quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Até que enfim! Excelente análise Nêumanne!

Quarta-Feira, 30 de Setembro de 2009.
"Banzé brasuca em Tegucigalpa"
Quase ouço sua voz dizendo: "José Nêumanne, para o Estadão.com.br ."

E eis que alguém ousou, se levantou e gritou: "O rei está nu". E quantos reis apareceram e se perceberam desnudados.

Parabéns, Nêumanne! Resgatou o valor da profissão e a dignidade do país para mim. Aliás cita os "coleguinhas jornalistas" no excelente artigo, e aborda como ninguém até agora o que estão fazendo com o Brasil.

Estou revigorada como cidadã! O pouco que posso fazer é divulgar seu artigo, e indicar sua qualidade e necessidade ante o momento político que vivemos.

José Nêumanne é jornalista e escritor. É editorialista do Jornal da Tarde. Procuro sempre ler seus artigos na seção Opinião do Jornal "O Estado de São Paulo". Agora transcrevo algumas partes do artigo citado acima, assumindo o espaçamento para maior realce das idéias:

"Collor nem sonhou tentar o que Zelaya tentou: mudar a Constituição e convocar um plebiscito para permitir sua permanência no cargo, ao arrepio do Congresso e da Justiça.

O ex-presidente hondurenho pediu apoio aos militares e, não o tendo obtido, demitiu o comandante das Forças Armadas. A Justiça mandou depô-lo, empossou o presidente do Congresso e não permitiu que ele se vestisse, embarcando-o de pijama para o exterior.

O mundo inteiro se revoltou com a desfaçatez dos "golpistas" de Honduras por crassa ignorância das regras constitucionais vigentes num país minúsculo e miserável.

Teceu-se, aí, com rapidez, a cortina de fumaça do governo "golpista" e do "martírio" do presidente eleito pelo povo e deposto por militares num novo e típico pronunciamiento latino-americano.

No afã de não repetir Bush, Barack Obama, assessorado por madame Clinton, absolutamente jejuna em quaisquer assuntos ao sul do Rio Grande, condenou a deposição, mas depois foi tratar de problemas mais relevantes. Com o "não temos nada com isso" dos xerifes do mundo, tudo se encaminhava para uma solução simples e cômoda do episódio: as eleições presidenciais poderiam ser realizadas e a paz democrática voltaria a reinar naquele antigo pedaço do império da United Fruit Company.

Aí entrou em ação o coronel golpista Hugo Chávez, que despachou de volta para o centro dos acontecimentos o presidente deposto.

Este cruzou a fronteira, mas voltou por cima dos pés para, em seguida, empreender uma entrada espetacular em Tegucigalpa, mercê do engenho estratégico do amigo venezuelano e do peculiar conceito sobre democracia da companheirada brasileira. Dirigente sindical no fim da ditadura militar, quando o general Geisel cunhou sua "democracia relativa", Lulinha Paz e Amor inventou a "democracia de conveniência", adaptação petista da sentença de Artur Bernardes: "Para os amigos, tudo; para os inimigos, o rigor da lei."

Ahmadinejad roubou a eleição no Irã? Isso não interessa ao Brasil, que não pode intervir na soberania iraniana. Ahmadinejad nega o holocausto? O fato de sermos amigos não nos força a pensarmos da mesma forma.Mas o mesmo não vale para Honduras, que não tem projeto bélico nuclear nem bate boca com o vilão ianque.

E foi assim que, quando o mundo inteiro esperava um banho de votos para lavar a mauvaise conscience pelo completo desconhecimento internacional das regras constitucionais hondurenhas, o governo brasileiro, para apoiar Chávez, foi à caça do apoio de tiranos africanos para repor Mel Zelaya no poder. Para tanto mandou às favas todas as regras do civilizado convívio internacional.

Como nunca antes na história deste planeta, abrigou na "embaixada" brasileira não um fugitivo de um regime ditatorial, mas alguém que decidiu impor a própria vontade de continuar mandando em casa, sem dar bola para as instituições e a opinião pública locais.

Esses episódios sempre terminam com um salvo-conduto ao abrigado na embaixada e seu asilo pelo país que o hospedou. Mas este não pode ser o caso: Zelaya não quer fugir de Honduras, mas ficar lá, sob a proteção de Lula, porque Chávez mandou.

O absurdo não para por aí. Lula tem exigido respeito absoluto ao território brasileiro da "embaixada" depois de ter chamado o embaixador de volta e mantido em Tegucigalpa apenas um encarregado de negócios. O governo de facto ainda não ocupou o prédio só para evitar pretextos intervencionistas, pois, como não reconhece a autoridade "golpista", o Brasil não tem mais embaixada em Tegucigalpa.

O ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda tem razão ao se dizer - em entrevista a Lúcia Guimarães no caderno Aliás deste jornal, no domingo - espantado com a intromissão brasileira em Honduras. Estamos é fazendo um banzé brasuca estúpido em terreiro alheio, que, aliás, não tem interesse nem importância nenhuma para nós.

Ao mundo, que tenta se esconder do vexame de ignorar as regras da democracia de um país pobre, o Brasil parece bater no peito e proclamar com arrogância: "Sou ignorante, sim, mas quem aí não é?"

Vale a pena ler na íntegra no site do Estadão.com.br
Aurora Gite

domingo, 27 de setembro de 2009

No meio de encruzilhadas de totalitarismos

Na busca por blogs com conteúdos éticos e cidadãos blogueiros que busquem, com argumentos e coragem e dentro de seus limites de atuação, se engajar na luta pacífica pela transformação de nosso social, me deparei com mais um site que passo a vocês. Acredito ser importante contribuir para a divulgação desses espaços usados para tais fins.

http://www.espacorevistacult.com.br/
Espaço de debates e divulgação do conhecimento, localizado em São Paulo, no bairro do Paraíso, tendo como proposta disseminar a cultura. Essa equipe é responsável pela Revista Cult. Cheguem até lá e vejam a qualidade temática e o referencial dos profissionais que a enriquecem com seus artigos.

http://revistacult.uol.com.br/
A edição 129 da Revista Cult traz um dossiê sobre Hannah Arendt, escrito por Newton Bignotto. Sob o título de "Arendt e o totalitarismo", e o foco nos estudos sobre o totalitarismo que esclarecem a face trágica do século 20, o autor ainda aponta a visão de Arendt sobre os desafios das democracias no século 21. É muito interessante e tão atual, tendo em vista o que ocorre em Honduras, pois amplia nossa visão e perspectiva crítica com base nas evidências e dados de realidade que nos chegam de lá diretamente, e não em opiniões absolutistas e imagens midiáticas com recortes manipulados e direcionados a interesses específicos.

Outra edição que me chamou a atenção, e que associo como complemento dessa leitura, foi a edição 139 e seu "Partilha do Sensível - uma associação entre arte e política, segundo o filósofo francês Jacques Rancière" . Sob esse conceito ele descreve a formação da comunidade política com base no encontro discordante das percepções individuais, pertencentes ao mundo do sensível. Traça um paralelo entre as expressões artísticas e a sensibilidade estética da política. Aborda os discursos organizados pelo poder, e as formas de espetacularização do próprio poder, dificultando um trabalho de "pensar sobre" , que possibilite se chegar a uma síntese sobre os acontecimentos. Critica a manipulação do mero espectador, cidadão não atuante, facilmente direcionado a um envolvimento fanático, pelo recrutamento midiático de grande comprometimento emocional. Não é o que estamos vendo nessa crise de Honduras?

Como o Brasil foi envolto de forma a se situar como parte integrante da mesma? Ingenuidade e falta de comando, ou má fé e falta de transparência na gestão?
Como cidadã, queria um plebiscito aqui no Brasil, queria opinar e expressar livremente minha concordância ou não com essa decisão presidencial de ingerência em "casa alheia", com regulamentos internos diferentes dos nossos e com normas constitucionais que iriam ser vilipendiadas pelo presidente deposto, caso não tivesse sido destituído.

É importante, respeitando as devidas proporções, fazer uma comparação com nosso cotidiano. Imaginem numa rua, um bloco com diversos prédios, com seus respectivos condomínios e regulamentos internos. Um síndico é deposto da função por descumprir ítens desse regulamento, tentando alterar o estatuto, conforme sua conveniência pessoal. Descontente sendo excluído das assembléias à força, se põe a reclamar, a desqualificar seus opositores, e a buscar alianças nos prédios vizinhos, para conseguir nova entrada. Um condômino cede seu espaço, desde que fossem respeitadas as leis de uma convivência pacífica e respeitosa. Nova eleição já estava prevista e para uma data bem próxima. O síndico interino as manteve, como a observância das normas estatutárias anteriores. Não usou de nenhuma forma de agressão física, buscando manter um clima pacífico durante o período até a entrega do cargo ao eleito por maioria para exercer a função.

De repente, o síndico deposto se faz cercar por vários partidários, que invadem o pequeno espaço na assembléia e se fazem usufruir dos benefícios dos demais, chegando a acuar os que por direito ocupavam o espaço. É notório que esse síndico faz mau uso do poder e busca o incitamento de uma resistência com meios até violentos. Nós, participantes dessa assembléia, que nada temos com o conflito caseiro da deposição do síndico, como reagiríamos a tudo isso? Poderiamos ser envolvidos sem uma votação democrática sobre nossa aceitação em tomar partido? E a soberania do regimento de meu prédio como fica, já que o mesmo estava sendo desconsiderado e invalidado legalmente? E a minha soberania individual, minha liberdade de decidir - aspectos centrais de uma democracia - como seriam respeitadas?

