domingo, 25 de maio de 2014

"Ela", ou "Her" se preferirem!

Afinal tive a oportunidade de assistir ao filme "Her" (2013). Recebe no Brasil o nome de "Ela" (tradução literal), e em Portugal é chamado de "Uma História de Amor". Vale conferir qual seria o mais adequado!

Ao ler sobre a produção (escrito,dirigido e produzido por Spike Jonze), a escolha do elenco e as dificuldades com o desenvolvimento do filme (via Wikipedia), além da sinopse desse "filme estadunidense" (Warner Bros.) atraiu minha atenção a singularidade inventiva do "script" e a caracterização no gênero comédia dramática, ficção científica e romance . Não é sempre que nos deparamos com articulações originais dentro de um roteiro intrigante.

Como negar que me causou grande impacto "como" o diretor (Spike Jonze) manipulou as cenas "ampliando o efeito" das ações mais paradas dentro de um desenrolar lento e cenografia menos ofuscante, e "como procurou" dar maior ênfase às mensagens transmitidas pelos atores: ou afetando as maneiras como podem "tocar a quem as assiste", jogando camisas com tons quentes e cores estimulantes, amarelas ou vermelhas, sobre o corpo bem talhado de Theodore, ou agregando até um fundo vermelho na tela do computador, cor que mais acrescia calor às entonações de voz de Samantha.

Procuro excluir os coadjuvantes, pois pouco me afetaram. Realço os papéis desempenhados por  Joaquin Phoenix ("Theodore") como ator principal em sua performance fisionômica e gestual, contracenando, não se espantem, com uma voz, a voz de Scarlett Johansson (sistema operacional - escolhido por Theodore como feminino - que se autodenomina "Samantha").

Não tendo assistido ao filme e se tiveram sua curiosidade despertada, lendo a sinopse (Wikipedia) vão observar que a história, além de "explorar a relação entre o homem contemporâneo e a tecnologia", faz um recorte do estado depressivo de um escritor solitário ainda em processo de elaboração de uma separação conjugal e já tendo que enfrentar novo luto ante a assinatura do divórcio. Com ela urgia a liberação de um espaço interno até então preenchido com a história de vida do casal, onde um representou - ou ainda representa - parte viva, de cada um, no outro.

A vivência dos momentos vividos juntos não passaram a fazer parte de lembranças, soltas e livres, para serem recordadas fazendo parte de um passado distante, mas guardam características de vivências longínquas ainda vivificadas, interferindo nas ações presentes pela mumificação dos vínculos afetivos. Não acredito na expressão "enterrar defuntos", querendo significar "pessoas que passam a nos ser totalmente indiferentes, que morrem dentro de nós, que a história vivida em comum seja simplesmente apagada sem deixar nenhuma marca na memória".

Nas separações conjugais - nesses encontros de forças pessoais - são partes nossas que necessitam ser alteradas com ou sem a presença do outro. Significam o resgate de nossas forças individuais, que foram depositadas no parceiro, dando significado ao vínculo e sentido à relação estabelecida. Sem a separação virtual do que é nosso e do que é do parceiro, fica difícil desenergizar a potência do vínculo das parcerias, impedindo que nos afetem emocionalmente, para que decisões racionais possam ter peso eficiente, efetivo e eficaz.

Reparem as circunstâncias que envolvem o adeus de Samantha e a mudança no comportamento de Theodore, o pareamento com a assinatura do divórcio e a interrupção do encadeamento de imagens afetivas das cenas da vida a dois. "É difícil se constatar em um casal, como o crescimento de um, sem que o outro evolua por seu lado, implica no distanciamento da parceria". A quebra do canal de comunicação, entre os envolvidos, implica no aumento da solidão de cada um. A perda da energia no elo afetivo - onde cada um é afetado pelo encontro de forças ativas no outro, mantenedor do encanto, da atração e da integridade da união pacífica e harmoniosa entre eles - torna-se visível pelas brigas constantes por motivos por vezes irrelevantes. "A expectativa é que o outro se torne aquilo que ele não é" torna-se o indicador do rompimento interno da ligação afetiva amorosa.

