou autodestruição das sociedades do socialismo real". Registra a formação da sociedade atual "por um conjunto de indivíduos egocentrados sem outra conexão entre si, em busca apenas da própria satisfação ( o lucro, o prazer, ou seja lá o que for) que estava sempre implícita na teoria capitalista".

O modo de produção capitalista e as relações dele decorrentes podem ter sido responsável por ter moldado esse tipo de indivíduo, porém o ser humano está muito além desses padrões de massa. É encontrar força e coragem para se bancar, se assumir no que tem de melhor, não assassinar também a sua história de vida.

Ela é que lhe serve de parâmetro, auto-referência para acertos e desejo de aprendizagem com erros; élan para novas tomadas de decisão que lhe propiciem efetivo bem-estar, e motivação para sair da cegueira das reais necessidades ante o ofuscar das satisfações criadas. Essas são tão tênues que, com o tempo, se desfazem ante o desmoronamento do cenário de atuação de personagens fictícios, que vivem atrás de máscaras, atuando em histórias criada por outros. Seres humanos reais ousam vivenciar com prazer e auto-admiração suas verdades históricas.

Assim retorno a pergunta de Eric Hobsbawm: "Mas o que moldará o futuro?" e endosso a sua resposta, a esperança de "um mundo melhor, mais justo e mais viável". Entendo mundo melhor como aquele com mais qualidade de vida, visando bem-estar individual e coletivo.

E por que não lutar pela construção de sociedades com essa história, em vez de procurar assassinar a "História"?

Aurora Gite

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Breve interrupção e prazer renovado

Breve interrupção e prazer renovado nesse recomeço.

Eis que retorno agradecendo alguns artigos e sites enviados. Sempre me comprometo com o material que me chega, seja de alunos, de profissionais afins ou da área clínica, de amigos. Os que me possibilitam trocas de experiências, respondo e crescemos juntos na relação.

Fiquei triste ao me deparar com o fechamento de um blog, que me interessou acompanhar, pelos grandes elogios à capacidade perceptiva e intelectual do bloguista. Percebi em dezembro o grande número de comentários, que lhe foram enviados. Gostaria que tivesse tido a coragem de manter o blog e confrontado preconceitos na esgrima das palavras e no escudo das idéias. Mas... cada um sabe das próprias limitações e, nós outros, temos é que conviver com nossos limites e frustrações.

Cada vez mais, buscando montar um painel, ante a enorme crise mundial, deixo-me embalar pela esperança de grandes mudanças individuais e sociais, em prol de melhores qualidades de vida e do bem-estar coletivo. É interessante observarmos as expressões artísticas e socio-políticas, as novas leituras que os diversos meios de comunicação já fazem em cima delas, o foco interpretativo e as análises agregando uma multiplicidade de perspectivas, bem como os juízos avaliativos e a formação de opinião que deles decorrem.

Adquiri em janeiro alguns livros, outros ganhei e me dei de presente em meu aniversário em fevereiro. Fiquei contente ao constatar que a visão de mundo e de homem do século 21, defendida por mim e por tantos outros, há alguns anos, cada vez mais se alastra.

Com a vitória de Barack Obama, quis conhecer um pouco mais sobre o "homem mais poderoso do mundo" e que teria tudo para alterar o cenário violento, monstruoso e perverso, que nos cerca. E eis-me a ler "A Audácia da Esperança"- reflexões sobre a reconquista do sonho americano - buscando acompanhar a estrutura mental de quem o pariu, seus sonhos e expectativas. O autor foi o próprio Obama. Ele o escreveu em 2006. Chegou até nós em 2007. Já clamava por um tipo diferente de política. Continuo confiando em seu potencial para enfrentar as consequencias de posturas irresponsáveis e de instituições -leia-se "grupos de pessoas"- desestruturadas, geradoras de todo o caos econômico e social.

Sempre leio concomitantemente de três a quatro livros. Sendo assim cito também " O Vendedor de Sonhos" (Augusto Cury) que me possibilitou o contato com mais um ser humano que defende e luta por ideais semelhantes aos meus, e que, no entanto, me propiciou contemplar o ponto crucial com grandes chances de acarretar a implosão do capitalismo num futuro próximo: a nova casta de escravos explorados, ou seja, a grande parte dos que exercem posição de liderança. Vale a pena nos permitirmos sermos apresentado a eles, ou vermos nossos reflexos espelhados neles.

Como nada é tão por acaso... agrego a esses "Entre o Passado e o Futuro", de Hannah Arendt. Através de suas reflexões a autora aborda a necessidade de uma revisão de conceitos que envolvem a ação política. Situa o campo da política dentro de um novo prisma funcional: o do diálogo com o outro, no espaço do mundo público, enfatizando a liberdade e a opinião. Sendo assim, enfatiza a maneira de pensar no plural e o ser capaz de pensar no lugar do(s) outro(s). Segundo ela, aí reside a habilidade política. Diferencia o campo da política do campo do pensamento, espaço para o diálogo consigo mesmo, local para o livre arbítrio na busca do acordo consigo mesmo e de respostas a perguntas metafísicas.

Somo a esses "O Mal-estar da pós-modernidade", de Zygmunt Bauman. O autor atribui como marca da pós-modernidade, afirmando ser uma necessidade que acompanha a velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas, culturais e do cotidiano - a vontade de liberdade. Mera coincidencia?

Acredito que não, e sugiro que nos adaptemos a essa nova forma de raciocinar (baseada na interconectividade e interdisciplinaridade) cujo aprendizado veio via Internet , que busquemos cruzar todos esses dados que chegam de diferentes cabeças pensantes e de diversas localizações físicas, e que estejamos abertos aos novos conhecimentos que nos chegam para atualizarmos e deletarmos os que não funcionam mais para o século 21.

E agora?

Agora, depois de assistir ao filme "Curioso Caso de Benjamin Button" e focar, como bem coloca o artigo da Revista Veja, a vida em reverso, comecei a ler "Era dos Extremos- o breve século XX - 1914/1991", de Eric Hobsbawam, pois também, como o do autor, "meu tempo de vida coincide com a maior parte da época de que trata este livro ... era das ilusões perdidas". Será?

Que bom se fosse, pois poderíamos afastar a fantasia ilusória paralizante e aproximar a capacidade real de sonhar, entrando na "era de concretizar novos projetos de vida e de alcançar novas conquistas".

Para aqueles já cansados pela idade ou pelas dificuldades da vida, vale a pena resgatar a importancia da frase : "É preciso roubar um pouco da felicidade contida nos sonhos" para ganhar novo dinamismo, e, em vez de morrer a cada minuto, sobreviver, rejuvenescendo um pouco a cada instante de vida bem vivida, lembrando que "ninguém escapa ao tempo, mas o tempo escapa a todos".

Aurora Gite
Postado às 21.30 horas.