Quem é quem no meio de tudo isso?
A quem me dirijo? Onde está o síndico de meu prédio? Onde está o representante da imobiliária, o responsável legal pela assembléia? Onde está o embaixador brasileiro de Honduras, que delegou a outrem a autoridade ante decisões tão importantes ?

" O único diplomata brasileiro presente em Honduras, o ministro-conselheiro Francisco Catunda Resende, disse à Folha, que foi surpreendido. Concordou em receber na embaixada brasileira a mulher de Zelaya. Logo atrás dela, entrou ele, com mala e tudo, disse o diplomata. Após conversas, veio de Amorim a autorização para acolher o casal." E os demais? Quem autorizou?

Quem invadiu a embaixada, além de Zelaya e de sua mulher?
Quem assumiu o poder lá dentro, estabelecendo limites de atuação funcional?
Quem verdadeiramente exerce a autoridade dentro da embaixada, território brasileiro?
A quem cabe administrar e disciplinar operacionalmente todas essas pessoas dentro de nosso território em Honduras?

Como podemos nos permitir não perceber a inversão de papéis e valores legais, se os poderes da nação hondurenha -Executivo, Legislativo, Judiciário e sua Suprema Corte - foram os mobilizadores das Forças Armadas e estavam unidos na deposição do presidente, por este não haver cumprido seus deveres constitucionais? Por que os defensores da Constituição Hondurenha querem ser ouvidos e não são escutados?

Como as outras nações se permitiram envolver dessa maneira deixando até em aberto questões diplomáticas pela intromissão na soberania de outro país?
E aí estamos nós, no meio de encruzilhadas de totalitarismos, posições centralizadoras e autoritárias, que buscam mobilizar massas para apoiar suas opiniões, distorcendo e camuflando informações. Mas eu quero ser escutada!

Sabem ao que nos reduzem? Estão conscientes do perigo de permanecerem nesse silêncio complacente, nessa co-participação passiva com estranhas ingerências ideológicas em um governo que se diz democrático, por ter sido escolhido por votação popular, mas que adota medidas tão absolutistas? Aumentos seletistas de salário, indicações impositivas para a vitória de um sucessor , aliás agora Chávez, presidente da Venezuela, segundo a imprensa noticia, se tornou abertamente um dos defensores de Dilma Roussef à Presidência do Brasil, sabiam dessa? Já imaginaram o precedente aberto, conforme o desfecho da crise hondurenha?

E lá vamos nós, reaprendendo a pensar e reativar o nosso senso crítico:
Crise política acarretando crise econômica? E...?
Crise diplomática envolvendo crises de capacidade de persuasão e negociação? E...?
Crise de paciência ante lentos acordos e de falta de tolerância a frustrações e adversidades angustiantes? E...?

Crise de identidades que trazem consigo a falta de capacidade de discriminação de limites?
Crise de convivências respeitosas que implicam na capacidade de administrar as diferenças?
É por aí mesmo... Continue!
E para respeitar as diferenças tem que haver humildade suficiente para perceber as limitações ou ... arrogância em excesso e falta de amor-próprio, para conviver com imposições e submissões totalitárias.
E então?

Então, agora vocês têm novos instrumentos internos para escolherem qual postura adotar: mero observador da espetacularização midiática e polítiva, ou cidadão democrático, nada ingênuo nem robotizado, que amplia seus pontos de vista além da aparência desfocada pela falta de transparência dos discursos políticos atuais, em sua maioria ... Acho importante essa ressalva, pois vivo e gritante ainda se encontra um grupo minoritário atualmente, se bancando em sua esperança de mudanças.

Como Rancière nos confronta com "um presente que não é alegre, porque não há esperanças fortes... que sustentem os movimentos existentes, eis o comentário que encaminhei sobre a matéria, em 15 de setembro passado:
"Excelente oportunidade de entrar em contato com as idéias desse filósofo...Gostaria aqui de pontuar outra perspectiva. O fato de não ser mobilizada uma luta social contra o sistema capitalista, não impediu que a crise financeira confrontasse o ser humano consigo mesmo e com a forma antiética de dominação e exploração nas interações pessoais. Pegou mais fundo. Há muita esperança!"

A cada encruzilhada de totalitarismos, o ser humano mais se sensibiliza e humaniza, e encontra mais força para partilhar o que tem de melhor em si. E até se permite questionar, nesse momento de crise: O que tenho de melhor?

E esse é o primeiro passo para estabelecer seus limites pessoais novamente, rumo ao resgate de sua identidade. Aqui reside a minha esperança para esse milênio.

Aurora Gite

domingo, 13 de setembro de 2009

Chegou 13 de setembro, com direito a parabéns!