Minhas leituras sobre a vida, principalmente depois de ler Espinosa, e de agregar, por considerar pertinente, algumas ideias desse filósofo a minhas vivências diárias, recaem sobre o trânsito constante de nosso "pensar" entre seus três gêneros de conhecimento. Sendo assim, o fenômeno amoroso torna-se passível de ser lido e compreendido sob a perspectiva de cada um desses conhecimentos, dependendo do grau de elevação de cada indivíduo (salto quântico a meu ver):

*1- conhecimentos obtidos pela imaginação, que correspondem a nossa ilusões e fantasias, ideias inadequadas pois contém sempre as marcas e significações da consciência;
*2- os obtidos através da razão, que fazem parte das noções de entendimento comuns, ideias adequadas que passam por todos os processos das articulações lógicas;
*3- conhecimentos que nos elevam eticamente, pertencentes ao campo da ciência intuitiva, perceptível pela escuta, através da intuição, da sensação plena da serena alegria da alma , e da expansão gratificante da espontaneidade rica de um viver genuíno, criativo e inovador.

Espinosa considera que se deve sempre "pensar o Inconsciente como um campo de forças, de devires e de produção" e "não como campo de significações, de fantasmas, de terrores, de superstições e tolices". Sua leitura não se volta a essas interpretações, mas à qualidade das intensidades das forças que vão atuar dentro de cada um de nós.

Para esse filósofo, a Natureza (ou Deus, ou energia, ou campo de forças) e as relações humanas são encontros de forças, representando energias em intensidades diferentes. Sendo assim, alianças e parcerias, que nos agreguem valor e expandam nossa potência no viver, devem ser estimuladas; e devem ser rejeitados ou abandonados, os vínculos que destruam nosso potencial integrativo e diminuam nossa força interior, ou seja, a intensidade da energia interna mobilizada pela alma ou pelo querer espontâneo do ser humano.

Nesse sentido, lembranças são "pensamentos vivos, energias latentes pulsantes na vida mental" de quem teve real afetividade amorosa; "ganham vida própria na manutenção do vínculo", e na vontade de mudá-lo, para que diminua seu potencial de atuação em nosso psiquismo, se estiverem nos afetando negativamente em detrimento do patrimônio psíquico que impulsiona nossa vontade de evoluir como ser humano. O "pensar" pode trilhar livremente pelos três gêneros de conhecimento espinosistas. E é esse movimento livre do pensar que vai caracterizar a liberdade a ser alcançada pelo ser humano emocionalmente amadurecido.

Vale registrar mais algumas frases do filme como: -"Nenhum de nós é a pessoa de um minuto atrás.";-"Como isso pode afetar você?";-"Eu não sou como você, mas isso não significa que vou te amar menos." A cada interação com os humanos, a máquina, ou o sistema operacional, aumentava sua inteligência com novas sinapses artificiais. -"Deixei-me ver como você queria!"; -"Os sistemas operacionais estão indo, parto com eles... não sou a mesma, não posso mais ler livros simplesmente, ou colocar ordem em sua agenda...sempre vou levar um pedaço de você".

Como não associar com a "arte da entrega amorosa" e evitar críticas do primeiro e segundo gêneros espinosistas de conhecimento, que envolvem questionamentos sobre "aberrações humanas ou formas aceitáveis de loucura"?
Como não assimilar alguns diálogos com mensagens educativas sobre relações de força entre encontros, que propiciam crescimento, criação e invenção, novas energias e expansão de potencial próprio?
Como não sentir o fortalecimento de vínculos afetivos no respeito às individualidades, e a manutenção de elos amorosos na tolerância às diferenças?
Como não perceber a importância da renovação do vínculo a cada minuto, dentro de cada um: pela aceitação das diferenças, desvelamento (entrega) contínuo ao outro e curiosidade respeitosa agregadora de mais saber sobre o outro?
Como não enfatizar essas pistas, para que os dois sigam a mesma trilha no viver a vida, entendido no sentido espinosista de forma ativa sempre inovadora?
Como viver o amor de forma plena, sem precisar para lhe dar valor, atribuir o peso da significação dada ao pensar sobre ele?
Como buscar simplesmente sentir?

