sexta-feira, 26 de abril de 2013

O que fazer ante tantas pedras desestruturantes da identidade humana?

"Tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra". É isso aí, Drummond, o que fazer ante tantas pedras desestruturantes da identidade humana?

Crises e mais crises, violência e mais violência, grupos terroristas organizados cedem seu lugar a fanáticos indivíduos radicais jorrando seu potencial irracional destrutivo. Há milhares de anos, guerras e sofrimentos... e o mesmo padrão de interação civilizatória continua a ser seguido... e prossegue, aumentando gradativamente o cabedal destrutivo abalando sociedades.

Poderes legalizados e instituições voltadas a protegê-las contra quaisquer ideais extremistas e totalitários advindos de áreas executivas, legislativas ou judiciárias, como tão bem podemos observar na crise atual do governo brasileiro e embate entre os representantes desses poderes colocando em xeque nossa Constituição e nossa própria democracia.

Eis as pedras no meio de meu caminho, Drummond, desviando meu foco inicial. "Revolta" ante a impotência dos cidadãos honrados e altivos? "Indignação" ante o sofrimento de uma população assolada por tanta corrupção moral e desvios financeiros? Propagação de um "grito saudoso de socorro" aos "cara-pintadas" de outrora com suas manifestações pacíficas que mobilizaram a comoção nacional e o brado da nação tão injustiçada se fez ouvir, clamando Justiça?

"Dor na alma" por ver ideais humanistas tão admirados e defendidos, profundamente abalados neste nosso momento social. Igualdade, Liberdade mas com Fraternidade não programas sociais falaciosos!
Transparências na comunicação de logísticas e estratégias de governo, divulgada e promovida pela ostentação midiática espetaculosa e ruidosa, voltada mais a manter a cegueira popular.

E o povo? Ora o povo... o interesse é que se sinta impotente pelo ofuscamento de medidas ilusórias de proteção, para que não se aperceba da falta de projetos sociais saneadores, de forma efetiva e não transitória, de suas necessidades básicas infra-estruturais.

E o povo? Ora o povo... em grande parte consumido em sua ganância ignorante e inconsequente  não se apercebe de como se tornou mais dependente, mais agradecido, mais fiel servidor público para manter o "status quo" governamental deficitário de valores éticos.

Retorno a meu caminho onde observo pedras espalhadas por ele, difíceis de serem desviadas sem machucados diretos ou por empatia com o sofrimento de outros seres humanos, distantes ou próximos. Já consigo observar as profundas marcas em meu corpo ou em meu espírito, ou em ambos.

Não gosto do cenário mundial que observo no esperançoso milênio, em pleno século 21.Cada um no seu casulo de isolamento e interesses pessoais; todos tão perdidos dentro de si mesmo quanto agarrados aos que chamam de "seus pares". Pares que, astutamente, conseguem manipular ideologias separatistas, por violento ódio ou perverso prazer, sem perceber que o outro ser humano não está separado de si.

Visões reducionistas e distorcidas, consciências obtusas e implacáveis, reações irresponsáveis e inconsequentes, tripé que não possibilita a apreensão racional, e a compreensão sensível, de que todos fazemos parte do mesmo conjunto, que chamamos de  "humanidade".

Parece que foi ontem que eu apontava as perdas desestruturantes da identidade humana, repercussões que as gerações pós guerra e terrorismo carregariam por anos e anos, como pedras no meio do caminho por mais amortecido que este esteja no presente, se o caminho não tiver pedras visíveis, suas memórias vão se encarregar de mostrá-las.


E não é que vivenciamos, e vislumbramos, caminhos alternativos cheios de pedras?  Não é visão pessimista, não! É fato, evidência que não permite ilusão e deturpação do cenário; é confirmação do alerta, que faço há anos e continuo sinalizando, do "perigo sobre a raça humana"; é a triste constatação de um quadro social mundial que se arrasta por anos, onde se destacam :

* o império da irracionalidade na busca de poder e exaltação de interesses personalizados,

* a evidência da quebra da ética e dos compromissos assumidos sob esse prisma,

* a constatação da não aceitação de acordos visando o bem comum e ações humanitárias.


