domingo, 27 de setembro de 2009

No meio de encruzilhadas de totalitarismos

Na busca por blogs com conteúdos éticos e cidadãos blogueiros que busquem, com argumentos e coragem e dentro de seus limites de atuação, se engajar na luta pacífica pela transformação de nosso social, me deparei com mais um site que passo a vocês. Acredito ser importante contribuir para a divulgação desses espaços usados para tais fins.

http://www.espacorevistacult.com.br/
Espaço de debates e divulgação do conhecimento, localizado em São Paulo, no bairro do Paraíso, tendo como proposta disseminar a cultura. Essa equipe é responsável pela Revista Cult. Cheguem até lá e vejam a qualidade temática e o referencial dos profissionais que a enriquecem com seus artigos.

http://revistacult.uol.com.br/
A edição 129 da Revista Cult traz um dossiê sobre Hannah Arendt, escrito por Newton Bignotto. Sob o título de "Arendt e o totalitarismo", e o foco nos estudos sobre o totalitarismo que esclarecem a face trágica do século 20, o autor ainda aponta a visão de Arendt sobre os desafios das democracias no século 21. É muito interessante e tão atual, tendo em vista o que ocorre em Honduras, pois amplia nossa visão e perspectiva crítica com base nas evidências e dados de realidade que nos chegam de lá diretamente, e não em opiniões absolutistas e imagens midiáticas com recortes manipulados e direcionados a interesses específicos.

Outra edição que me chamou a atenção, e que associo como complemento dessa leitura, foi a edição 139 e seu "Partilha do Sensível - uma associação entre arte e política, segundo o filósofo francês Jacques Rancière" . Sob esse conceito ele descreve a formação da comunidade política com base no encontro discordante das percepções individuais, pertencentes ao mundo do sensível. Traça um paralelo entre as expressões artísticas e a sensibilidade estética da política. Aborda os discursos organizados pelo poder, e as formas de espetacularização do próprio poder, dificultando um trabalho de "pensar sobre" , que possibilite se chegar a uma síntese sobre os acontecimentos. Critica a manipulação do mero espectador, cidadão não atuante, facilmente direcionado a um envolvimento fanático, pelo recrutamento midiático de grande comprometimento emocional. Não é o que estamos vendo nessa crise de Honduras?

Como o Brasil foi envolto de forma a se situar como parte integrante da mesma? Ingenuidade e falta de comando, ou má fé e falta de transparência na gestão?
Como cidadã, queria um plebiscito aqui no Brasil, queria opinar e expressar livremente minha concordância ou não com essa decisão presidencial de ingerência em "casa alheia", com regulamentos internos diferentes dos nossos e com normas constitucionais que iriam ser vilipendiadas pelo presidente deposto, caso não tivesse sido destituído.

É importante, respeitando as devidas proporções, fazer uma comparação com nosso cotidiano. Imaginem numa rua, um bloco com diversos prédios, com seus respectivos condomínios e regulamentos internos. Um síndico é deposto da função por descumprir ítens desse regulamento, tentando alterar o estatuto, conforme sua conveniência pessoal. Descontente sendo excluído das assembléias à força, se põe a reclamar, a desqualificar seus opositores, e a buscar alianças nos prédios vizinhos, para conseguir nova entrada. Um condômino cede seu espaço, desde que fossem respeitadas as leis de uma convivência pacífica e respeitosa. Nova eleição já estava prevista e para uma data bem próxima. O síndico interino as manteve, como a observância das normas estatutárias anteriores. Não usou de nenhuma forma de agressão física, buscando manter um clima pacífico durante o período até a entrega do cargo ao eleito por maioria para exercer a função.

De repente, o síndico deposto se faz cercar por vários partidários, que invadem o pequeno espaço na assembléia e se fazem usufruir dos benefícios dos demais, chegando a acuar os que por direito ocupavam o espaço. É notório que esse síndico faz mau uso do poder e busca o incitamento de uma resistência com meios até violentos. Nós, participantes dessa assembléia, que nada temos com o conflito caseiro da deposição do síndico, como reagiríamos a tudo isso? Poderiamos ser envolvidos sem uma votação democrática sobre nossa aceitação em tomar partido? E a soberania do regimento de meu prédio como fica, já que o mesmo estava sendo desconsiderado e invalidado legalmente? E a minha soberania individual, minha liberdade de decidir - aspectos centrais de uma democracia - como seriam respeitadas?

