sexta-feira, 26 de abril de 2013

O que fazer ante tantas pedras desestruturantes da identidade humana?

"Tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra". É isso aí, Drummond, o que fazer ante tantas pedras desestruturantes da identidade humana?

Crises e mais crises, violência e mais violência, grupos terroristas organizados cedem seu lugar a fanáticos indivíduos radicais jorrando seu potencial irracional destrutivo. Há milhares de anos, guerras e sofrimentos... e o mesmo padrão de interação civilizatória continua a ser seguido... e prossegue, aumentando gradativamente o cabedal destrutivo abalando sociedades.

Poderes legalizados e instituições voltadas a protegê-las contra quaisquer ideais extremistas e totalitários advindos de áreas executivas, legislativas ou judiciárias, como tão bem podemos observar na crise atual do governo brasileiro e embate entre os representantes desses poderes colocando em xeque nossa Constituição e nossa própria democracia.

Eis as pedras no meio de meu caminho, Drummond, desviando meu foco inicial. "Revolta" ante a impotência dos cidadãos honrados e altivos? "Indignação" ante o sofrimento de uma população assolada por tanta corrupção moral e desvios financeiros? Propagação de um "grito saudoso de socorro" aos "cara-pintadas" de outrora com suas manifestações pacíficas que mobilizaram a comoção nacional e o brado da nação tão injustiçada se fez ouvir, clamando Justiça?

"Dor na alma" por ver ideais humanistas tão admirados e defendidos, profundamente abalados neste nosso momento social. Igualdade, Liberdade mas com Fraternidade não programas sociais falaciosos!
Transparências na comunicação de logísticas e estratégias de governo, divulgada e promovida pela ostentação midiática espetaculosa e ruidosa, voltada mais a manter a cegueira popular.

E o povo? Ora o povo... o interesse é que se sinta impotente pelo ofuscamento de medidas ilusórias de proteção, para que não se aperceba da falta de projetos sociais saneadores, de forma efetiva e não transitória, de suas necessidades básicas infra-estruturais.

E o povo? Ora o povo... em grande parte consumido em sua ganância ignorante e inconsequente  não se apercebe de como se tornou mais dependente, mais agradecido, mais fiel servidor público para manter o "status quo" governamental deficitário de valores éticos.

Retorno a meu caminho onde observo pedras espalhadas por ele, difíceis de serem desviadas sem machucados diretos ou por empatia com o sofrimento de outros seres humanos, distantes ou próximos. Já consigo observar as profundas marcas em meu corpo ou em meu espírito, ou em ambos.

Não gosto do cenário mundial que observo no esperançoso milênio, em pleno século 21.Cada um no seu casulo de isolamento e interesses pessoais; todos tão perdidos dentro de si mesmo quanto agarrados aos que chamam de "seus pares". Pares que, astutamente, conseguem manipular ideologias separatistas, por violento ódio ou perverso prazer, sem perceber que o outro ser humano não está separado de si.

Visões reducionistas e distorcidas, consciências obtusas e implacáveis, reações irresponsáveis e inconsequentes, tripé que não possibilita a apreensão racional, e a compreensão sensível, de que todos fazemos parte do mesmo conjunto, que chamamos de  "humanidade".

Parece que foi ontem que eu apontava as perdas desestruturantes da identidade humana, repercussões que as gerações pós guerra e terrorismo carregariam por anos e anos, como pedras no meio do caminho por mais amortecido que este esteja no presente, se o caminho não tiver pedras visíveis, suas memórias vão se encarregar de mostrá-las.


E não é que vivenciamos, e vislumbramos, caminhos alternativos cheios de pedras?  Não é visão pessimista, não! É fato, evidência que não permite ilusão e deturpação do cenário; é confirmação do alerta, que faço há anos e continuo sinalizando, do "perigo sobre a raça humana"; é a triste constatação de um quadro social mundial que se arrasta por anos, onde se destacam :

* o império da irracionalidade na busca de poder e exaltação de interesses personalizados,

* a evidência da quebra da ética e dos compromissos assumidos sob esse prisma,

* a constatação da não aceitação de acordos visando o bem comum e ações humanitárias.


Lá em distantes continentes, como cá no continente americano, continuo acreditando que nosso foco deveria recair no que temos no "aqui e agora existencial" dessas populações sofridas pelas sequências de crises em vários setores de seu existir.

Sob uma leitura racional e emocional - quase atemporal pela reincidência dos mesmos padrões de convivência - análises e interpretações, a meu ver, deverão recair nas perdas desestruturantes da identidade do ser humano, e que interferirão diretamente em suas reconstruções logísticas e convivências futuras.

A pureza dos traços e clareza dos desenhos das sociedades futuras já estão contaminadas pela nebulosidade das imagens e tremor nos contornos marcados pela ira, pelo ódio, pelo rancor do desespero ante a impotência e a solidão pelas ausências afetivas impostas.  A quem culpar diretamente? A quem recorrer judicialmente? A quem pedir um ombro amigo? A quem pedir um colo para ajudar a conviver com a dor e tamanha agonia? A quem pedir um lenço para enxugar tanta lágrima? A quem pedir o cuidar de um amor voltado a cicatrizar, com mais rapidez, os ferimentos de um coração onde ainda pode se observa o gotejar sangue?


Nesse sentido, vale lembrar que as perdas, na construção do ser humano, englobam os três tipos de lutos:
1- as perdas de entes adultos e idosos significativos, parentes ou não, testemunhos de nossas experiências, pontos de nossa auto-referência, reminiscências de nosso passado e sinalização de nossa passagem por esta vida;
2- as perdas de crianças e adolescentes, representantes de nossos projetos futuristas, sonhos e propósitos que dão sentido a nossa vida;
3-as perdas dos patrimônios materiais e culturais, de nossa tradição histórica, conquistas e aquisições : autorrealizações responsáveis pela valorização de nossa auto-estima.

Dúvidas e mais dúvidas aumentam a bola de neve das incertezas e medos do futuro próximo das sociedades vindouras. Envolvem os "como" e as buscas sobre "o que fazer":

Como se reestruturar como ser humano, com senso moral virtuoso e justo, ante toda a distorção da própria sensibilidade humana, necessária para suportar todo o flagelo desumano?

Como suplantar todo o ódio, raiva e ressentimento, que tendem a se transformar posteriormente em reações vingativas e intimistas, até como forma de amenizar toda a angústia que geram?

Como perdoar e superar todas essas vivências violentas, mescladas em ambos os lados por impotência e culpa, dos que sofreram e foram submetidos e dos que agrediram e humilharam.

Ambos os lados terão que se confrontar com a gélida barreira de autoproteção, porta de aço da sólida indiferença, instalada internamente para aprisionar o lado mais íntimo e afetuoso de cada um, postura necessária à sobrevivência física ante o dilema "eu ou ele".

E quanto a sobrevivência psíquica?

Ambos os lados são constituídos por pais, filhos e maridos, que viram projetadas suas próprias vidas, derrocadas suas esperanças, ao serem espelhadas as mutilações e mortes de familiares e a sua própria morte e mutilação psíquica, ante cada tiro dado ou agressão efetuada e sentida.

Zumbis e robôs, aceitando e dando ordens aviltantes, sem autonomia humana defensiva, sem direito a senso crítico questionador, que já pagaram e pagarão alto preço a partir de agora ante a intransigência que se observa.

Quem irá lhes propiciar posterior equilíbrio emocional, harmonia consigo mesmo; motivação para respeitar as leis e normas discriminadoras políticas, econômicas e sociais; disposição para a construção de convivências pacíficas humanitárias num mundo tão ameaçador e persecutório, sem a segurança de lideranças confiáveis visando o bem-estar da raça humana?

Qual será a visão de mundo e de homem, que está sendo construída, e qual prevalecerá no transcorrer desse século 21?