Lá em distantes continentes, como cá no continente americano, continuo acreditando que nosso foco deveria recair no que temos no "aqui e agora existencial" dessas populações sofridas pelas sequências de crises em vários setores de seu existir.

Sob uma leitura racional e emocional - quase atemporal pela reincidência dos mesmos padrões de convivência - análises e interpretações, a meu ver, deverão recair nas perdas desestruturantes da identidade do ser humano, e que interferirão diretamente em suas reconstruções logísticas e convivências futuras.

A pureza dos traços e clareza dos desenhos das sociedades futuras já estão contaminadas pela nebulosidade das imagens e tremor nos contornos marcados pela ira, pelo ódio, pelo rancor do desespero ante a impotência e a solidão pelas ausências afetivas impostas.  A quem culpar diretamente? A quem recorrer judicialmente? A quem pedir um ombro amigo? A quem pedir um colo para ajudar a conviver com a dor e tamanha agonia? A quem pedir um lenço para enxugar tanta lágrima? A quem pedir o cuidar de um amor voltado a cicatrizar, com mais rapidez, os ferimentos de um coração onde ainda pode se observa o gotejar sangue?


Nesse sentido, vale lembrar que as perdas, na construção do ser humano, englobam os três tipos de lutos:
1- as perdas de entes adultos e idosos significativos, parentes ou não, testemunhos de nossas experiências, pontos de nossa auto-referência, reminiscências de nosso passado e sinalização de nossa passagem por esta vida;
2- as perdas de crianças e adolescentes, representantes de nossos projetos futuristas, sonhos e propósitos que dão sentido a nossa vida;
3-as perdas dos patrimônios materiais e culturais, de nossa tradição histórica, conquistas e aquisições : autorrealizações responsáveis pela valorização de nossa auto-estima.

Dúvidas e mais dúvidas aumentam a bola de neve das incertezas e medos do futuro próximo das sociedades vindouras. Envolvem os "como" e as buscas sobre "o que fazer":

Como se reestruturar como ser humano, com senso moral virtuoso e justo, ante toda a distorção da própria sensibilidade humana, necessária para suportar todo o flagelo desumano?

Como suplantar todo o ódio, raiva e ressentimento, que tendem a se transformar posteriormente em reações vingativas e intimistas, até como forma de amenizar toda a angústia que geram?

Como perdoar e superar todas essas vivências violentas, mescladas em ambos os lados por impotência e culpa, dos que sofreram e foram submetidos e dos que agrediram e humilharam.

Ambos os lados terão que se confrontar com a gélida barreira de autoproteção, porta de aço da sólida indiferença, instalada internamente para aprisionar o lado mais íntimo e afetuoso de cada um, postura necessária à sobrevivência física ante o dilema "eu ou ele".

E quanto a sobrevivência psíquica?

Ambos os lados são constituídos por pais, filhos e maridos, que viram projetadas suas próprias vidas, derrocadas suas esperanças, ao serem espelhadas as mutilações e mortes de familiares e a sua própria morte e mutilação psíquica, ante cada tiro dado ou agressão efetuada e sentida.

Zumbis e robôs, aceitando e dando ordens aviltantes, sem autonomia humana defensiva, sem direito a senso crítico questionador, que já pagaram e pagarão alto preço a partir de agora ante a intransigência que se observa.

Quem irá lhes propiciar posterior equilíbrio emocional, harmonia consigo mesmo; motivação para respeitar as leis e normas discriminadoras políticas, econômicas e sociais; disposição para a construção de convivências pacíficas humanitárias num mundo tão ameaçador e persecutório, sem a segurança de lideranças confiáveis visando o bem-estar da raça humana?

Qual será a visão de mundo e de homem, que está sendo construída, e qual prevalecerá no transcorrer desse século 21?

Isso é responsabilidade de cada um de nós, mesmo distantes.

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