Dia 13 de setembro!

Data que não dá para esquecer.
Minha mãe foi do dia 12. Uma de minhas filhas é do dia 14.


E ainda tem o dia 10 de setembro!

Fizemos parte da torcida pelo saudável nascimento de um neto.
Aproveito para felicitar um avô por seu primeiro ano nessa função.


Agora, pense no som vibrante e envolvente de Mozart.
Serenade nº 13 in G Major, K.525; 1st mvt: Allegro
(Slovak Philharmonic Orchestral/Libor Pesek, Conductor)


E receba, sob essa vibração, meu abraço afetuoso
Nesse "seu" dia no ano de 2009.

Aurora Gite

sábado, 12 de setembro de 2009

Solidão, vontade e liberdade

Uma das maiores dores do ser humano advém da sensação de desamparo e angústia do ser só.

No entanto, esse é o destino psíquico de todos nós, para iniciarmos a escalada de subida visando o fortalecimento de nosso mundo interior. A vivência com essa fragilidade e mesmo vulnerabilidade é que nos mobiliza para o resgate de nossa potência como ser humano.

A percepção que não somos tão limitados e impotentes, por si só, já nos revigora e transmite sensação impactante de alegria e regozijo indescritível, antes não sentidos. Representa a passagem, já abordada por mim, do "eu existo" para o "eu sou", que tende a alcançar o "quero ser e tornar-me eu". É o movimento que Platão bem representou em seu "Mito da Caverna", sendo esta o símbolo de nossa própria existência em nosso mundo interior, como coloca Hannah Arendt (Entre o Passado e o Futuro, 2007).

Gosto de, saindo dos lugares teóricos comuns de muitos psicoterapeutas, analisar meus pacientes sob o prisma do tipo de governo interno que adotam na interação entre os dois mundos (subjetivo e objetivo) , da qualidade de regência de seus recursos psíquicos e do controle sobre a administração das estratégias que utilizam. Quantos não ficariam surpresos ao perceberem a forma tirana e o governo totalitário que adotam no domínio e fiscalização das próprias forças psíquicas. Muitos se revelam verdadeiros déspotas ante o rigor das exigências e autocobranças.

Já localizei em posts anteriores o papel que desempenha Hannah Arendt e minha admiração por suas articulações. É uma pena que não tenha fugido de, como bem provam os dados históricos referentes a muitos pensadores, ter um maior reconhecimento de sua obra e melhor compreensão de suas idéias, após sua morte. Comprovo muitas de suas hipóteses sobre o ser humano por meio dos dados através de observações advindas da área clínica. Expresso um pouco isso no texto abaixo.

Vou focar nesse post três fenômenos humanos constantes e universais, nomeados como: solidão, vontade e liberdade. Três conceitos difíceis de serem analisados racionalmente, pois englobam outras dimensões do ser humano. E, se concebermos o mundo psíquico dentro de uma totalidade sistêmica semelhante ao corpo humano, inclusive com duas vias circulatórias de energia psíquica, podemos observar suas atuações em ambas. Vamos encontrá-las no mundo dos valores (forças) morais, e no mundo das virtudes (princípios inspiradores voltados ao Bem), expressos pelas ações deles decorrentes.

Acredito ser importante pontuar que a virtude não é racionalizada, não pode ser ensinada ou aprendida, seu entendimento decorre de uma compreensão superior, mas tão vital ao organismo psíquico no que diz respeito à integração das dimensões humanas psíquicas mentais com as espirituais. Sob esse termo, me refiro a dimensões mais elevadas, características do ser humano mais amadurecido psíquicamente, mais sereno e livre em suas ações voltadas a momentos de autoaconchego e plenitude interior.

Ao se reportar ao fenômeno da solidão, Arendt considera o "homem solitário não mais um, e sim dois em um", pois, no momento em ocorre a "interrupção entre mim e meu próximo, tem início o relacionamento entre mim e mim mesmo".

Complicado?
Vamos verificar o que torna essa assertiva mais difícil de ser entendida?
Eis alguns obstáculos:

-A maioria das pessoas não aprendeu a pensar, refletir e analisar a aplicabilidade prática do que lê. Buscam enquadrar o outro para validar teorias, lidas superficialmente sem grandes introspecções, sobre seus significados.

-Para muitos, é mais comodo não se individualizar. O se tornar indivíduo demanda empenho, esforço e responsabilidade pelo bem-estar do ser único que se tornou.

-Para alguns, ainda, falta o hábito de entrar em contato com esse lado psíquico, se permitindo acompanhar a dinâmica de forças atuantes, ou o movimento das idéias que se entrelaçam nesse diálogo interno. Para isto é preciso coragem, determinação e perseverança. São viagens em mundos desconhecidos dentro de nós, a meu ver, de grande fascínio, mesmo as sofridas que nos espelham o que não gostaríamos de ter, mas que podemos, a partir daí, optar por não mais ter.