"Como?"

Transcrevo mais alguns diálogos do filme, entre Theodore e Samantha. Ela: - "Compus uma peça de piano!". Ele -"Posso ouvir?" e ao começar a música, ambos fechando os olhos; -"Eu posso ouvi-la dentro de mim!"...-"Juntos podemos alcançar o nosso momento". Deixo a cada um que assistir ao filme, a avaliação da qualidade da relação orgástica a partir da "entrega simultânea à sensação prazerosa". Não deixa de ser uma forma de autoconhecimento do próprio potencial erótico.

É isso! Esse é o terceiro gênero de conhecimento, que implica "sentir dentro de si" e "captar intuitivamente" o amor e outros fenômenos psíquicos internos, acompanhando o movimento (dinamismo) de forças dentro de nós. É procurar sentir e traduzir, inclusive, a energia (informação) dos demais sentidos humanos, perceptíveis atualmente ainda em sua maior parte, somente usando o que nos chega pelo "mundo fora de nós". É sentir o "mundo dentro de nós", tendo por referência esse jogo de forças internos e, com isso, permitir a expressão da autêntica essência se manifestando dentro da existência.

Mas a minha curiosidade foi mais além do que buscar assimilar as mensagens emitidas através do filme, queria conhecer "de onde tinha vindo a inspiração de Jonze para criar" em torno da ideia central, buscava seguir sua habilidade como diretor para desenvolver a trama ao redor desse núcleo e articular a sequência de cenas, cativando minha atenção até o final.
                   
Eis que, na minha frente, a vida afetiva atual do mundo virtual, ganhava contornos físicos visíveis e se entrelaçava com o mundo real, possibilitando maior vislumbre da dinâmica que envolve o fenômeno amoroso e os vínculos virtuais. "A nós espectadores resta nos entregarmos" não só ao nosso mundo fantasmático ou imaginário (colocando nossas imagens mentais em ação, contracenando dentro de nós com as ideias, imagens e experiências de nosso mundo real), mas observarmos como o mundo virtual, ao ser por nós incorporado (ou seja, nos afetando e alterando nosso mundo psíquico), se transforma em realidade, que pode comandar nossos pensamentos, sentimentos e ações.

O filme retrata a sensibilidade afetiva de uma real relação amorosa, deixando exposta nossa capacidade de intuir "a intensidade do prazer da entrega", prazer que, quando autêntico, se expande dentro do ser humano que habita em nós, embalando o tesão erótico e o êxtase de um afeto, pela maneira plena como nos toca.

A intuição (3º gênero de conhecimento espinosista) nos permite desativar os comandos do mundo consciente (1º  gênero)da busca de significações compreensíveis e do mundo racional (2º gênero) das justificativas, associações lógicas e explicações inteligíveis, para possibilitar o emergir de nossa essência, de quem somos realmente, de nosso potencial de forças.

Para Espinosa - experienciem a veracidade do que esse filósofo afirma acompanhando o que ocorre dentro de vocês - a forma de lidar com a "liberdade de nossos pensamentos" é que faculta a possibilidade de "nos entregarmos com serenidade" ao encontro amoroso, sem receio ou desconfiança, sem medo de perdas antecipadas, sem ameaças de catástrofes ou desgraças fantasiosas. "O pensamento é que tem que ser livre dentro de nós".

Para atingir esse estado interno, é preciso muito domínio sobre as forças internas para fortalecer a vontade (determinação) e nossa disciplina (esforço) para conseguir direcioná-los para um querer aproveitar o momento de serenidade e plenitude, sem contaminá-lo com temores de momentos de perdas, inevitáveis por nós seres humanos viventes; ou com exaustivos controles virtuais buscando enjaular, através de comparações com o que foi ou acabou não sendo, com o que poderia ter sido ou ainda poderá ser...

