quarta-feira, 24 de abril de 2013

A difícil arte de observar e investigar a energia psíquica

Notícias correntes em nosso cotidiano: "O mundo está um caos destruidor de toda organização ordenada, seja no social, na política, na economia, na vida de relação". Ninguém se entende para estabelecer uma ordem, não digo institucionalizada, mas no próprio psiquismo, invadido por problemas, conflitos, dilemas.

A cada dilema que se soluciona, novos conflitos surgem, substituem os antigos "camaleônicamente". Não ocorrem mudanças internas efetivas, mas alterações nas aparências dos problemas, que com novo colorido, novo disfarce, persistem imperando dentro do mundo psíquico, influenciando, nossas ações e reações sem que nos demos conta.

Conflitos se sobrepõem na arquitetura barroca montada mentalmente, com seus rococós de truques e artimanhas psicológicas, para nos afastar dos sofrimentos psíquicos que acarretam. Dilemas e indecisões inquietantes, gerados em várias área do existir humano, se encaixam dentro da estrutura psíquica que lhes dá suporte momentâneo e lhes serve para alívio transitório das angústias.

Penso que nas defasagens em nossa engenharia logística e sensível reside a falha para se obter soluções efetivas, o ponto fraco que impede qualquer ação efetiva de mudar se contrapondo a intenções que cada um se impõe de realmente se transformar. O ser humano perdeu a grandiosidade e deixou de valorizar a amplitude de suas capacidades de observar e de investigar descobrindo dentro de si o que necessita ser mudado para um bem viver, com justiça, temperança e serenidade.

É visível a necessidade de uma "reengenharia na psique humana". É se permitir observar como os caminhos no psiquismo estão bloqueados ou esburacados, como os mecanismos preservadores da integração e liberdade de ir e vir do ser psíquico estão desengrenados, e como as funções psíquicas estão inoperantes para lidar com as pressões do mundo atual sobre nós e com nossas auto-exigências e autocobranças cada vez mais agressivas e imediatistas.

Urge o investimento de energia psíquica para formatação de novas políticas inteligentes. Com os meios e instrumentos psicológicos que temos ao nosso dispor não temos mais recursos para combater os jogos de poder desse início de milênio, que distorcem nosso imaginar, por via perversa incentiva um auto-iludir com tentáculos da mídia globalizada e comunicação via web camuflando realidades. Enfraquecidos pilares de bom senso social são abalados pela autodestruição constante, ante a cegueira e a impossibilidade interna para observar sem grandes ansiedades e investigar o papel primordial, como motores de mudanças, do sentir prazer ante inovações dignificantes ao ser humano, que não remete ao tédio de uma preguiça ociosa nem ao real fictício do hipnotismo virtual.

A maioria dos seres humanos acorda por breves instantes e toma consciência do que ocorre ao seu redor, mas sem forças, tendo perdido o foco humanitário em suas observações e em seu papel como parte do todo social e agente ativo das mudanças que devem ocorrer para que o cenário mundial se altere, cai novamente na inércia da sonolência recorrente dos impotentes sem ânimo. Nesse milênio, a novidade envelhece e é substituída num piscar de olhos. O cochilar dos desesperançados pode ter um custo inesperado quando e, se acordarem, aturdidos vão observar que farão parte da classe social dos excluídos do mercado de trabalho e do próprio mundo virtual, que já delineou sua demanda imediata por um novo e diferenciado perfil social.

Que os alarmes gritantes - mais ruidosos com a ampliação acústica, propiciada pelo alarido agressivo da propagação estridente de novas e novas descobertas, contínuos e irreversíveis avanços tecnológicos - chamem a atenção para a necessidade de reajustamentos no mundo psíquico para que nossa razão assuma novamente seu posto de liderança dentro desse espaço interno, sendo reconhecida sua autoridade para gerenciar nosso pensar, bem como sua meritocracia para liderar a contento nossos impulsos e desejos.

O silêncio acomodativo para muitas pessoas dá lugar a uma enxurrada ruidosa de perguntas inquietantes a quaisquer seres humanos, soterrados ante a fragilidade de seus aparelhos psíquicos, a vulnerabilidade dos seus corpos e a impotência na vontade de agirem para mudar esse quadro dentro de si mesmos.