-Não é fácil o confronto com um "quero e não-quero", "quero e não-posso", "sei-mas-não-quero", como bem coloca Arendt. Existe sempre o subterfúgio do "não sei", "acho que", "tento e não consigo", que a tudo mascara, com as pessoas esquecendo que o "autocontrole corresponde à virtude política onde "quero" e "posso" se afinam", e a "coragem é uma das virtudes políticas cardeais, representando o bem supremo para se tornar um indivíduo".

Sempre me questionei muito sobre essa energia psíquica e sua forma de distribuição dentro do ser humano, que, como ocorre dentro de um caleidoscópio, basta ligeira movimentação para que séries de desenhos de funcionamentos psíquicos se delineassem, demandando leituras específicas para seu entendimento.

Para uma melhor compreensão desses fenômenos muito contribuíram tanto a Física Quântica, quanto as propostas de Arendt, sobre a "pluralidade de perspectivas inerentes ao ser humano em sua unicidade" e "articulações que levam as experiências a uma esfera do esplendor que não é a do pensamento conceitual", a observação da imprevisibilidade do efeito da ação humana independente da motivação interna e do princípio causal que rege o mundo exterior.

Parte de um quebra-cabeça era montado dentro de mim, e novas inquietudes surgiam, impulsionando novas indagações e novas buscas investigativas. Sendo o homem soberano para atuar em seu mundo interno, até onde iria essa liberdade? Como atuaria o fenômeno da liberdade tão sonhada e almejada? Vontades genuínas e vontades criadas, como discriminá-las mais prontamente? Como unir, com mais exatidão, a faculdade intuitiva com as capacidades de sentir e pensar, obtendo ações mais coerentes e consistentes, visando melhor qualidade de vida para o ser humano, assim mais autorealizado e autovalorizado? Como possibilitar sua maior integração ao social, ou ao público, preservando sua individualidade?

Hannah Arendt, no livro citado acima, lança a hipótese sobre a possibilidade da liberdade começar onde a política (coisa pública ) termina". Para ela a liberdade, na área da política, é oposta à liberdade no espaço íntimo do sentir-se livre, pois esse espaço pertence ao ser apolítico.. "O homem é livre e aplica a ciência do viver, desde que saiba distinguir entre o mundo estranho, sobre o qual não possui poder, e o eu, do qual ele pode dispor como achar melhor... ser escravo no mundo e ainda assim ser livre."

O fenômeno da liberdade não surge na esfera do pensamento ( das idéias) nem é vivenciado no diálogo consigo mesmo. Resgata as citações de Epicteto: " É na morada interior que o conflito consigo mesmo irrompe e a vontade é vencida, que o homem é senhor absoluto... Livre é aquele que vive (em seu mundo psíquico) como quer... livre dos próprios desejos."

Paradoxal? Nem tanto.
Complexo para se entender? Muito.
Vamos , então, tentar compreender seguindo as associações estabelecidas por ela, e buscando confirmação, observando os movimentos psíquicos que ocorrem dentro de cada um de nós?

Não é fácil para a maioria das pessoas, perceber essa dinâmica interna.
Prefere substituir por movimento, energia, atividade ? Tudo bem.
Lembra do caleidoscópio? Então tente verificar os desenhos, ou imagens mentais, que suas idéias formam ao se associarem.

Muitos, inclusive, não estão nem afim de se aproximar de conceitos abstratos, se prendendo a uma realidade concreta com sua utilidade prática imediata e visível. É tudo questão de perspectiva, de tempo e de escolha.
O encontro com nossa interioridade está marcado, bem como o confronto com o sentido da vida. Em algum momento de sua existência, as pessoas não vão só se questionar sobre os "porquês", mas buscar responder à pergunta: "Para que tudo isso?"

Como essa ação depende de forte vontade interna, eis o fenômeno introduzido neste texto.
Volto a Arendt: "A ação sendo livre, não se encontra nem sob a direção do intelecto, nem debaixo dos ditames da vontade ... Existem motivos e objetivos, mas a ação é livre ao ser capaz de transcendê-los."

E aí, o que é o fenômeno da vontade? O que é a vontade para você?
É uma faculdade humana, onde existe o livre arbítrio, "existe uma liberdade de escolha que arbitra e decide"? É um sentimento que incita alguém a atingir o fim proposto por esta faculdade?

"Para Nietzsche era o impulso fundamental inerente a todos os seres vivos, que se manifesta na aspiração sempre crescente de maior poder de dominação." Para Schopenhauer é o princípio norteador da vida humana. Para ele, "a vontade corresponde à Coisa-em si, ela é o substrato último de toda realidade."

Arendt chama a atenção para outra perspectiva de escolha voluntária, quando impera uma necessidade, estando em jogo a própria vida. Toda vontade, segundo ela, implica em uma vontade de poder que, como nesse caso, se transforma em vontade de opressão, que nos coloca sob o jugo de outrem, de um governo maior que somos obrigados a acatar e nos adequar para sobreviver.

Nosso foco não recai sobre a vontade direcionada por essa exigência, mas sobre a liberdade da vontade, e nesse momento nosso objetivo é uni-la a uma Ética Superior, mais além do bem e do mal, e bem mais além da moral , com seus costumes temporários e suas regras para uma boa convivência. Citando Schopenhauer, a compreensão da Vontade faz aparecer todos os entes desde seu caráter único, o que leva, necessariamente a um sentimento de fraternidade e a uma prática de caridade e compaixão. E assim se expressa ainda: " A máscara do pensamento dissimula a vontade... A suprema felicidade somente pode ser conseguida pela anulação da vontade (querer mundano)". Como diferenciar o que é criado por nosso pensamento do que é a expressão de nossa alma, de nosso ser autêntico e verdadeiro, que habita bem lá dentro de nós?

Refletindo sobre nossas vivências, podemos verificar que "A ação da vontade, sobre nós, tem um prazo de validade, e seu vigor se exaure". No entanto, existe uma área em nosso mundo interno, onde a ação brota de um "princípio inspirador", expresso no ato realizador, que não perde seu vigor nem sua validade, que não se prende a nenhuma pessoa ou grupo em especial. Onde "ser livre" e "agir" são uma mesma coisa. O querer, o tesão sentido, o grau de satisfação alcançado, pertencem a outra dimensão humana. A sensação de leveza e de alegria são de outras grandezas, não nomeadas, e indescritíveis.

Que espaço é esse?
Esse é o nosso espaço interior destinado às virtudes. Você pode ler a palavra e analisar sob o aspecto formal ( letras, sílabas, sons, etc), com também pode verificar seu significado em um dicionário (força moral, valor; disposição firme e constante voltada para o bem), mas pode ir pelo caminho da obtenção de conhecimento por uma autoinvestigação. É estar aberto ao novo. É estar flexível a prováveis mudanças de convicções. É soltar o peso dos preconceitos acumulados, das crenças e conceitos disfuncionais ao seu bem-estar. É se libertar. É sentir-se livre. Como?

Eis uma dica: Já percebeu a leveza que vem ao pensar na frase sem julgamentos prévios: "Fazer o melhor que puder e ser o melhor"? Sinta o conteúdo da mensagem! Verifique se não percebe que "a perfeição está no próprio desempenho e se torna independente da ação", e que "a presença da liberdade é vivenciada em completa solidão". Reconheça dentro de você o espaço onde o homem aproxima sua vontade do conhecimento ético intuitivo , onde ele "sabe" o que é certo e se impede com prazer de fazer o contrário, onde ocorre uma alegre e serena renúncia interna por amor... por amor a si mesmo, como ser humano valorizado e vitorioso na conquista de sua dignidade pessoal.

Lembra de dois posts : "Otimizando recursos em tempo de crises" (outubro/2008) e "Você quer receber um presente meu?" (novembro/2008) ? Fica meu convite para revisitá-los.
Aurora Gite

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Agora sim uma verdadeira "nona"

E assim foi seu percurso como avó:

Após ter sua escadinha de quatro filhas, com intervalo de menos de 2 anos entre elas, na hora da chegada dos netos, a proximidade sequencial não poderia ser muito diferente.

Seu primeiro neto foi do sexo masculino e isso há 18 anos. Luis Felipe já no colegial participava das publicações na revista da escola, abrindo seu espaço como cidadão. Aos 17 anos alegrava a família com sua entrada no mundo dos "economistas" , passando no vestibular de uma renomada universidade.

Depois duas meninas Polyana e Gabriella que, com seus 15 anos, diferem em meses uma da outra.

O terceiro seria gêmeo. Imperou, lutou e ganhou a parada rumo à vida. E aí está ele... Gustavo. Sua missão é especial. E já dribla como poucos meninos!

Quantos são até agora?

Mais uma menina chega para o encanto de todos, Giovanna.

E não é que depois de poucos anos, mais uma menina, Isabella, veio se agregar ao grupo dos netos. Sempre fez juz ao nome!

Agora, espaço maior, e lá chega Rodrigo e logo após Rafael. O empate estava consumado. Quatro netos do sexo masculino e quatro do sexo feminino.

Missão cumprida como avó?
Não!!!!!!!!!!!

Eis que ainda esse ano, chega um temporão, Luis Cláudio, caracterizando seu papel de "nona".