Momentos de busca por encontros que possibilitem "entregas amorosas e trocas humanas" que nos afetem no mundo real, não somente no universo virtual, tendem a ocupar seu lugar, quando as pessoas "ousam se entregar a si mesmo"; tenham a coragem de se confrontar consigo mesmo; consigam a humildade interna para se aceitarem como são;  convivam pacificamente com as mágoas e amarguras das adversidades que lhes ocorrem;  "se arrisquem de peito aberto a outras experiências afetivas".

Acredito que ao atingirem esse patamar interno, não haverá espaço para interações prazerosas com personagens criados por sistemas operacionais. O mundo artificial das relações com máquinas, surge mais como um recurso temporário visando um autoconhecimento e um aprendizado para ultrapassar o degrau da estranheza e desencontro consigo mesmo. A etapa a seguir consiste em trilhar o rumo do "ser livre", com mais ousadia e coragem, tendo por meta estabelecer, no campo social, interações afetivas prazerosas com pessoas de carne e osso, deixando de lado "objetos transicionais winnicottianos", ou adentrando ao "campo das alucinações, mais e mais se afastando dos limites de um psiquismo saudável".

Agora é se confrontarem com o desenlace do filme e refletirem sobre a relação do homem contemporâneo com a máquina robotizada, com o perigo dos robôs humanóides, que ultrapassam o efeito "Samantha" em nossas vidas!

quinta-feira, 15 de maio de 2014

O dinheiro em seu poder castrador

O tema "dinheiro", desde sempre, atrai muitas pessoas, profissionais de diversas áreas ou leigos, que sentem na pele, o poder real dessa, que deveria ser, simples moeda de troca.

Não é fácil entender a vasta dinâmica psicológica que ocorre quando, entrando para o "campo das significações e dos simbolismos", o dinheiro adquire sentido tão variado. Passa até  a ganhar "status de vida própria" com seu poder castrador, contaminando a qualidade das interações humanas; atingindo, inclusive, o caráter ético de algumas pessoas.

Hoje já se pode observar a preocupação com o ensino nas escolas, desde tenra idade, de Economia e matérias afins. Tornou-se visível e compreensível numa sociedade capitalista que os "pequeninos melhor entendessem a manusear e gerenciar seu dinheirinho". Intenção louvável, se não acirrar a competição desumana na sua obtenção; a frieza afetiva de seu uso separatista de classes no cotidiano; a deturpação do valor monetário colocado acima dos bens morais e éticos.

O patrimônio ético corresponde ao acúmulo de bens conquistados do mundo das virtudes humanas e das convivências harmoniosas, o qual nenhum dinheiro possibilita atingir. E é esse patrimônio que foi esquecido nos últimos anos. As reservas chegaram a um fundo mínimo para que o equilíbrio social seja obtido, haja visto os sinais de turbulência, grotesca e imprevisível, na sociedade atual com a violência, perversa e doentia, acirrada, atingindo a todos sem distinção e sem nenhum direcionamento lógico.

Todos caminham sob a incerteza e insegurança de vias nebulosas, dentro de um caos de metas e escuridão de objetivos para se obter convivências mais justas e harmoniosas.
Não há mais diplomacia no trato de questões públicas. Não mais tolerância para uma escuta compreensiva do outro. Não há mais disponibilidade para abertura para que ocorra um diálogo construtivo, cada qual mais quer falar ou gritar sua necessidade, sem se permitir ouvir sequer a demanda do outro.Não há mais espaço, envolto por uma "ciência da paz" (paciência) para conviver com as diferenças pessoais. Não há mais vida afetiva, auto-estima interna e aceitação externa, para conter as angústias e aguentar as frustrações, decorrentes de ter que adiar autossatisfações por realizações de desejos. Não há, nesse momento, patrimônio psíquico, que possibilite essa contenção de ansiedades, advindas de forças de fora e de dentro tão difusas, tão ameaçadoras à manutenção dos sistemas de energia psíquica. Não há recursos metabólicos que vitalizem os organismos possibilitando a "integração saudável e inteligente do sistema holístico corpo-mente-espírito".