Isso é responsabilidade de cada um de nós, mesmo distantes.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

A difícil arte de observar e investigar a energia psíquica

Notícias correntes em nosso cotidiano: "O mundo está um caos destruidor de toda organização ordenada, seja no social, na política, na economia, na vida de relação". Ninguém se entende para estabelecer uma ordem, não digo institucionalizada, mas no próprio psiquismo, invadido por problemas, conflitos, dilemas.

A cada dilema que se soluciona, novos conflitos surgem, substituem os antigos "camaleônicamente". Não ocorrem mudanças internas efetivas, mas alterações nas aparências dos problemas, que com novo colorido, novo disfarce, persistem imperando dentro do mundo psíquico, influenciando, nossas ações e reações sem que nos demos conta.

Conflitos se sobrepõem na arquitetura barroca montada mentalmente, com seus rococós de truques e artimanhas psicológicas, para nos afastar dos sofrimentos psíquicos que acarretam. Dilemas e indecisões inquietantes, gerados em várias área do existir humano, se encaixam dentro da estrutura psíquica que lhes dá suporte momentâneo e lhes serve para alívio transitório das angústias.

Penso que nas defasagens em nossa engenharia logística e sensível reside a falha para se obter soluções efetivas, o ponto fraco que impede qualquer ação efetiva de mudar se contrapondo a intenções que cada um se impõe de realmente se transformar. O ser humano perdeu a grandiosidade e deixou de valorizar a amplitude de suas capacidades de observar e de investigar descobrindo dentro de si o que necessita ser mudado para um bem viver, com justiça, temperança e serenidade.

É visível a necessidade de uma "reengenharia na psique humana". É se permitir observar como os caminhos no psiquismo estão bloqueados ou esburacados, como os mecanismos preservadores da integração e liberdade de ir e vir do ser psíquico estão desengrenados, e como as funções psíquicas estão inoperantes para lidar com as pressões do mundo atual sobre nós e com nossas auto-exigências e autocobranças cada vez mais agressivas e imediatistas.

Urge o investimento de energia psíquica para formatação de novas políticas inteligentes. Com os meios e instrumentos psicológicos que temos ao nosso dispor não temos mais recursos para combater os jogos de poder desse início de milênio, que distorcem nosso imaginar, por via perversa incentiva um auto-iludir com tentáculos da mídia globalizada e comunicação via web camuflando realidades. Enfraquecidos pilares de bom senso social são abalados pela autodestruição constante, ante a cegueira e a impossibilidade interna para observar sem grandes ansiedades e investigar o papel primordial, como motores de mudanças, do sentir prazer ante inovações dignificantes ao ser humano, que não remete ao tédio de uma preguiça ociosa nem ao real fictício do hipnotismo virtual.

A maioria dos seres humanos acorda por breves instantes e toma consciência do que ocorre ao seu redor, mas sem forças, tendo perdido o foco humanitário em suas observações e em seu papel como parte do todo social e agente ativo das mudanças que devem ocorrer para que o cenário mundial se altere, cai novamente na inércia da sonolência recorrente dos impotentes sem ânimo. Nesse milênio, a novidade envelhece e é substituída num piscar de olhos. O cochilar dos desesperançados pode ter um custo inesperado quando e, se acordarem, aturdidos vão observar que farão parte da classe social dos excluídos do mercado de trabalho e do próprio mundo virtual, que já delineou sua demanda imediata por um novo e diferenciado perfil social.

Que os alarmes gritantes - mais ruidosos com a ampliação acústica, propiciada pelo alarido agressivo da propagação estridente de novas e novas descobertas, contínuos e irreversíveis avanços tecnológicos - chamem a atenção para a necessidade de reajustamentos no mundo psíquico para que nossa razão assuma novamente seu posto de liderança dentro desse espaço interno, sendo reconhecida sua autoridade para gerenciar nosso pensar, bem como sua meritocracia para liderar a contento nossos impulsos e desejos.

O silêncio acomodativo para muitas pessoas dá lugar a uma enxurrada ruidosa de perguntas inquietantes a quaisquer seres humanos, soterrados ante a fragilidade de seus aparelhos psíquicos, a vulnerabilidade dos seus corpos e a impotência na vontade de agirem para mudar esse quadro dentro de si mesmos.

Pontuo algumas dessas perguntas:
* Por que minha estrutura psicológica não está dando conta de gerenciar a angústia que me assola, e meu corpo em suas alterações metabólicas lhe dá suporte?
* Qual é o peso de minhas representações mentais, muitas das quais nada mais significam para mim, não se constituem como fontes de satisfação, mas que se aglomeram em imagens que ainda conservo, mesmo sabendo serem gangrenas fatais dentro de um saudável mundo psíquico?
* O que me impede de mudar, de me tornar agente ativo das transformações em meu existir, visando meu bem viver, com escolhas e tomadas decisões responsáveis, únicas e intransferíveis?
* Por que é tão difícil fortalecer minha vontade, como a de muitos outros seres humanos, para que coloquem incisivamente um "basta" a si mesmos, interrompendo não só possíveis introjeções do veneno do terrorismo advindo da violência social que se alastra, mas do auto-terrorismo pela voracidade nefasta da vasta gama de drogadicções, e dos comportamentos reconhecidamente autodestrutivos, que acabam atingindo todos ao redor não só o responsável por sua autodestruição?

Num contraponto a essas questões surgem outras perguntas, que acredito, coloquem em xeque-mate nossa vontade:
* Por que estou fazendo isso comigo, sabendo que me autodestruo por causa disto?
* Mereço fazer isso comigo, sabendo que começo a ferir minha dignidade de ser humano?
* Já não está na hora de meu psiquismo assumir novamente suas funções e desbaratar posturas vitimizantes acomodadas perante a vida, interrompendo respostas psicossomatizantes?
* O que fazer para mudar, já que não está funcionando a contento a ordem disciplinadora, metáfora imperativa: "Levantando a cabeça! Levantando a cabeça! Tá na hora... Tá na hora... Marchando rumo à vida 1...2! Marchando rumo à vida 1...2!"

Por que enfatizo a arte de observar e investigar a energia psíquica como motor propulsor do mudar? 

Reparem como nos desequilibramos ao tentarmos nos virar e olhar para as imagens do passado e suas tradições, muitas obsoletas mas determinantes de nossas ações. Observem como o mesmo ocorre ao buscarmos olhar para as imagens do futuro, prevendo ações, planejando ideais inatingíveis até contrários ao nosso modo de ser, criando expectativas inalcançáveis.

Experienciem como esse movimento cambaleante, para trás e para frente, conduz a uma "mobilização paralisante" de nossa energia psíquica e se permitam investigar porque a maioria das pessoas se nega a essa constatação e se recusa a indagar:
"Não somos e não queremos ser esse ser humano inserido nesse social violento, nessa sociedade desorganizada mas "criada por nós"... e por que não nos questionamos e investigamos porque estamos vivendo assim?".

Meu olhar recaiu sobre a primeira ação, premissa básica para a coleta de informações , que desencadeia todas as demais ações humanas: a capacidade de observar.

O que fazer para aprender a "arte de observar"?
Ops! Penso que como toda arte é um "ato de amor".Envolve uma enorme vontade de querer cuidar, ok?
O que fazer ao querer "cuidar do ato de observar"?

Nosso pensar utiliza informações obtidas por um observar dentro de um prisma enviesado por ações condicionadas direcionando nossa maneira de ser, decorrentes de: formações inadequadas, educação deturpada em seu intento de educar estando mais voltada a metas, interesses pessoais e manutenção do "status quo" social; preconceitos em várias áreas que envolvem a relação humana; transtornos de caráter; tradições mortas, propagandas ideológicas, dogmas religiosos fanáticos, politicagens e ilusionismos mercadológicos.Tudo isso contamina também a pureza da qualidade das auto-observações.

Quais são os requisitos necessários para o observar e o investigar?
Quais seriam os recursos para impedir a invasão dos pensamentos outros, e das imagens por ele criadas, durante o processo de observar e investigar?
O que fazer para colocar limites em nossa ação de pensar, buscando que aquietem os pensamentos perturbadores da ordem necessário para conservação do foco durante o processo de observar e investigar?
O que fazer para aguçar nossa vigilância e impedir o acesso das associações livres que tendem a surgir assim que iniciamos um processo de pensar e limitar as imagens ideativas de se intrometer no puro observar?
O que fazer para controlar nosso censor interno, que , por hábito, logo busca racionalizar, explicar, descrever, opinar, analisar, examinar, avaliar, comparar, julgar todo material psíquico?
Quais os passos para a aprendizagem da "arte de observar e investigar a energia psíquica"?

É sempre uma instigante jornada de aventuras acompanhar o movimento de nossa energia psíquica, ainda mais investigar a própria arte de observar.

Registro de alguns passos de ações observadas durante o processo de observar, confiram com os seus:

* Limpar as "lentes de nosso observar", de interferências internas e externas, que podem contribuir para a perda do foco durante o ato de observar.

* "Cuidar do estado de prontidão, atenção e concentração" necessárias para o alcance do "bom foco" para se observar.

* Ter sempre em mente que para "investigar o movimento da energia dentro de nosso psiquismo, a mobilização de forças e a qualidade das energias envolvidas", é importante que estejamos atentos observando não só "o que nos afeta" (por meio de vínculos afetivos estabelecidos), mas também o "como nos deixamos afetar" pelas informações (superficiais ou profundas, assimiladas por nós, incorporadas e transformadas em conhecimentos, arquivadas em nossa memória).

Mais que um mero parêntese:

Investiguem como o "tempo" mobiliza o seu psiquismo. Não me refiro ao cronológico, ao tempo instituído, invenção humana, criada pelo homem como medida auxiliar para melhor se organizar em suas vida diária. Assim surgiu mas, pouco a pouco, tornou-se a escravidão dos dias de hoje. O próprio homem se algemou tempo mecânico controlado pela passagem dos ponteiros de um relógio seja através de horas, minutos e segundos, ou pelo tempo aprisionado ilusoriamente seja através de dias, meses e anos, ou mesmo passado, presente e futuro.

No entanto, reparem como o "tempo é o movimento dos pensamentos" (J.Krishnamurti, vários livros e inúmeros vídeos disponíveis no canal YouTube)  e como o único tempo real a observar é o agora, o instante presente que condensa em si o passado e o futuro. Sendo assim: Quando se quer mudar realmente o foco deve ser mudar de atitude no "instante presente" e transformar o "agora do viver".  É desconfiar do truque maquiador de nosso pensar, sedutor em seu sussurro para o "amanhã eu penso","semana que vem faço a dieta", "vou me aprimorar para depois mudar", "vou me tornar digno do amor, para me aproximar"... Conhecem essas armadilhas visando o "não mudar", não é?

Observaram como nas ações acima, em todas elas ocorreu o deslocamento e desconsideração de tempo presente? Dica para desativar essas armadilhas é experimentar se manter sempre no que é, no agora do fato. Podem até chegar a observar que não querem mudar, ou que não lhes é conveniente mudar no agora de seu viver! Porém não se desvalorizem, realçando sua fragilidade ante dificuldades no mudar. Mudanças em relação de anos, então, só têm valor se não se conseguir mais preservar a dignidade de um ser humano na vida de relação, pois nesse caso o dilema está na morte do outro ou no próprio suicídio buscando preservar uma relação que não existe, e se existiu já morreu há algum tempo.

Enfatizo que observar não envolve outras operações de nosso pensar como examinar, analisar, avaliar, comparar, julgar... Estas ações não fazem parte da arte de observar e investigar, que envolve a liberdade de ser e o comprometimento responsável na unicidade do envolvimento pela integração entre o observador e o observado.

Percebam como posturas para análises, explicações, justificativas, descrições nos afastam dos que observamos e nos colocam em posição mais distante, diferenciada, mais como espectador para poder analisar o que ocorre.Sendo assim é interromper de pronto essa mobilização de energia que busca desviar a ação de observar.

Investiguem ainda dentro de si mesmos como seus conflitos, seus problemas se tornam insolúveis quando existe uma divisão na mente entre nós e os problemas: nós somos os problemas. A distorção inicial é que mantém o conflito: nós não estamos com um problema, nós somos o problema. Reparem a diferença ao ser permitirem exercer a arte de observar a mobilização da energia em seu mundo psíquico. Só observem e investiguem as operações que surgirem mantendo o foco.

No início esse observar e investigar incomoda, é difícil pois estamos acostumados a ações com metas e finalidades, nesse vamos nos permitir estar livres e soltos, mais relaxados vamos aquietando e ainda bloqueando pensamentos (associação de ideias, uso da linguagem lógica-racional). Imagens (recordações da infância como : "Nossa, tô ansiosa de ficar assim... me sinto perdida...  sinto vontade de comer doces... lembro que minha mãe sempre me dava, forma de carinho acho eu...) podem servir para outro momento nesse processo de autoconhecimento, mas no instante presente, de observar e investigar a mobilização da energia psíquica, devem ser contidas. Qualquer separação colocando o problema no "não sou eu ...acontece comigo, é meu dilema" deve logo ser reparada, e a consciência de que "eu sou o problema" deve ser resgatada.

Esse é o espaço mental para que soluções outras apareçam na nossa mente, e principalmente para que possamos observar e investigar a manifestação de potência de nossa vontade. Nosso querer profundo encontra o silêncio da mente para a escuta das expressões da intimidade do ser (essência) e o acolhimento necessário para suas angústias existenciais.

Agora é com vocês escolherem a posição em que querem se colocar em seu viver. Herói ou vítima?


Aurora Gite








sábado, 20 de abril de 2013

Oportunidades não são ensaios sobre a "liberdade de Ser"

Quantas e quantas oportunidades não passam por nós e são recusadas por medos e receios, por não nos acreditarmos estar à altura de aproveitá-las ou simplesmente deixá-las à nossa espera num momento futuro, contando com melhor nos capacitarmos para aproveitá-las quando "surgirem outra vez" em nossas vidas.

É mais comum do que pensamos o jogar para frente decisões, ou tomá-las inadvertidamente, acreditando que tudo pode ser reversível na vida se não der certo. Não é bem assim que as coisas funcionam não.

Existem várias alternativas, várias outras tomadas de decisão. Mas a oportunidade daquele momento, passando... passou! Oportunidade já implica que o momento é adequado e conveniente, deixamos de lado esse significado implícito à ocasião em que surge. Por que?

Topam vir comigo e nos aproximarmos um pouco mais do dinamismo de alguns mecanismos psíquicos, que nos colocam dentro de dilemas conflituosos, causadores de grande angústia, dor mental?

Reparem como o pensamento é o "criador de imagens". O maior problema do ser humano é conviver, bem ou mal, com as auto-imagens; e com ter que planejar mais e mais estratégias, na maioria das vezes de forma não tão consciente, para manter as imagens que nosso pensar criou sobre nós mesmos, além de buscarmos nos enquadrar às expectativas, imagens que os outros criaram a nosso respeito.

Observem o movimento das forças psíquicas dentro de vocês, e vejam quando se sentem magoados ou feridos, se o que é atingida não é essa imagem que têm de si mesmos. O grau de ressentimento é tanto maior quanto maior a idealização da imagem. Quando essa percepção se torna clara, retomamos o controle sobre nossas reações emocionais; suas desproporções se tornam visíveis.

É muito interessante a leitura dos relacionamentos humanos sob a perspectiva dos cruzamentos de imagens, que fazemos de nós, que fazemos dos outros, que os outros fazem de nós, que os outros fazem de si... uau!... e ainda entram as circunstâncias e as coincidências. Não podemos desconsiderar a unicidade dos seres humanos, com suas diferentes visões sobre um fenômeno, nem relevar a multiplicidade compreensiva sobre o que ocorre dentro de cada um, o que resulta em diferentes significados atribuídos a um mesmo fato.

Fechando toda essa "torre de Babel" de encontros e desencontros, que abrange o difícil mundo das convivências, conivências e conveniências humanas, ainda temos que reconhecer que não nos é confortável a ideia da vida humana só acontecer uma vez. Só podemos decidir, e sem comparação, uma vez. Oportunidades não são ensaios. Ensaios, em experimentos, permitem inúmeras repetições dos mesmos, visando as devidas correções de erros observados, até chegar às metas buscadas.

Em nossas vidas não existem os "eternos retornos nietzschenianos", para que possamos repetir nossas escolhas, buscando, por erros e acertos, melhor adequá-las ao nosso bem-estar, conquistando um sentido para nossa vida. A aquisição da compreensão desse sentido, por nós atribuído às nossas vivências, é que nos possibilita melhor apreender o significado de nossa liberdade e do prazer da paz interior e serenidade aquietando nosso conflituoso mundo psíquico.

Eis que, interrompendo essas reflexões, surge a imagem de um livro, lido na década de 80, "A Insustentável Leveza do Ser", de Milan Kundera. É fascinante quando nos permitimos acompanhar, só acompanhar, sem julgar ou buscar controlar, o fluxo das associações de ideias decorrentes da mobilização de nossa faculdade de pensar. Elas mesmas vão se formatando e nos permitindo tomar consciência do porquê de sua presença em nossa mente naquele momento.

O livro "A Insustentável Leveza do Ser" tem como temática a frágil natureza do destino, do amor e da liberdade humana. Por força das escolhas cada personagem - Tereza e Tomas, Sabina e Franz - experimenta, cada um à sua maneira, o peso insustentável da tomada de decisões na vida, de reconhecer opressões do destino, e de tentar amenizá-las com a insustentável leveza da liberdade de ser. Por mais que embasemos racionalmente nossas decisões, nada nos assegura que serão as melhores. O que nos pode servir de conforto, é quando nos alicerçamos na certeza de que, naquele momento, fizemos o melhor que podíamos fazer de acordo com as circunstâncias então vivenciadas.

Kundera, em seu romance, nos confronta com a existência de um "destino" não definido por acontecimentos, mas por "estranhas coincidências". As diferentes visões de seus personagens revelam a importância de não menosprezarmos a leitura de diferentes significados para um mesmo fato. Realça que "A nossa vida não é como rascunho, a gente não pode simplesmente amassar o papel e começar tudo novamente...não existe o eterno retorno." Vamos ter que conviver com o peso e a leveza de nossas angústias existenciais e melhor equilibrá-las para um bem viver. O autor sinaliza que a leveza da liberdade também é insustentável ao ser humano, verdade que terá que conviver, pois faz parte da condição humana.

O personagem Tomas é a metáfora através da qual Kundera demonstra as consequências existenciais do comprometimento da liberdade quando vínculos são estabelecidos. A partir do vínculo afetivo com Tereza, que o mantém preso pela impotência dela perante a vida, Tomas experimenta o peso do comprometimento, peso opressivo de um engajamento que torna sua vida infeliz.

Através da postura desse personagem no final do romance, o autor nos remete à doutrina do Eterno Retorno e do "Amor Fati" (amor ao destino) de Nietzsche, quando Tomas revela que "não se arrepende de nada do que tenha feito", o que implica na aceitação da vida e entrega ao seu destino.

"Aquilo que não é consequência de uma escolha não pode ser considerado nem mérito nem fracasso", segundo Kundera. Acredito que, nessas circunstâncias, é preciso mudar o prisma do acaso para a perspectiva das coincidências.

Acredito que a sensibilidade acurada de nossa faculdade de intuir é que vai nos possibilitar, como seres humanos, a leitura do encadeamento e significado das coincidências sequenciais, sinalizadoras de novos caminhos e do escutar a um real querer, querer profundo de nossa vontade (alma).

Poucos se aventuram a utilizar essa capacidade humana, que rompe a tradicional "lógica-racional do ver para crer", e a substitui pela assustadora "via sensível-intuitiva do crer para ver". Com isso alguns ficam atolados, petrificados ante situações vivenciais desconfortáveis e o medo de sofrer. Outros ainda localizam seu medo o nomeando como medo da solidão.

É difícil o reconhecimento de que só temos medo do que nos é conhecido, que nos foi e é assustador. Não há como sentirmos medo do que nos é desconhecido. Sendo assim, ter medo da solidão implica em já estar vivendo em solidão interna, sem acolher a si mesmo. Ter medo da solidão significa não tanto a vivência atual de estar se sentindo só na vida de relação, quanto se permitir estar mergulhado no ser só, sem escutar o grito de sua alma (essência) ferida e enjaulada.

Somente ao sentir a solidão consigo mesmo, o "status de ser só", como zona de conforto, o ser humano é capaz de bancar os obstáculos e as mudanças em seu viver, que desmontem o ciclo imaginário do medo e do sofrimento por medo da solidão.

Penso, por incrível que pareça nesse momento existencial, que os avanços tecnológicos com o aprimoramento dos robôs humanóides formatados sob inteligências artificiais, estejam nos encaminhando, a nós da raça humana, para a aquisição de mais coragem e maior motivação para buscar conhecer e valorizar nossa capacidade mental lógica-intuitiva.

Aurora Gite




quarta-feira, 17 de abril de 2013

É isso aí Drummond, também pergunto e me questiono : "E agora, José?"

Eis um auto-questionamento, sobre o significado da própria existência e do mundo, válido para cada um de nós.

Confiram como Drummond lida com a existência do "não ser".

Vejam como dentro do Existencialismo existe a categoria construtiva do "nada" : há sempre algo por fazer dentro do existir de um ser humano.

Já visitaram, na Internet, o site Passeiweb? Vale a pena!

Anotem aí:

www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios

Agora é curtir a leitura de "E agora, José", ou simplesmente "José".

Ops! Qualquer semelhança com algum conhecido é mera coincidência, ok?

JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,

seu terno de vidro, sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?


(Carlos Drummond de Andrade)

Mais uma vez, "curti bastante Drummond", no seu cuidado com a beleza das palavras e com o texto elaborado com arte.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Relembrando um pouco de Nietzsche, sob nova vestimenta... Vem comigo?

Relembro como me senti estarrecida, quanto mais lia "Assim Falou Zaratustra"  de Nietzsche. Leitura difícil pela complexidade da linguagem empregada . Conforme ia me aprofundando, tentando acompanhar as ideias e as associações que o pensar de Nietzsche estabelecia, mais me sentia seduzida pelo autor. De repente, percebi que não era só pelo autor. 

O homem Nietzsche começou a me envolver, pela angústia do "ser só", traço marcante de muitos grandes pensadores, e pela consciência que tinha de ser incompreendido pela sociedade de sua época. Acredito que, por muitos, até os dias de hoje. Atroz é o sofrimento de constatar que as palavras pronunciadas não  ecoam, sua vibração sonante e seu significado não comovem. Como não encontravam a ressonância necessária a um vínculo comunicativo, Nietzsche não conseguiu se fazer ouvir em sua intenção de remexer a sociedade, em sua maioria acomodada em seu pensar por si mesma, preguiçosa em refletir sobre a qualidade de seu viver e realizar transformações condizentes ao alcance de um estado interior de bem estar.

A maioria das pessoas da sociedade de então, que circundava Nietzsche, estava  imersa no fetiche de salvação dos pecados em outras existências, na avidez por compra de ilusões caridosas e no aluguel de cabeças pensantes, à espera que outros assumissem a responsabilidade pelas tomadas de decisões que lhe caberiam, e dissessem o que lhes seria melhor fazer, para logo seguirem aliviados, sem se questionarem sobre a validade das diretrizes em suas vidas, inclusive, se permitindo ser arrebanhados, como cordeiros, em busca só de abrigo e alimento para sobreviver.

Nietzsche reconhecia sua grandeza pessoal e sua rejeição social. Tinha consciência do grau involutivo da sociedade da época, e seu impedimento a compreensão de suas pretensões evolutivas para os seres humanos. Minha imagem de Nietzsche foi a de uma fera enjaulada buscando atacar e ferir essa massa humana. que mais ameaçava sua integridade psíquica, por meio das palavras impetuosas que jorravam de sua boca. Logo, dentro de mim, outra imagem se sobrepõe a essa, a do homem grandioso além de sua época; de um ser humano livre, que se lançou a altos voos, atingiu a categoria de "super homem" e voltou ao mundo superficial da 'raça pensante inferior', segundo ele, tentando transmitir o caminho da sabedoria - alcançada por Zaratustra (personagem autobiográfica) - a seus contemporâneos. 

Como saber que vieram comigo nessa jornada? Como saber que acompanharam a angústia da impotência por perceber a tarefa inútil, objetivo de uma vida. Nietzsche sabia que os homens de sua época não estavam preparados para assimilar a verdade contida em suas palavras, seus ouvidos estavam surdos e seus olhos cegos para a compreensão da missão do homem em seu encontro marcado com o humano dentro de si. A clareza de sua loucura ofuscava o delírio social da pacífica e ilusória acomodação, que vedava qualquer aproximação com o real e sadio mundo interno que ele buscava iluminar. Não é fácil ao homem comum, atingir esse patamar, conseguido e concedido a poucos, ante seu grande esforço e muita coragem. É um movimento interno assustador por representar o encontro com o desconhecido, com o lado escuro da lua existente em cada ser humano, fantasia sombria, aparição volátil e fantasmagórica que importuna e se faz presente ao homem, até que a demanda para que seja descoberto, se torne consciente, seja atendida.

A falta de uma escuta compreensiva para o profundo significado de suas palavras e a, agora violenta, rejeição à sua pessoa, mais ainda o enclausuraram e o algemaram à dor da injustiça... cruel injustiça que dilacera a alma humana. Sentia que lhe acometiam os espasmos loucos provocados pela contenção do regurgitar do silêncio gritante, além das limitações impostas por males orgânicos.

No entanto, não lhe foi possível abarcar que era a resignação ante esse senso de "solitude", que lhe permitiria o acalanto tranquilizador para dominar seus conflitos internos e se embalar mais e mais nos breves instantes lúcidos de lampejos de serenidade, decorrentes do encontro com suas idéias superiores e da certeza de seu poder transformador da miséria da condição humana corrompida e submetida a autoridades referenciais outras que não a de seu mundo interno. No caso de Nietzsche, as dilacerantes dores de cabeça e a fraqueza física pela doença o consumiram antes que vivenciasse essa experiência do humano.

Lendo, ainda, "Assim falou Zaratustra", caiu-me às mãos "Humano Demasiado Humano", grandiosa obra desse autor, escrita na passagem de 1876 para 1877, ano em que completaria 33 anos. Foi publicada em l878. Tentei vislumbrar a época e o local da Europa em que foi escrita, seduzida pelo corajoso confronto social que manteve por anos e tentei colocar meu imaginário se alinhando à vivência de Nietzsche. Permiti-me permanecer a seu lado longas horas, numa leitura sôfrega, acompanhando seus pensamentos e seus sentimentos.
A entrada dolorosa de Nietzsche dentro de si mesmo é visível, bem como seu processo libertador; a observação do caminhar, que é único para cada um, e seu narrar os passos de Zaratustra, permite identificar a veracidade da experiência, semelhante a muitos seres humanos. Meu interesse e curiosidade se aguçavam ainda ao recordar; persistia dentro de mim a primeira impressão que tive sobre a pessoa Nietzsche ao ter contato com seus escritos, e isso muito me gratificava.
O enigma da liberação envolve a passagem solitária pelo deserto interno de nosso psiquismo, que propicia o encontro consigo mesmo após o sofrimento da morte de Deus que, tal qual o apresentavam as religiões institucionalizadas, via como representante mór das invenções para criar uma autoridade externa ao homem e obter sua submissão passiva, da quebra das ilusões e consequente desmistificação dos falsos valores impostos, guardados nos baús das tradições culturais e transmitidos como verdades absolutas a gerações e gerações. E isso ele bem descreveu em "Assim falou Zaratustra". Detalhou esse caminho sofrido por nos remeter ao depressivo "nada", a uma sofrida "negação da vida", a uma possível perda da integração psíquica, se não ousarmos, com coragem e sensibilidade, nos erguer e observar, com humildade e encantamento, o ser humano íntegro - um "sobre humano", bem além do homem comum em sua banalidade e superficialidade - ou um "super homem" como Nietzsche se orgulhava em denominar o homem que podemos vir a nos tornar.

Lembro que foi em um último dia do ano, que entrei em contato com "Aurora", outra obra de Nietzsche. Aceitando o "convite do autor para passar o 'reveillon' em sua companhia", degustei com prazer o alimento para minha alma, advindo de seu saber compartilhado. Saboreei cada instante a seu lado, fascinada pelo  turbilhão de sua mente, que não conseguia se livrar das algemas da imperiosa necessidade da aceitação de suas ideias pelos outros, da busca de que o ouvissem e reconhecessem seu papel social. Queria encontrar então, em sua história de vida, o que lhe faltou, que o impediu de cortar a dependência simbiótica com o social; qual seria o papel funcional em seu psiquismo dessa necessidade de reconhecimento pelo mundo exterior. 
Ao mesmo tempo, acompanhando a luta de Nietzsche mais valorizava o caminhar de um ser humano rumo à conquista de um "espírito livre e justo". Vieram comigo? Acompanharam em que a leitura das obras do autor tocou vocês como leitores? Como isso os afetou através das indagações pessoais que provocaram?  Particularmente, penso que "liberdade-justiça-dignidade" formaram o tripé que possibilitou com que me equilibrasse internamente e conseguisse trilhar o minado caminho para o encontro de uma humilde sabedoria que pudesse ser aplicada diariamente visando um bem viver interno. 

Essa postura se reflete no "vir ao mundo" nietzscheniano e no se capacitar e se superar continuamente para administrar a qualidade das pequenas vivências cotidianas para o alcance holístico de uma boa vida, que permite o olhar para trás, para o passado já vivido, sentir gratidão e orgulho pela configuração conseguida, e a leveza da presença do futuro por vir. Numa auto-avaliação, como ser humano, a visão imponente do tripé acima se destacou em todo esse trajeto e isso dá, a qualquer um que tenha vivenciado algo semelhante, muita força interna, reforça o centro autorreferencial. Por maiores que tivessem sido as desilusões amorosas, agruras familiares e limitações físicas pelas enfermidades que assolavam Nietzsche frequentemente, por que ele não conseguiu fortalecer seu centro de autorreferência?

Segundo as próprias palavras de Nietzsche, a missão do homem superior é "tomar o corpo e vir ao mundo", é " tornar-te senhor de ti, senhor de tuas próprias virtudes". Não há "realidades eternas", nem "verdades absolutas". Urge reconhecer o poder do ser humano consciente, e interromper os elos que o prendem a uma tradição obsoleta, a uma hierarquia religiosa autoritária e imposta, a uma moralidade corrompida a submeter os seres inferiores - como Nietzsche denomina os que não se utilizam da razão para discernir e lutar contra tudo o que possa bloquear sua evolução humana espiritual. Sua revolta era voltada tanto aos ardilosos, quanto aos que se permitiam servi-los sem pensar e sem lutar como homens, ocupando seu verdadeiro lugar no "mundo dos Homens".

É difícil descrever com palavras a sensação agradável de uma interação humana sintônica, onde afinidades fluem, onde compreensões sobre o outro, suas idéias e vivências afloram. São esses contatos que substituem a sensação de estranheza, que nos cerca em alguns momentos de solidão e não integração a um social inóspito a relações amorosas, que envolvem um cuidar recíproco.
O aconchego do encontrão com pessoas da família humana (não biológica simplesmente) é o que possibilita a sensação de não dormir com o inimigo, de encontrar campo para troca de ideias e diálogos gratificantes. A semelhança de ideais coletivos e lutas em prol de um mundo melhor, permite a inserção numa sociedade de iguais que valorizem o respeito aos limites impostos pelas diferenças individuais querendo resguardar e aprender com a unicidade da grandeza das individualidades. E eu continuava a questionar porque Nietzsche não teria em seus momentos de lucidez encontrado o conforto dessa sincronicidade.
Dentro de sua mente os pensamentos conflitantes predominaram ao longo de sua vida (1844-1900). Segundo ele : Como é fácil se criar um mundo falacioso por observações psicológicas superficiais - como bem coloca em seu "Humano Demasiado Humano" (p.64/66) - que unido ao fortalecimento de crenças religiosas e mitológicas errôneas sobre o amor e posturas não-egoístas, e à manutenção de uma pretensa moralidade dos costumes, estabelece padrões uniformizados de boas e más condutas, a serem seguidos por todos sem distinção, para sustentar uma sociedade culturalmente massificada, não pensante e oprimida, desrespeitosamente, em sua unicidade diferenciada de ser humano.

A esperança humilde da eclosão de um mundo melhor, onde as virtudes - forças energéticas superiores - e os valores éticos imperem nas convivências humanas, não acredito que seja uma utopia tão distante assim, principalmente para aqueles que mantiveram uma pureza e ingenuidade no coração, que lhes permite sair da frieza da logicidade do "ver para crer",  e adentrar ao mundo criativo, intuitivo, do "crer para ver", que implica no "se entregar" ao direcionamento de uma inteligência interna, ainda inexplicável, e "só então ver".

Esperando despertar a curiosidade para futura leitura da obra de Nietzsche, vou me permitir transcrever algumas frases retiradas do Prefácio de um de seus livros; considerações de Ciro Mioranza sobre "Aurora". Vale a pena ler esse livro - não tão complexo, quanto o citado anteriormente "Assim falou Zaratustra", mas igualmente de enorme profundidade - e resgatar seu autor para a humanidade. Confiram o que digo:

"Aurora anuncia um novo dia, um novo despertar para uma verdadeira vida - do homem e da humanidade inteira... Aurora significa o despertar de um nova moralidade. É a emancipação da razão diante da moral... Aurora quer romper essa maneira tradicional de agir e de avaliar. Portanto, à medida que o sentido da causalidade aumenta, diminui a extensão do domínio da moralidade... Aurora se configura na história da individualidade num contexto social. Um novo ser se desenha. Uma nova forma de pensar, de agir e de se comportar. Um novo ideal diante de si e diante do outro, um novo ideal de cada um diante da sociedade. Um novo tempo. Uma nova vida. É tudo o que o homem quer. Ser e ser ele próprio."

Aurora Gite

Recebi a indicação e agradeço.
Acabei de assistir ao vídeo sobre Nietzsche pelo canal Youtube (41') e gostei muito.

Compartilho a palestra:
Café Filosófico - Especial Nietzsche - Viviane Mosé (filósofa)

Vale a pena assistir.
Acabou sendo um bom complemento para esta postagem.


quarta-feira, 10 de abril de 2013

Já se perguntou: "Como isso afeta a minha vida?"

Acredito que não dê mais para nos mantermos distantes das descobertas que alteram nossa visão não só de homem, de cidadão mas de ser humano.

Quantos e quantos anos voltados ao homem-cidadão responsável pelo coletivo, com suas pequenas e limitadas ações contribuindo para o bem-estar social! Quanta batalha voltada para o resgate de sua dignidade e hombridade em sua integração pacífica e solidária em uma sociedade exclusivista e com interesses mais capitalistas, com interesses pessoais e fachadas fictícias de humanismo, encobrindo transparências reveladoras da frieza de logísticas tecnológicas predominando sobre a real implantação de uma justiça social nas ações ditas humanitárias.

Acredito que esse milênio, farto de aceleradas transformações, conte com mais uma mudança de paradigmas  sobre o ser humano, em sua complexidade quântica-fisiológica corporal e, agora, quebrando modelos referenciais psíquico-físicos.

Tenho colocado no twitter ThompsonLM (ou thompsonlm) o passo a passo de minhas pesquisas científicas, sempre buscando postura não centralizadora, mas livre e desapegada, para passar a tocha com o chip de novos designs de informações, buscando agregar mais conhecimentos aos que tenham voltados seus estudos para a área de saúde mental, particularmente.

Divulgo vários vídeos do canal Youtube que reputo importantes para quem acompanha o cruzamento de minhas ideias, destaco alguns como:

* Jill Taylor/ o potencial do cérebro ( vídeo de entrevista concedida a Jorge Pontual, no programa Milênio, com duração de 23':14" )

Cientista, neuroanatomista, que tendo tido um acidente vascular cerebral (AVC) aos 37 anos, descreve o que ocorreu em seu cérebro durante a perda das funções de seu hemisfério esquerdo, sua experiência de 8 anos e completa recuperação, sua observação e constatação de que possuímos dois sistemas operacionais distintos, com linguagens específicas que envolvem nosso hemisfério direito e nosso hemisfério esquerdo.

Acredito que a revelação dessas interações possam ampliar o campo de nossas compreensões não só dos circuitos cerebrais do hemisfério esquerdo voltados às nossas operações lógicas do pensamento, à formação de nossa individualidade, à identificação com o nosso "senso de eu", ao reconhecimento de nossos conflitos psíquicos e do caos interno deles decorrente.

"Ao perder o uso dos centros de linguagem que ficam no hemisfério esquerdo, perdi a capacidade de entender e criar sons e, ao mesmo tempo, perdi o núcleo egóico e todos os detalhes que me definiam com indivíduo. Também perdi a noção do corpo, a parte do cérebro que define onde começo e onde termino. (Percebi) que somente conseguimos definir os limites do próprio corpo por causa das células localizadas no hemisfério esquerdo. (Perdi) a linguagem e mesmo meu monólogo interior foi completamente silenciado...(sendo remetida ao uso das funções do hemisfério direito de meu cérebro)"

Para minha surpresa, seu contato como médica especialista e cientista voltada a estudos e pesquisa na área da neuroanatomia funcional do cérebro humano, com interesse redobrado - como ela mesma divulga em seu livro e no vídeo - por ter um irmão portador de esquizofrenia, possibilitaram uma descrição funcional mais detalhada do que ocorre no hemisfério direito. Penso que desconhecida para muitos profissionais da área e terapeutas afins.

Segundo Taylor é do hemisfério direito que vem nossa aproximação com o sistema cósmico (organizado do universo), através de uma sensação de expansão de nossa energia, de amplitude inexplicável pelo "derrame de lucidez que ocorre", de tranquilidade e serenidade, uma profunda paz interior através da profundidade da vivência apenas no tempo presente.

- "Minha mente não processava lembranças do passado, perspectivas do futuro ou coisas importantes do mundo exterior... Não reconhecia os limites do corpo no espaço, me senti enorme e expansiva... A partir da ausência de meu monólogo interno, que me conecta ao mundo exterior, eu penetrei no momento presente... repleto de propriocepções e informações sensoriais..."

- " É tudo questão de escolha consciente...A qualquer momento, podemos dar um passo à direita (consciência pura e reveladora, estado de 'nirvana') ou um passo à esquerda (estado de um 'ser humano funcional'). Eu busco um cérebro equilibrado e defendo o uso dos dois lados do cérebro... Creio que, quanto mais longamente pudermos escolher o mergulho no circuito profundo e pacífico dos nossos hemisférios direitos, maior será a paz que projetaremos no mundo e mais pacífico será nosso planeta".


*J.Krisnamurti  - série de vídeos com suas palestras no canal Youtube e vários (mais de 47) livros publicados

Destaco entre outros em meu twitter (thompsonlm)  o vídeo 6 da palestra proferida em maio de 1976 (enfatizo a data)  "O observador é a coisa Observada?"  (duração de 56':41'') . Essa palestra faz parte da série de 7 diálogos sob o título "A Transformação do Homem" e contou com a participação do físico David Bohm e do psiquiatra David Schainberg.

Observem a aproximação com a maiêutica socrática - excluindo o ironismo usado por Sócrates para desmontar saberes montados e enraizados - do estilo de Krishnamurti de lidar com temáticas envolvendo revolução psicológica, meditação, conhecimento, liberdade, relações humanas, a natureza da mente, a origem do pensamento, a realização de mudanças positivas na sociedade global, entre outros...

Final da década de 70 já tinha me aproximado do conteúdo dos livros de J.Krishnamurti, tendo participado por 2 anos de um de seus núcleos de estudo aqui em São Paulo. Parece que, talvez agora, a escuta desse filósofo, escritor e educador indiano, ganhe outra dimensão. Ainda mais se cruzarmos suas colocações com as descobertas de Taylor.

Krisnamurti logo coloca que suas conversas estão voltadas a um trabalho investigativo com a platéia que o ouve, na busca de descobrir o que é e quem dá origem ao pensamento, o tempo como movimento, o ato de escutar, a arte de estar atento, a arte da concentração ... Procura sempre excluir o conhecimento existente, as variáveis que envolvem os condicionamentos até das tradições, do passado; desmontar o processo de criação de imagens, principalmente as que sejam autorreferenciais (com elas não há condição para a existência de relações serenas). Sua busca pela verdade volta-se para a compreensão do movimento da energia psíquica do ser humano (vitalidade, força, vigor, sem outras conotações da ciência)... caminho fascinante, acessível a todos nós, que não demanda, ou melhor afasta categoricamente, grandes elaborações intelectuais.

"Estamos lidando com fatos. Fatos são os que já aconteceram e o que estão acontecendo agora. Estes são fatos. O que está acontecendo amanhã 'não é' um fato... Estamos viajando juntos: vocês e o orador, não para o futuro, mas no presente... investigando juntos...fazendo um exame profundo dos fatos (vivência de Taylor no hemisfério esquerdo), não sob um ponto de vista particular... Isto não é uma teoria, não é um conceito filosófico especulativo, está contido no agora... em nossa relação com a vida diária, com os relacionamentos estabelecidos no dia a dia... Estamos observando, explorando e examinando (o movimento da energia e o que ocorre internamente), não estamos analisando acúmulo de informações".

"O presente como apontamos, contém todo o tempo (vivência de Taylor no hemisfério direito). O presente não é só o passado com todas as memórias, todos os incidentes, gravados no cérebro e guardados, mas o passado que existe 'agora' também... E o futuro é o que existe agora... Então o que a pessoa é agora, ela será amanhã, em milhares de amanhãs...se não houver uma radical, fundamental revolução psicológica, não evolução, mas revolução, mutação, mudança profunda, amanhã será exatamente o que somos hoje".

Taylor e Krishnamurti apontam para a importância das operacionalizações racionais e linguísticas do hemisfério esquerdo e  para a passagem para o hemisfério direito para alcançar um "pensar sem pensamento", momento receptivo à harmonia com a serenidade da ordem cósmica universal, onde 'nós somos o mundo e o mundo está em cada um nós'.


Acredito ser válida a observação do contraste gritante com a atual robotização da neurociência, daí indicar breve entrevista de Miguel Nicolelis, dada a 1 ano atrás - mas com dados relevantes para o momento atual - a Antonio Abujamra, no Programa Provocações da TV Cultura.


Aqui já ficam muitos dados para reflexões e constatações pragmáticas, que espero possibilitem pesquisadores a acender suas tochas éticas de cientistas em sua busca da verdade, para o ser humano resgatar sua dignidade, instrumentando-o para impedir o avanço dos robôs 'humanóides' funcionais e da tecnologia voltada ao aprimoramento da 'inteligência artificial', como tem acontecido.

Ah! Se puderem, me deem "feedback". Seria legal e prazeroso para mim saber que caminhamos juntos, ok?

Aurora Gite

sexta-feira, 5 de abril de 2013

"A palavra é mais que um instrumento, é uma verdadeira orquestra"

Gosto de acompanhar as articulações e os processos do pensamento de indivíduos que se diferenciam por suas criações pessoais e atuações na sociedade. Suas ideias originais, envolventes e comoventes, se propagam velozmente e contribuem para reflexões que podem ter efeito transformador na mente (alma) certa para recebê-las.

Com a fluência no lidar com seu fértil mundo de idéias e a espontaneidade de dedilhar as cadeias associativas e torrente de imagens que emergem, não se consegue explicar bem de onde, mas se reconhece ser do mundo psíquico, que pode então, mais além, ser observado nas contínuas configurações criativas do mundo caleidoscópico do indivíduo criador.

E, assim, surge uma criação de uma intuição, inexplicável ainda nos dias de hoje, ou remanejamentos de raciocínios lógicos ante simples mudanças do foco do olhar sobre "algo", pode até ser a visão do "nada". Outro prisma, outra perspectiva, servindo para o encadeamento de novas observações, outras associações e inovadoras operações mentais.

Não é só o artista, mas cada um de nós como meros espectadores ou leitores, que ao nos envolvermos com as criações em uma relação de cumplicidade, somos atingidos magicamente e arremessados a outras perspectivas, patamares de ideias e compreensões que nos surpreendem pelo impacto que podem nos causar, e pela maneira como interferem naquilo que nos cerca, intencionalmente ou não.

De repente, quando menos nos damos conta, estamos envoltos impotentes, sem vislumbres de saídas e nos debatendo em redemoinhos circunstanciais e imprevisíveis. E nos esquecemos, facilmente, que se nos permitirmos nos deixar levar em seu embalo turbulento, o mesmo pode ir se tornando em resignação aconchegante e se tornar fonte de inspiração para criações inesperadas. Da consciência da desordem emerge a lucidez da ordem!

Tudo fora de ordem no início do milênio, se pensarmos na certeza e segurança de ontem: tanta gente pensando por nós, sabendo o que é melhor para nós, antevendo nosso lugar na sociedade, prevendo nossa linha do tempo, escrevendo e direcionando nosso futuro. Enquadramento perfeito para nos adaptarmos e vivermos "felizes para sempre".

E agora?

É assustador o confronto com o peso de carregarmos nas costas tradições inadequadas, que mais nos trazem sofrimento psicológico, conflito e desordens mentais. Isso foi mantido e acumulado por anos e anos, até chegarmos ao caos atual.

É amedrontador reconhecer que estamos sozinhos no reconhecimento do que é bom para nosso bem-estar, e na tomada de decisões visando nossa ordem e harmonia interior, nosso equilíbrio e serenidade, nossa paz para uma  vida boa.

É aterrorizador percebermos que temos que contar com nossa autoconfiança reforçada continuamente, para bancarmos nossas constantes dúvidas e inseguranças ante tantas possibilidades e a necessidade de escolher uma. E, para obtermos presteza nas improvisações, só contarmos, nessa hora, com nossa faculdade de intuir e nossa vontade e agilidade para nos mobilizarmos e canalizarmos construtivamente nossas energias.

A intuição representa uma experiência nova para quem sempre viveu sob o "dogma do ver para crer".

É se aliar a uma certeza que vem da escuridão profunda de nosso ser. Como se por anos aprendemos a desconfiar das relações humanas e de nossa capacidade para sermos leais a nós mesmos?

É confiar sem ver, sem obter dados informativos que possibilitem ao nosso pensar lógico racional operar. Como se nos foi ensinado a contar com a razão acima de nossa sensibilidade? Razão intuitiva, escuta do lado sensitivo, nem pensar, aliás, desconsiderar mesmo!

É distinguir interiormente a voz do passado, do tradicional, do conhecido... das palavras silenciosas que, mudas, murmuram informações, e , vibrando energia, dão som a essa inteligência, comunicando por eco a escolha certa para nós, a que traz consigo a alegria da própria alma, a sensação de serenidade da profundeza do nosso ser, a grandeza da dignidade virtuosa da entidade e que expressa o nosso "humano".

Esse encontro após o breve momento único de estar só, que possibilita o alcance do "senso de solitude" que nada tem a ver com isolamento, muito pelo contrário, mobiliza uma integração holística lúcida com uma energia mais organizada, mais cósmica, se for considerado o significado de "ordem" da palavra grega "cosmos".

Um dos maiores aprendizados do milênio, acredito eu, é estarmos receptivos para a escuta dessa inteligência superior que também operacionaliza nossas funções mentais. "É crer, é se entregar, para ver".

Aliás não há outra saída ante tanta destruição de valores sociais e violência desregrada, desordem nas convivências pacíficas e caos nas relações diplomáticas humanas.

Nada milagroso, nada místico, nada sobrenatural como é o mais propagado.

É mais fácil se manter o controle manipulador sobre a raça humana estando ela circunscrita e envolta na escuridão da massa das crenças e superstições mágicas.

É mais vantajoso trazer o homem na redoma superficial de buscar o controle de reações inexoráveis atreladas à condição humana, aprisionando-o aos patamares da inveja, do ciúme, da posse, da ambição, da vaidade, da ganância, do apego a necessidades, valores e desejos inventados, do que lhe apontar horizontes onde, com esforço, conseguirá reverter a qualidade dessas energias, substituindo-as pela força do desapego, da liberdade, do amor (como o mais digno e mais lúcido dos sentimentos).

Tudo blá,blá,blá... tudo jogo de palavras? Palavras que esboçam conceitos abstratos, opacos e não transparentes, que mais fomentam o caos da Torre de Babel, com cada um atribuindo a uma mesma palavra o significado que quiser e a manipulando sofisticamente?

Palavras que servem à mentira, falsetes de verdades relativas, a provocar mais desordem nas difíceis relações humanas de nossa época, onde ninguém se entende, ninguém confia, ninguém consegue  mais se manter leal e fiel sem pagar alto custo por isso, ou seja, ser banido, excluído do social vigente?

Poderíamos passar horas e horas esgrimando com "as palavras".

Poderíamos untá-las com venenos mortais de significados que, ao penetrarem o psíquico humano, atingissem o alvo certo para ocasionar a desintegração mental e o desequilíbrio referencial daquele que as ouve, e se identifica simbioticamente com elas.

Poderíamos agir com mais honestidade, dando iguais condições aos contendores, empunhando argumentos afiados e precisos em retaliar o senso de "eu", usando a técnica da ironia e da desqualificação sutil, observando sadicamente o adversário - considerado inimigo - sangrar aos poucos, perder seu prumo até, sem forças psíquicas para encontrar argumentos certos, ser vencido pelo cansaço e desmaiar mentalmente, sem condições mais de pensar.

Poderíamos, com astuta crueldade, propiciar ao oponente - inimigo agora mortal - a total desintegração de seu mundo interior, fazendo com que tenha que combater até que não possa mais conviver com a ilogicidade das mensagens ambíguas, até que não se distancie mais da cegueira do real, até que se posicione imerso no mar de fatos ilusórios e imagens distorcidas criadas pelas palavras maldosas e criminosas.

Ofuscado pelo sangue provocado no psiquismo por palavras ferinas, que nele se propaga por palavras humilhantes e sarcásticas, por sua toxidade de rápido efeito contaminador e destrutivo, o adversário se perde dentro de si mesmo, fragmentado e com os sentimentos em frangalhos.

Em momentos de lucidez, tenta ainda se agarrar ao sentido de palavras que "não lhe bastam mais" pelas mensagens de insegurança, incerteza, desvalorização, sentimentos de inferioridade e incapacidade, infinitos medos e sensações de ameaças... que logo tomam conta de seu metabolismo psíquico e contaminam qualquer um que tente entrar no meio dessa luta de palavras. O diálogo agora transcorre só entre as partes de seu próprio mundo interno. Não há mais contato com um "outro" externo a si mesmo, para que o combate continue. As palavras sem sentido passaram a jorrar de seu mundo interno. Poucos são os momentos de lucidez para que os gritos de socorro se façam ouvir.

Podemos dar um salto quântico, adquirir nova compreensão pacífica, em outros patamares mais profundos de consciência, como nos primeiros parágrafos novamente?

Podemos nos afastar das emoções despertadas pelas imagens provocadas pelo pensamento perverso expresso por palavras destrutivas, que mostram o desmoronar gradual do bom senso em pessoas ingênuas e de boa fé?

Podemos controlar nosso emocional e direcionar nossa mente racional para conter exemplos de testemunhos vivos de como podemos reverter esse quadro interno? Qualquer um pode se aliando a sua razão, deixando de depender da razão dos outros, autoridades ilusórias para dar os rumos que só cabe a si mesmo conhecer, sua missão na "sua vida".

Comparem a montagem da cena anterior com o cenário pontuado pelo escritor José Saramago e tão bem colocado em "palavras pronunciadas" em sua palestra de maio de 1999.. Essa palestra se encontra disponível em vídeo, aliás, suas palavras estão distribuídas em 4 partes, todas contendo várias reflexões que resgatam com palavras a dignidade do ser humano. Os vídeos pode ser encontrados no canal Youtube, sob o título de "Especial: Homenagem aos 90 anos de José Saramago" Só como lembrete a morte física da Saramago ocorreu 18 em junho de 2010... suas ideias se disseminam, ainda hoje, mais vivas através da força de suas palavras, testemunhadas em seus escritos que não morrem.

Termino com as palavras de Saramago:

" O sentido da palavra que se diz, é diferente da palavra que se ouve. Essa "coisa mágica" que se produz por um efeito mecânico de uns quantos, de umas quantas coisas que chamamos cordas vocais, que chamamos língua, palato, dente, lábios. E como é que isto, que não é mais que matéria, que se move com uns quantos músculos... como foi possível termos nós, seres humanos, passados por grunhidos, rugidos, roncos, por sons primordiais à comunicação, para esta coisa verdadeiramente deslumbrante que é a palavra, o discurso".

" O escritor pode estar calado, ele só tem que escrever, as palavras são silenciosas, mas são para ele, quer dizer, nem sequer isso são. As palavras são um conjunto, um desenho, um desenho de letras, que formam palavras, que formam sentido, que formam conceitos e por aí... Portanto, ele não tem que falar. Mas o "verdadeiro destino das palavras" é isso, é serem ditas, é serem pronunciadas. A palavra só é realmente palavra quando é dita."

" Tive ocasião nesses últimos dias de assistir exatamente aquilo que se pode chamar a "epifania da palavra", ou sua manifestação divina: o momento em que a palavra se levanta - como se ela se levantasse - ganha corpo e, cada vez que soa uma palavra, é como se ela dissesse: - Aqui estou!"

" Sempre tive a noção de que a palavra é mais do que um instrumento. A palavra é uma verdadeira  orquestra. Por isso, enfim, a crítica reconhece nos meus livros um componente musical, que tem que ver com (...o tom) o ritmo (...do som), e não só com o ritmo... com o andamento, o andamento da frase, que chamo de compasso. Mas, também, (...com) este sentimento de que, tal como numa pauta musical, as notas estão todas ali e, portanto, pode-se dizer que a música está ali... também esta página, uma e outra, a página escrita e a pauta musical, necessitam do que é resultado da criação do homem."

"No caso da música, os instrumentos é que vão reproduzir aqueles sinais em sons, e no caso da palavra, a criação ou invenção ... por parte do homem ...é sua própria voz."

Vale assistir a essa palestra. Saramago tece considerações originais, não tinha refletido sob a perspectiva básica de suas reflexões sobre as expectativas do ouvinte em relação ao palestrista-escritor:
"O que ele espera ouvir, de mim, sobre mim?"
"O que ele quer conhecer de mim, que a leitura de meus livros não satisfez ?"

Palavras, conjunto de letras, sinais e símbolos, disponíveis para compreensão de quem lê e ouve.
Palavras, representação que contém um sentido para quem emite, nem sempre igual para quem recebe.
Fonte de desencontros, se o canal de comunicação entre as pessoas não for desbloqueado.
Mas, também, fonte de muitos encontros se houver receptividade, sintonia, sincronicidade de energias.


Aurora Gite