Será que o quadro familiar já pode ser pendurado na parede?
Ou será que ainda vai emplacar ser a "nota 10"?
É a pergunta que se permite deixar "no ar", ou entregar a Camila, relembrando com emoção, os três dias, em que fez parte do retrato familiar.

E quando lhe perguntam seu signo, se orgulha de dizer:
" Sou uma aquariana com ascendente em câncer, que se inebria com a sensação de liberdade cósmica e fraternidade universal, e sente um prazer enorme de abraçar a família mundo e aconchegar maternalmente sua própria família."

Ops! E acrescenta: " Sem superproteção e quando se tem condições de aproximação convivendo respeitosamente com as diferenças. Eu preciso ter sempre em mente que sou apenas "o arco que impulsiona as flechas". Para onde vão, e como vão, foge de meu alcance... até de vislumbrar esse horizonte".


Todo esse preâmbulo é incentivador, para divulgar o filhote do blog "comentandocomentado".

Nasceu recentemente o "crescercomentando". Já fui visitar. É um "bebê" lindo! Uma curtição!

Acredito que as crianças lá encontrem espaço para serem "reconhecidas" e "escutadas" como pessoas. Vão conferir! E não esqueçam de escrever seus nomes na lista de presença, ou até de deixar mensagens em seu álbum de comentários.

Esse "bloguinho" nasceu forte e tem tudo para dar certo na vida. Já me tornei fã!

Aurora Gite

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Viva Memória de Roda Viva

Vamos desentocar algumas lembranças, novamente, as colocando na "roda viva" de nosso viver? Querem ver o que acontece ante o reativar e "tornar viva uma memória" ?

Vocês pensam que é o passado que influencia o nosso presente?
Ledo engano!
O que foi, foi. Não tem retorno, por mais que tentemos reavivá-lo. Por mais que queiramos mantê-lo vivo em nossa imaginação, já faz parte de um mundo ilusório.

Nosso presente é determinado pelo futuro. Sabia disso?
Estranho?
Pois é o que pretendemos fazer, "de" e "com" as nossas vidas, nossos planos e projetos futuros, que vão nos dar a qualidade da vivência em nosso mundo real.

Vou ilustrar o que afirmo acima trazendo duas estrelas em seu profissionalismo, que podem iluminar o caminho de quem quiser refletir com o transmitido em suas palestras, e que podem servir de referências por suas opções de vida... por coincidência, dois Robertos.

O primeiro é Professor de Ética e Filosofia da Unicamp, Roberto Romano, que em entrevista dada ao vivo, no programa Roda Viva (04/06/2007), assim colocava sua posição no mundo:
"Eu acho que, do ponto de vista pessoal, a minha posição é defender a vida política, a dignidade da vida política acima de tudo, contra esse tipo de ação absolutamente corrosiva dos nossos corruptos que tem seus foros privilegiados... Eu acho que o outro ponto essencial é a liberdade, é a luta pela liberdade do indivíduo e dos grupos... Eu acho que um elemento fundamental no Brasil é você lutar pela liberdade de imprensa. Eu acho que a cada vez que a imprensa traz a consciência pública sobre esses escândalos que existem sincronicamente, me parece que é uma oportunidade de o povo brasileiro deixar de ser menor de idade. Eu acho que isso é um ponto importante."

A íntegra dessa entrevista pode ser lida no site:
www.rodaviva.fapesp.br/materia/114/entrevistados/roberto_romano_2007.htm

Realço alguns tópicos para reflexão, pedindo atenção para a data da entrevista, pois a temática é atual. Expõe seus pontos de vista fazendo uma retrospectiva e análise histórica da formação estrutural do Estado Brasileiro:

* O ponto mais difícil, quando se trata da questão de ética é que "os costumes, justamente porque se transformaram em algo automático e quase natural, são os mais difíceis de serem modificados... Então você tem uma sociedade onde impera o favor, onde impera o compadrio, onde impera a violência face a face, essa sociedade não é tão facilmente modificada... esta ética da política, muitas vezes hedionda, vem em cima dessa base."

* Ao se referir ao combate à corrupção: " Veja, a Constituição de 88 deu um instrumento muito bom para a sociedade que é justamente a autonomia do Ministério Público...Desde então o MP tem cumprido com sua função de uma maneira admirável com algumas exceções gravíssimas... "

* "Mas o problema está na estrutura inteira do Estado brasileiro, que dá ao executivo prerrogativas quase que ainda mantendo as prerrogativas do poder moderador. Então é como se você tivesse um imperador que a cada período é eleito, quase sempre censitariamente, ele é consagrado por milhões de votos..."

* O chefe do Estado representaria um poder neutro, que teria por função "evitar os choques e as diferenças dos três poderes... Aqui, em 1824, ele foi colocado como um poder superior, e continua até hoje essa idéia de que o chefe do Estado tem essa supremacia na estrutura inteira do Estado. Isso é fonte de todas as crises, que no meu ver, se dão no Estado brasileiro".

* Mas quem é o responsável? Quem responde por...? Pontua o perigo da perda de capacidade de representação no Estado. O Governo não é o Estado, mas é visível esta confusão.

*A impunidade, ou melhor "a questão da punibilidade está ligada, no meu entender, ao outro lado, que é (a questão) da responsabilidade. Se nós analisarmos o surgimento do Estado moderno, Estado democrático moderno no século XVII... a idéia era de "accountability", de prestação de contas. Se o rei , ou a pessoa que mantém o cargo público não responde na hora ao povo soberano, perde, não tem manutenção do cargo." A impunidade também está ligada segundo ele a uma questão técnica de direito e a necessidade de reformas, considerando a prevalência do poder executivo como um perigo ao Estado brasileiro... mas os problemas vão além.

*Como fazer para exercer o direito como cidadão? "Eu acho que o problema é de ordem técnica, é de ordem jurídica e é de ordem cultural."

*Responde a questão sobre quem vai dar um jeito no Brasil, realçando o erro do "apoliticismo" e o poder dos eleitores, o "poder das urnas". Aponta a necessidade de uma reforma política com a valorização dos partidos e apresentação de programas e propostas para o país..." não tenho respeito por partido que vende voto e que se vende... Poucos têm uma idéia de sociedade, uma idéia de Estado, um projeto para modificar e melhorar o Estado... mas quando chegam ao poder, o programa onde està?... Se o partido tem um programa, se ele tem compromissos, ele tem que responder por essa corrupção, ele tem que responder por tudo isso. E nós temos na Constituição, os elementos que nos conferem esse direito. Isso, me desculpem, isso aí é letra morta. Se os partidos não se responsabilizam, evidentemente, você não vai ter mudança nenhuma."

*A moralização depende da população... O Brasil adoece de realismo político..."

Mais detalhes? É chegar ao site que contém a "memória viva" do programa Roda Viva.
Vale a pena!

E eu pergunto a vocês: " E aí? O que fazemos após ler essas considerações? Vamos catalogá-las como "letra morta", ou vão nos servir para alguma coisa? "

Para Que?
Só "en passant" lembro Arendt e sua diferenciação entre a coisa privada e a pública. A política faz parte da segunda. Envolve a rede de convivência e o bem coletivo. Sendo assim trago o exemplo de Roberto Shinyashiki.

Shinyashiki é médico psiquiatra e doutor em Administração de Empresas, se destacando como consultor empresarial, escritor e conferencista. Participa ativamente de projetos sociais que envolvem a solidariedade mundial. É citado como referência para palestras sobre carreira e sucesso, liderança e equipe, autoconstrução como ser humano feliz e autorealizado. Também busca transformar a realidade e abrir seu espaço na sociedade por seu próprio mérito e esforço.

Seu site: http://shinyashiki.uol.com.br/index.php/artigos

Transcrevo um trecho de seu artigo "O líder desperta o desejo de influência", que acredito conter novas perspectivas sobre esse tema liderança, podendo melhor direcionar programas de desenvolvimento e treinamento dentro de modelos participativos de gestão, que vão envolver a preservação da dignidade e a realização pessoal, o convívio político e diplomático no jogo das negociações, e a integração harmônica das equipes para melhor conviver respeitosamente com as diferenças individuais.

"A energia moral vem da capacidade em despertar respeito e admiração da equipe."
Isso altera a idéia clássica de liderança e do líder ser necessariamente extrovertido e comunicativo ...
Shinyashiki cita três habilidades hoje indispensáveis ao líder, por se constituírem em fatores que originam o "desejo do outro ser influenciado" :
-conhecimento ( as pessoas querem ouvir e seguir quem tem conhecimento),
-experiência ( há sempre a ânsia do novo, mas hoje é importante se cercar de gente que já fez o que você vai fazer),
- resultados ( pessoas que obtêm resultados são sempre uma excelente referência, têm o que dizer, e seus colaboradores desejam ouvi-las, porque querem trilhar um caminho de resultados).

Mais sobre ele?
É visitar o seu site.
Recomendo seu texto "A Grande Obra Prima" (publicado em 16/04/2007), pois talvez lhe ajude a responder o "Para que?".

E se quiser lê-lo, com fundo musical, é digitar:
http://www.comentandocomentado.blogspot.com/
e pesquisar os posts de 03/09/09.

Estou me habituando a dar uma passagem diária por esse blog. Nossa, como trabalham! Mas é visível a autosatisfação da equipe. E isso é incentivador.

Daí vem a pergunta: "E nós, estamos nos autorealizando com o que fazemos, como ser humano?"
Aurora Gite
Postado em 04/09/09, às 20:40 h)