Pontuo algumas dessas perguntas:
* Por que minha estrutura psicológica não está dando conta de gerenciar a angústia que me assola, e meu corpo em suas alterações metabólicas lhe dá suporte?
* Qual é o peso de minhas representações mentais, muitas das quais nada mais significam para mim, não se constituem como fontes de satisfação, mas que se aglomeram em imagens que ainda conservo, mesmo sabendo serem gangrenas fatais dentro de um saudável mundo psíquico?
* O que me impede de mudar, de me tornar agente ativo das transformações em meu existir, visando meu bem viver, com escolhas e tomadas decisões responsáveis, únicas e intransferíveis?
* Por que é tão difícil fortalecer minha vontade, como a de muitos outros seres humanos, para que coloquem incisivamente um "basta" a si mesmos, interrompendo não só possíveis introjeções do veneno do terrorismo advindo da violência social que se alastra, mas do auto-terrorismo pela voracidade nefasta da vasta gama de drogadicções, e dos comportamentos reconhecidamente autodestrutivos, que acabam atingindo todos ao redor não só o responsável por sua autodestruição?

Num contraponto a essas questões surgem outras perguntas, que acredito, coloquem em xeque-mate nossa vontade:
* Por que estou fazendo isso comigo, sabendo que me autodestruo por causa disto?
* Mereço fazer isso comigo, sabendo que começo a ferir minha dignidade de ser humano?
* Já não está na hora de meu psiquismo assumir novamente suas funções e desbaratar posturas vitimizantes acomodadas perante a vida, interrompendo respostas psicossomatizantes?
* O que fazer para mudar, já que não está funcionando a contento a ordem disciplinadora, metáfora imperativa: "Levantando a cabeça! Levantando a cabeça! Tá na hora... Tá na hora... Marchando rumo à vida 1...2! Marchando rumo à vida 1...2!"

Por que enfatizo a arte de observar e investigar a energia psíquica como motor propulsor do mudar? 

Reparem como nos desequilibramos ao tentarmos nos virar e olhar para as imagens do passado e suas tradições, muitas obsoletas mas determinantes de nossas ações. Observem como o mesmo ocorre ao buscarmos olhar para as imagens do futuro, prevendo ações, planejando ideais inatingíveis até contrários ao nosso modo de ser, criando expectativas inalcançáveis.

Experienciem como esse movimento cambaleante, para trás e para frente, conduz a uma "mobilização paralisante" de nossa energia psíquica e se permitam investigar porque a maioria das pessoas se nega a essa constatação e se recusa a indagar:
"Não somos e não queremos ser esse ser humano inserido nesse social violento, nessa sociedade desorganizada mas "criada por nós"... e por que não nos questionamos e investigamos porque estamos vivendo assim?".

Meu olhar recaiu sobre a primeira ação, premissa básica para a coleta de informações , que desencadeia todas as demais ações humanas: a capacidade de observar.

O que fazer para aprender a "arte de observar"?
Ops! Penso que como toda arte é um "ato de amor".Envolve uma enorme vontade de querer cuidar, ok?
O que fazer ao querer "cuidar do ato de observar"?

Nosso pensar utiliza informações obtidas por um observar dentro de um prisma enviesado por ações condicionadas direcionando nossa maneira de ser, decorrentes de: formações inadequadas, educação deturpada em seu intento de educar estando mais voltada a metas, interesses pessoais e manutenção do "status quo" social; preconceitos em várias áreas que envolvem a relação humana; transtornos de caráter; tradições mortas, propagandas ideológicas, dogmas religiosos fanáticos, politicagens e ilusionismos mercadológicos.Tudo isso contamina também a pureza da qualidade das auto-observações.

Quais são os requisitos necessários para o observar e o investigar?
Quais seriam os recursos para impedir a invasão dos pensamentos outros, e das imagens por ele criadas, durante o processo de observar e investigar?
O que fazer para colocar limites em nossa ação de pensar, buscando que aquietem os pensamentos perturbadores da ordem necessário para conservação do foco durante o processo de observar e investigar?
O que fazer para aguçar nossa vigilância e impedir o acesso das associações livres que tendem a surgir assim que iniciamos um processo de pensar e limitar as imagens ideativas de se intrometer no puro observar?
O que fazer para controlar nosso censor interno, que , por hábito, logo busca racionalizar, explicar, descrever, opinar, analisar, examinar, avaliar, comparar, julgar todo material psíquico?
Quais os passos para a aprendizagem da "arte de observar e investigar a energia psíquica"?

É sempre uma instigante jornada de aventuras acompanhar o movimento de nossa energia psíquica, ainda mais investigar a própria arte de observar.

Registro de alguns passos de ações observadas durante o processo de observar, confiram com os seus:

* Limpar as "lentes de nosso observar", de interferências internas e externas, que podem contribuir para a perda do foco durante o ato de observar.

* "Cuidar do estado de prontidão, atenção e concentração" necessárias para o alcance do "bom foco" para se observar.

* Ter sempre em mente que para "investigar o movimento da energia dentro de nosso psiquismo, a mobilização de forças e a qualidade das energias envolvidas", é importante que estejamos atentos observando não só "o que nos afeta" (por meio de vínculos afetivos estabelecidos), mas também o "como nos deixamos afetar" pelas informações (superficiais ou profundas, assimiladas por nós, incorporadas e transformadas em conhecimentos, arquivadas em nossa memória).

Mais que um mero parêntese:

Investiguem como o "tempo" mobiliza o seu psiquismo. Não me refiro ao cronológico, ao tempo instituído, invenção humana, criada pelo homem como medida auxiliar para melhor se organizar em suas vida diária. Assim surgiu mas, pouco a pouco, tornou-se a escravidão dos dias de hoje. O próprio homem se algemou tempo mecânico controlado pela passagem dos ponteiros de um relógio seja através de horas, minutos e segundos, ou pelo tempo aprisionado ilusoriamente seja através de dias, meses e anos, ou mesmo passado, presente e futuro.

No entanto, reparem como o "tempo é o movimento dos pensamentos" (J.Krishnamurti, vários livros e inúmeros vídeos disponíveis no canal YouTube)  e como o único tempo real a observar é o agora, o instante presente que condensa em si o passado e o futuro. Sendo assim: Quando se quer mudar realmente o foco deve ser mudar de atitude no "instante presente" e transformar o "agora do viver".  É desconfiar do truque maquiador de nosso pensar, sedutor em seu sussurro para o "amanhã eu penso","semana que vem faço a dieta", "vou me aprimorar para depois mudar", "vou me tornar digno do amor, para me aproximar"... Conhecem essas armadilhas visando o "não mudar", não é?

Observaram como nas ações acima, em todas elas ocorreu o deslocamento e desconsideração de tempo presente? Dica para desativar essas armadilhas é experimentar se manter sempre no que é, no agora do fato. Podem até chegar a observar que não querem mudar, ou que não lhes é conveniente mudar no agora de seu viver! Porém não se desvalorizem, realçando sua fragilidade ante dificuldades no mudar. Mudanças em relação de anos, então, só têm valor se não se conseguir mais preservar a dignidade de um ser humano na vida de relação, pois nesse caso o dilema está na morte do outro ou no próprio suicídio buscando preservar uma relação que não existe, e se existiu já morreu há algum tempo.

Enfatizo que observar não envolve outras operações de nosso pensar como examinar, analisar, avaliar, comparar, julgar... Estas ações não fazem parte da arte de observar e investigar, que envolve a liberdade de ser e o comprometimento responsável na unicidade do envolvimento pela integração entre o observador e o observado.

Percebam como posturas para análises, explicações, justificativas, descrições nos afastam dos que observamos e nos colocam em posição mais distante, diferenciada, mais como espectador para poder analisar o que ocorre.Sendo assim é interromper de pronto essa mobilização de energia que busca desviar a ação de observar.

Investiguem ainda dentro de si mesmos como seus conflitos, seus problemas se tornam insolúveis quando existe uma divisão na mente entre nós e os problemas: nós somos os problemas. A distorção inicial é que mantém o conflito: nós não estamos com um problema, nós somos o problema. Reparem a diferença ao ser permitirem exercer a arte de observar a mobilização da energia em seu mundo psíquico. Só observem e investiguem as operações que surgirem mantendo o foco.

No início esse observar e investigar incomoda, é difícil pois estamos acostumados a ações com metas e finalidades, nesse vamos nos permitir estar livres e soltos, mais relaxados vamos aquietando e ainda bloqueando pensamentos (associação de ideias, uso da linguagem lógica-racional). Imagens (recordações da infância como : "Nossa, tô ansiosa de ficar assim... me sinto perdida...  sinto vontade de comer doces... lembro que minha mãe sempre me dava, forma de carinho acho eu...) podem servir para outro momento nesse processo de autoconhecimento, mas no instante presente, de observar e investigar a mobilização da energia psíquica, devem ser contidas. Qualquer separação colocando o problema no "não sou eu ...acontece comigo, é meu dilema" deve logo ser reparada, e a consciência de que "eu sou o problema" deve ser resgatada.

Esse é o espaço mental para que soluções outras apareçam na nossa mente, e principalmente para que possamos observar e investigar a manifestação de potência de nossa vontade. Nosso querer profundo encontra o silêncio da mente para a escuta das expressões da intimidade do ser (essência) e o acolhimento necessário para suas angústias existenciais.

Agora é com vocês escolherem a posição em que querem se colocar em seu viver. Herói ou vítima?


Aurora Gite








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