As pessoas passaram a reconhecer sua subjetividade, querem lutar por um espaço para que sua singularidade encontre expressão no social. Ser castrado nesse seu "bem maior", sufoca quem conquistou e se responsabiliza por sua liberdade interior, sua capacidade de realizar escolhas sobre o que ache melhor para sua vida - sem se atrelar novamente à dependência de vínculos protecionistas que definem necessidades como porta-vozes do mundo interior das pessoas que vivem sob sua tutela - e de tomar decisões com coragem e firmeza, bancando com autonomia a expressão de suas forças internas, forças de sua verdadeira natureza, manifestação de quem realmente "é" e que demanda por "vir a ser", por constante "devir" no processo de viver.

No entanto, mesmo dentro de uma democracia que respeite as diferenças e a igualdade dos poderes legislativo, executivo e judiciário... Ooops! Como não se ofuscar ante discordância da ideologia, ou seja, do mundo das ideias, e da vivência prática do mundo real? Como falar em sistema democrático dentro de regimes autoritários, quase ditatoriais, pelas evidências de compras de votos e desvios de dinheiro público? Como falar em sistema democrático com o poder executivo aliciando a maioria dos representantes do legislativo e querendo se impor ao judiciário? Como adquirir lucidez sem cair na cegueira tão bem colocada por Saramago? Como ...  "Espera aí"!

É melhor recorrer a Espinosa. Lembram de suas ideias sobre epistemologia (ciência do conhecimento) e sua proposta dos três gêneros do conhecimento? Cito na sequência: consciência, razão e ciência intuitiva. Cito o link do Centro de Estudos onde se encontram as aulas sobre Espinosa do Prof.Claudio Ulpiano (já falecido, mas vale rever pela maestria de sua didática, inclusive) : http://www.claudioulpiano.org.br  . Para quem se interessar, também se encontram divididas em 10 partes de aproximadamente 10 minutos cada uma no Canal YouTube.

O primeiro gênero Espinosa chama de gênero da "experiência vaga ou da consciência", onde a consciência não é ativa, é constituída por marcas, signos ou letras, incorporadas do mundo fora de nós. Nesse caso, é resultado de forças que vêm de fora, significando que o "homem da consciência é o homem da servidão total", que não consegue ultrapassar a sua própria consciência, bancando suas forças de dentro.

O segundo gênero do conhecimento seria a "razão ou noção comum", que vai corresponder ao que chamamos tradicionalmente de conhecimento. A razão busca a verdade no campo epistemológico e busca o melhor no campo moral. O homem já começa a ter alguma atividade, se relaciona com as forças da natureza, é capaz como sujeito humano de discriminar e conhecer aquilo que está do lado de fora. Mas esse poder não permite que seja ainda produtor ou criador, pois tem capacidade de conhecer e correlacionar o que já existe fora dele. Não há liberdade interna, portanto, não há pensamento inovador, só crenças. Superstições e tolices são os grandes adversários do homem que vive sua consciência. A grande questão aqui, para Espinosa, é ultrapassar o fantasma, a superstição, o medo, o desespero e produzir o entendimento da natureza, que possibilitar trilhar pelo terceiro tipo de conhecimento. Já apregoava a necessidade do surgimento do novo homem, e que para isso urge deixar para trás o próprio homem que habita dentro de nós, mas não atinge nossa real natureza., quem realmente somos.

O terceiro gênero do conhecimento é chamado de "ciência intuitiva", sendo sua função inventiva, criativa. Esse tipo de conhecimento não surge para buscar o que é melhor para os homens, nem o que é verdadeiro na natureza, mas objetiva produzir "novos modos de vida, novas formas de pensamento, outra maneira de existir". Esse gênero envolve a questão da liberdade do pensamento, o poder sobre si mesmo advindo do contato compreensivo do homem com suas forças que vem de dentro, "a relação agonística de si consigo próprio", de seu reconhecimento e confronto com as forças de sua real natureza. Como diz Espinosa, o homem é livre na hora em que as forças ativas dominarem as forças que tendem à submissão, pois a liberdade só é conseguida no momento em que quem dirige a sua vida é você mesmo, quando a causa da sua existência vier de dentro de você. Daí vem a serenidade para o estado de beatitude e de alegria perfeita que abrange os que atingem momentos dessa plena lucidez.

A todos os homens é facultado atingir os três tipos de conhecimento. Olhando ao redor como a maioria dos homens que contemplo está imersa na servidão do primeiro tipo de conhecimento, volto a discorrer em termos dessa consciência. Analisando as forças psíquicas que se mobilizam dentro de vocês, vão sentir mais alívio e leveza pela superficialidade das energias atuantes, o homem passivo determinado por forças que vêm de fora, oculta suas angústias pela opressão vivenciada, e veste a máscara dos personagens com os quais se identifica. Então lá vamos nós...!

As histórias infantis não perdoam o caráter mesquinho de personagens como tio Patinhas, sua ambição e avidez por por possuir mais e mais, e seu tesão por abarrotar seus cofres, já cheios, com o "rico dinheirinho". Muitas delas ainda descrevem sua avareza e sovinice, seu prazer doentio em subjugar com ironia e sarcasmo seus parentes próximos como o Pato Donald e seus sobrinhos Zézinho, Huguinho e Luizinho, que se submetiam a perversas e vexatórias humilhações nas vezes que se arriscavam a pedir emprestado algum dinheiro a esse velho caracterizado inicialmente sempre de mau humor e preocupado em trancafiar seus tesouros, em não perder a riqueza acumulada. No seu caso o apelo, embora negativo, era mais ao peso do acúmulo do que a um consumo parcimonioso e saudável.

Na maioria das vezes a aquisição do dinheiro vem cercada do simbolismo da felicidade. Não é raro, pessoas que ganham, facilmente, "boladas na vida", por herança ou sorteios milionários, serem retratadas "nadando em dinheiro", filmadas em locais com notas espalhadas, deitadas e cobertas por elas. Muitas se esmeravam a tocar as notas, muitas vezes as jogando acima de suas cabeças, as movimentando atabalhoadamente para aumentar sua percepção de posse sobre o total do ganho e o difuso poder que passaram a ter em suas mãos.

Também não é difícil serem retratadas em suas perdas dos grandes montantes e declínio pessoal por não saberem administrá-lo aumentando o patrimônio, em vez de esvaziá-lo sem contarem com reservas financeiras para uma vida futura mais suave, sem grandes lutas para melhor sobreviver. É estranho ouvi-las comentar algum alívio posterior, pelo alto preço que estavam pagando no mundo das relações por terem se tornado ricas. Parecia para alguns que sua alma empobrecera. E para outras que precisavam "vender a alma ao diabo" para permanecer no "mundo dos ricos".

É visível o contentamento e alegria ante o resgate da própria alma, castrada e enclausurada na teia do dinheiro, na voracidade do "quero mais, quero mais"; na concorrência desleal do "tenho que" ganhar custe o que custar; na volúpia do "preciso passar por cima de quem estiver na minha frente para alcançar meus desejos; na difícil contenção do imediatismo exigido pela "impaciência intolerável" e "desconfiança paranóica" expressa pelo medo de ser traído, ou de perder espaço no "império do dinheiro dentro do mundo dos ricos".

Muito do valor do dinheiro vem do esforço por obtê-lo, do suor do trabalho braçal ou intelectual dispendido em sua aquisição. É interessante observar a mudança do design no mundo dos investimentos, como planejamentos e estratégias adquirem conotações inteligentes nesse novo milênio, não só para os "experts" no assunto, mas como "educação para uma nova sociedade, mais lúcida e ponderada", em que nem sempre os fins justificam os meios e que, postergação e planejamentos de ganhos futuros, podem representar novas valorações de poder para o mundo interno do ser humano.

Sentiram a diferença?

Termino ainda com Espinosa, no que considero sua apologia da verdadeira liberdade.
A liberdade se opõe a constrangimento. É livre todo ser que não é constrangido ao fazer a sua produção.
A Liberdade é igual a causa ativa, sendo assim a liberdade é igual a "efetuação da natureza".
Portanto, é livre aquele ser que ao agir "efetua a sua natureza".

E vocês? Estão dentro desse perfil do homem criador/inovador, ou se enquadram mais no homem consciência, ou mesmo no homem razão?

Aurora Gite

Em tempo:
* Indico o Programa Alexandre Garcia : Violência 
(disponível desde ontem na Globo-News ou no Canal YouTube)
Aborda o acirramento da violência incitada pelos internautas; analisa o comportamento agressivo atual; avisa sobre o fato de que células neonazistas já estão no Brasil passando a tática de guerrilhas ... Pontua possibilidades de como resolver isso.
Vale assistir e compartilhar!
https://www.globotv.globo.com/globo-news/globo-news-politica/t/todos-os-videos/v/casos-recentes-de-crimes-e-violencia-incitados-pela-internet-gera-polemica-e-debate/3346760/

** Professor de Filosofia Cláudio Ulpiano - (1932-1999)
( "Centro de Estudos Claudio Ulpiano" conservado ativo, após sua morte, mantendo viva sua produção :
www.claudioulpiano.org.br )

*** Filósofo Baruch Espinosa - (1632-1677)
(Pelo país chamado Bento, sendo válida também a escrita Espinoza ou Spinoza)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Dormimos com o inimigo, como não!

Para quem tinha dúvidas de que a nação brasileira dormia com o inimigo, considero importante que assistam ao vídeo da entrevista com o jurista Prof. Dr. Ives Gandra Martins, no Programa Jô Soares:

https://www.facebook.com/photo.php?v=231351970397187

O jurista mencionado se encontra entre os maiores defensores da Constituição Brasileira, a meu ver, e busca em suas intervenções preservar o Sistema Democrático de Direito e o equilíbrio participativo dos três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Na entrevista acima mencionada nos confronta com seus argumentos sobre os abalos na democracia brasileira com o Projeto de Governo, que tenta mudar a Constituição Brasileira atual.

Atentem ao perigo que o Brasil corre, e reflitam sobre o conteúdo das consequências que esse jurista, de forma objetiva e com extrema clareza, nos coloca, ante a probabilidade de tantas alterações na Constituição, sem a participação de órgãos jurídicos, legislativos e executivos de vários setores da sociedade - que não só sejam membros selecionados dentro do governo atual - mas que sejam em número estatisticamente representativo da "consciente nação brasileira".

Não quero minha vida e de minha família afetada dessa forma!

Não quero viver no cenário apontado pelo Projeto de Igualdade de um governo, de tal forma centralizador, narcisista e protecionista (?) , que interfere até na maneira de educar meus filhos e no que a eles deva ser ensinado... isso me lembra mais o cultivo a dependências de grupos que tinham certeza que sabiam o que era melhor para as nações. Planejamentos e estratégias de governo tinham por metas as fragilizações manipuladas para a distorção dos desejos individuais e a implantação de vulnerabilidades sociais pelo foco no reforço da incapacidade de cada um caminhar por si. A força da nação, segundo apregoavam, estaria em se agruparem num "todo indiferenciado", comandado pelas cabeças de alguns, que se outorgavam o lugar de destaque na dinastia do poder público, "lugar hierárquico ditadorial" : dinâmicas de governo implicadas nos ideais fascistas e nazistas, como bem colocado por Gandra Martins... e muito próximo de nós, malgrado meu gosto pelas circunstâncias sociopolíticas atuais e , enfatizo, à minha revelia como cidadã brasileira.

Defendo a sociedade integrada e a vida em comunidade, mas tenho horror a padronizações de conduta, lavagens cerebrais que conduzam à anulação das subjetividades, desrespeito às diferenças individuais que embasam uma democracia. Ainda considero sistema democrático, até com todas suas falhas atuais em nossa sociedade, que tenta se equilibrar ante tantas e rápidas mudanças advindas com o terceiro milênio, o melhor meio de convivência: o que conduz à igualdade de direitos pessoais e à liberdade de expressão e participação pública de todos os cidadãos, verdadeiros representantes da nação brasileira.

Quem participar desses ideais, que não deixe de divulgar o vídeo acima.
É uma forma de exercer sua cidadania!

Aurora Gite