Quem é quem no meio de tudo isso?
A quem me dirijo? Onde está o síndico de meu prédio? Onde está o representante da imobiliária, o responsável legal pela assembléia? Onde está o embaixador brasileiro de Honduras, que delegou a outrem a autoridade ante decisões tão importantes ?

" O único diplomata brasileiro presente em Honduras, o ministro-conselheiro Francisco Catunda Resende, disse à Folha, que foi surpreendido. Concordou em receber na embaixada brasileira a mulher de Zelaya. Logo atrás dela, entrou ele, com mala e tudo, disse o diplomata. Após conversas, veio de Amorim a autorização para acolher o casal." E os demais? Quem autorizou?

Quem invadiu a embaixada, além de Zelaya e de sua mulher?
Quem assumiu o poder lá dentro, estabelecendo limites de atuação funcional?
Quem verdadeiramente exerce a autoridade dentro da embaixada, território brasileiro?
A quem cabe administrar e disciplinar operacionalmente todas essas pessoas dentro de nosso território em Honduras?

Como podemos nos permitir não perceber a inversão de papéis e valores legais, se os poderes da nação hondurenha -Executivo, Legislativo, Judiciário e sua Suprema Corte - foram os mobilizadores das Forças Armadas e estavam unidos na deposição do presidente, por este não haver cumprido seus deveres constitucionais? Por que os defensores da Constituição Hondurenha querem ser ouvidos e não são escutados?

Como as outras nações se permitiram envolver dessa maneira deixando até em aberto questões diplomáticas pela intromissão na soberania de outro país?
E aí estamos nós, no meio de encruzilhadas de totalitarismos, posições centralizadoras e autoritárias, que buscam mobilizar massas para apoiar suas opiniões, distorcendo e camuflando informações. Mas eu quero ser escutada!

Sabem ao que nos reduzem? Estão conscientes do perigo de permanecerem nesse silêncio complacente, nessa co-participação passiva com estranhas ingerências ideológicas em um governo que se diz democrático, por ter sido escolhido por votação popular, mas que adota medidas tão absolutistas? Aumentos seletistas de salário, indicações impositivas para a vitória de um sucessor , aliás agora Chávez, presidente da Venezuela, segundo a imprensa noticia, se tornou abertamente um dos defensores de Dilma Roussef à Presidência do Brasil, sabiam dessa? Já imaginaram o precedente aberto, conforme o desfecho da crise hondurenha?

E lá vamos nós, reaprendendo a pensar e reativar o nosso senso crítico:
Crise política acarretando crise econômica? E...?
Crise diplomática envolvendo crises de capacidade de persuasão e negociação? E...?
Crise de paciência ante lentos acordos e de falta de tolerância a frustrações e adversidades angustiantes? E...?

Crise de identidades que trazem consigo a falta de capacidade de discriminação de limites?
Crise de convivências respeitosas que implicam na capacidade de administrar as diferenças?
É por aí mesmo... Continue!
E para respeitar as diferenças tem que haver humildade suficiente para perceber as limitações ou ... arrogância em excesso e falta de amor-próprio, para conviver com imposições e submissões totalitárias.
E então?

Então, agora vocês têm novos instrumentos internos para escolherem qual postura adotar: mero observador da espetacularização midiática e polítiva, ou cidadão democrático, nada ingênuo nem robotizado, que amplia seus pontos de vista além da aparência desfocada pela falta de transparência dos discursos políticos atuais, em sua maioria ... Acho importante essa ressalva, pois vivo e gritante ainda se encontra um grupo minoritário atualmente, se bancando em sua esperança de mudanças.

Como Rancière nos confronta com "um presente que não é alegre, porque não há esperanças fortes... que sustentem os movimentos existentes, eis o comentário que encaminhei sobre a matéria, em 15 de setembro passado:
"Excelente oportunidade de entrar em contato com as idéias desse filósofo...Gostaria aqui de pontuar outra perspectiva. O fato de não ser mobilizada uma luta social contra o sistema capitalista, não impediu que a crise financeira confrontasse o ser humano consigo mesmo e com a forma antiética de dominação e exploração nas interações pessoais. Pegou mais fundo. Há muita esperança!"

A cada encruzilhada de totalitarismos, o ser humano mais se sensibiliza e humaniza, e encontra mais força para partilhar o que tem de melhor em si. E até se permite questionar, nesse momento de crise: O que tenho de melhor?

E esse é o primeiro passo para estabelecer seus limites pessoais novamente, rumo ao resgate de sua identidade. Aqui reside a minha esperança para esse milênio.

Aurora Gite

Nenhum comentário: