quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Quem vai me censurar? Eu vou!

Recebi esse texto por e-mail. Seu autor preferiu conservar o anonimato.

Sempre me preocupei por este tema, talvez por já ter conhecido meu pai com seus cabelos brancos, por conviver com a vergonha infantil quando amigos riam me dizendo "Olhe lá, seu avô está te chamando!";  por ter convivido, desde sempre, com o medo da perda de seu amor e o susto constante com a eterna ameaça de morte iminente, rompimento dos vínculos afetivos e quebra da estrutura familiar.

Não foi fácil ter a infância envolta pelas limitações da velhice. O cotidiano ficava todo contaminado por raiva e culpa, por ter sido obrigada a acompanhar suas transgressões alimentares e as repercussões imediatas de seu organismo as rejeitando.

Por outro lado, embora o lazer familiar fosse muito restrito, nas poucas vezes que nossas saídas de casa, não se limitavam a visitar parcos parentes, podia expandir meu enorme carinho por quem, bonachão que era, espalhava aconchego ao redor,  e isso ocorria nas poucas vezes em que íamos ao cinema.

Ops, um parêntese! Isso ocorria quando o vício do jogo não o dominava e, como sereia sedutora o fascinava e mobilizava reações irresponsáveis, o afastando de casa, inclusive, por longos e longos dias.

Mas lembro, como se fosse hoje, de meu contentamento, quando segurando sua mão, lá íamos nós para a primeira fila dos cinemas, sem nos atermos muito a suas limitações visuais além do daltonismo congênito e ao incômodo para mim e para meu pescoço de estar ali, toda torta buscando ver as cenas do filme, mas em sua companhia, já que minha mãe e meu irmão sentavam muitas fileiras atrás.

Bem já deu para perceber que as cicatrizes e a miopia não eram boas parceiras em uma mesa de jogos com profissionais, mas a tentação do vício sempre ganhava das perdas financeiras, que tanto e graves transtornos familiares ocasionavam. Isso sem falar das intermináveis auto-recriminações e cobranças depressivas por responsabilidades não assumidas , culpas e raivas futuras pela vontade ter fraquejado, novamente penalizando toda família ante tal postura.

Ter passado a infância sob esse clima me fez questionar desde pequena porque nos currículos escolares na disciplina de Ética e Cidadania não eram abertas questões a um "saber envelhecer", a uma "educação para a velhice". Por que não existiam dinâmicas de grupo envolvendo a temática "O que é a velhice para você?" que envolvessem reflexões e não só juvenis. Era uma forma mais saudável de inclusão social. De alguma forma, assumi o compromisso comigo mesmo de me tornar autodidata na aprendizagem de saber bem envelhecer, "curtindo" essa época quando chegasse.

Transcrevo o texto, que me suscitou tantas recordações, unindo história de vida é fácil entender porque me afetou tanto:

"Eu nunca trocaria meus amigos surpreendentes, minha vida maravilhosa, minha amada família por menos cabelo branco ou uma barriga mais lisa. Enquanto fui envelhecendo, tornei-me mais amável para mim, e menos crítico de mim mesmo. Eu me tornei meu próprio amigo...

Eu não me censuro por comer biscoito extra, ou por não fazer a minha cama, ou pela compra de algo bobo que eu não precisava, como uma escultura de cimento, mas que parecia tão "avant garde" no meu pátio. Eu tenho direito de ser desarrumado, de ser extravagante. Eu vi amigos queridos deixarem este mundo cedo demais, antes de compreenderem a grande liberdade que vem com o envelhecimento.

Quem vai me censurar se resolvo ficar lendo ou jogando no computador até as quatro horas da madrugada, dormindo até meio-dia? Ou se dançar ao som daqueles sucessos maravilhosos dos anos 60 e 70? Ou se eu, ao mesmo tempo, desejar chorar por um amor perdido...? Eu vou?

Eu vou andar na praia em um short excessivamente esticado sobre um corpo decadente, e mergulhar nas ondas com abandono, se eu quiser, apesar dos olhares penalizados dos outros nos seus "jet set". Eles, também, vão envelhecer.

Eu sei que eu sou, às vezes, esquecido.Mas há mais algumas coisas na vida, que devem ser esquecidas. Eu me recordo das coisas importantes. Claro, ao longo dos anos, meu coração foi quebrado. Como não pode quebrar seu coração, quando você perde um ente querido, ou quando uma criança sofre, ou mesmo quando algum amado animal de estimação é atropelado por um carro? Mas corações partidos são os que nos dão força, compreensão e compaixão. Um coração, que nunca sofreu, é imaculado e estéril, e nunca conhecerá a alegria de ser imperfeito.

Eu sou tão abençoado por ter vivido o suficiente para ter meus cabelos grisalhos, e ter os risos da juventude gravados para sempre em sulcos profundos em meu rosto. Muitos nunca riram, muitos morreram antes de seus cabelos virarem prata. Conforme você envelhece, é mais fácil ser positivo. Você se preocupa menos com o que os outros pensam. Eu não me questiono mais. Eu ganhei o direito de estar errado!

Assim, para responder sua pergunta, eu gosto de ser velho. A velhice me libertou. Eu gosto da pessoa que me tornei. Eu não vou viver para sempre, mas enquanto eu ainda estou aqui, eu não vou perder tempo lamentando o que poderia ter sido, ou me preocupar com o que será. E eu vou comer sobremesa todos os dias (se me apetecer). E que nossa amizade nunca se separe, porque vem direto do coração!"

Sem dúvida, vou me recordar desse texto no futuro, ao me perguntar ante minhas tomadas de decisões: "Quem vai me censurar?", tendo alegria no coração ao responder: "Eu vou!"

Aurora Gite


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Ter como rival a ideia da ideia? É ruim, hein!

Parece estranho? Mas o que cada vez mais se observa no cenário contemporâneo é o "culto da ideia da ideia" e as "traições das ideias pelas ideias". Confere você mesmo!

A maior parte das pessoas almeja ser diferente do que é. O pior é que o ponto de referência para o que gostaria de ser está num eixo do ideal, na ideia da ideia de perfeição cobrada pela exigência ilusória do social e delas mesmas.

Do social podemos ainda entender como o "pertencimento" à mesmice de um rebanho humano  mantido sob controle: bando de pessoas dóceis e submissas, escondidas  sob a capa da insegurança, da fraqueza, da inferiorização.

Mas como encontrar explicação para o medo que contamina os relacionamentos atuais, "medo de ser rejeitado pelo outro" ocasionando que se rejeite antes? Atuação da própria imaginação nas traições das ideias pelas ideias? Podemos entender esse medo se a pessoa se colocar internamente sob a ideia tutelar ilusória de estar preso a um auto-juiz, implacável superego, castrador e carrasco. Então, como é o primeiro a se rejeitar como é, como conseguir confiar na lealdade e fidelidade dos que o cercam para aceitá-lo, sendo o que é?

A sociedade atual está sem parâmetros estruturais a serem seguidos e os vínculos sociais, não são mais alicerçados por pilares estáveis, não predominam mais os valores que se constituiam em forças, para que a conquista da transparência nas relações propiciasse a visão futurista de interações reais, menos conflituosas pelo reconhecimento das pulsões ou instintos, que determinam as reações humanas e que necessitam, hoje mais do que nunca, de bom adestramento.

É assustador admitir, mas vivemos o "culto da ideia da ideia" na sociedade contemporânea, enclausurados, a meu ver, na famosa "Torre de Babel". Vixe, não gosto dessa constatação!
É angustiante admitir, mas "não somos livres nas tomadas de decisões": as circunstâncias existenciais definem e determinam a liberdade possível.
É deprimente comprovar que estamos convivendo e aceitando, passivamente, as traições de nosso maior rival "a ideia da ideia", que se instala e se enraiza no "mundo da nossa imaginação".

Há algum tempo classificaríamos como patológico se alguém nos dissesse que ouve vozes internas. Hoje o convite é para que travemos diálogos internos, contendo nossos impulsos através do bom senso da razão. Tudo em prol de uma vida boa.

O problema é que para vivermos uma "boa vida" (pensem na diferença com a inversão dos termos) temos que nos conhecer e conquistar a "boa gestão" das energias que nos constituem e nos influenciam.

Penso que a música "La Question", cantada por Françoise Hardy, em clip produzido por Arimar Camargo, expressa bem o preço a se pagar por se autoconhecer. Enfatizo esse clip em especial, pois quem o produziu foi muito feliz na riqueza da escolha das imagens, que bem representam o que a letra da música nos passa como mensagem. Como as circunstâncias determinam o recorte da interpretação que cada um fará ao ouvir essa música, procuro registrar como me afetou. Ops, procuro documentar os afetos que brotaram dentro de mim e para onde minha imaginação me levou!

Vão encontrar em http://www.you.tube/rO6tUMTcBj4via@youtube
Ou entrem direto pelo Canal Youtube e digitem no espaço para pesquisa:
La Question Françoise Hardy/Arimar+Camargo

Não sabemos quem podemos ser, mas para nos conhecermos mergulhamos em mundos que são como "túneis que nos assustam"
Procurarmos nos entender é como correr atrás do vento: "cada vez mais nos distanciamos" de nós mesmos. Corro atrás da ideia da ideia sobre mim?
Não sabemos porque ficamos mergulhados "em um mar que nos afoga" e "em um ar que nos sufoca": energias das mágoas e das culpas, que nos consomem internamente, que afogam e sufocam a alma.
Nós somos (responsáveis) pelo "sangue de nossas feridas" e "pelo fogo de nossas queimaduras" : autocombustão contínua e constante, nos consumindo pela dor e sofrimento que provocam.
Nós somos nossa "pergunta sem resposta, nosso grito mudo, nosso silêncio": esquecemos que para tornar real a ideia que temos de nós mesmos, temos que dar valor ao nosso existir.

A vida tá ruim? Quer uma receita que não é pronta, que vai se constituindo no processo de existir de cada um, e que vai depender não só de se ir misturando ingredientes, mas da singularidade de quem a faz, além das pitadinhas aromáticas acrescidas conforme o paladar e olfato de quem a executa em seu viver.
Anote aí:
"Puxe a ideia inovadora da ideia criativa.
Aplique essa mistura em seu viver.
Inverta sua postura perante a vida.
Acompanhe o crescimento da massa com atenção, uma ideia é o fermento de outra.
Saboreie - degustando vagarosamente seu sabor."
Ops, tava me esquecendo do nome da receita: "Criatividade no pensar!"
Agora é você memorizar, tirar do papel a ideia escrita e concretizá-la na realidade da vida.

Aurora Gite

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Por que não curtir desde agora?

Para quem é pai e para aqueles que ainda serão...

Topam curtir comigo esse texto e refletir sobre as considerações que teço sobre ele? Acredito que na rede das ideias ocorre o mesmo processo das redes sociais, daí tanto me cativarem e me mobilizarem a acompanhar suas articulações e transformações na construção dos conhecimentos estruturais da sociedade de seres humanos. Vão ter papel decisivo na formação de uma nova humanidade, pensem nisso, e em como vão abrir seus espaços, participando ativamente dentro dela?

Será que é preciso esperar datas marcadas pelo "mercado e marketing" para comemorá-las? Por que não podemos curtir desde agora? Por que precisamos esperar datas estipuladas pela cultura em vez de manifestar nosso carinho espontaneamente, cultivando os contatos com quem nos afeta pela via do amor, com a humildade interna para um diálogo pacífico e construtivo?

Sant'Anna foi muito feliz articulando suas ideias nesse texto, que divulgo para que vocês confiram por si mesmos. Vale muita reflexão sobre seu conteúdo, sem cobranças e exigências de posturas certas ou erradas, sem culpas e ressentimentos, raivas ou mágoas. Nem sempre as pessoas preenchem nossas expectativas e nos dão o que desejamos. Aliás, na maioria das vezes, nos relacionamos de acordo com o que temos condições de dar aos outros e a nós mesmos, naquele determinado momento de suas vidas em que esses encontros ocorrem.

A meu ver, encontros cativantes e gratificantes reúnem a postura honesta, simples e humilde, para reconhecer e bem lidar com as auto-limitações, para expressar com espontaneidade e alegria o que vai na própria alma, para adotar atitude aberta e receptiva necessárias a um diálogo responsável. Isso tudo implica em aceitar o outro em suas diferenças, e em respeitar o momento certo para aproximações, a hora certa para contatos aconchegantes, a palavra certa para expressar o que vai no coração - não só o que permeia nossa mente racional em seu julgamento crítico sobre adequações ou não.


Pais e Filhos - Affonso Romano de Sant'Anna

"Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos. É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados. Crescem sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridente alegria e, às vezes, com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os dias de igual maneira. Crescem de repente.

Um dia sentam-se perto de você no terraço, e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura. Onde é que andou crescendo aquela danadinha, que você não percebeu?

Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços... e o primeiro uniforme do Maternal?

A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça! Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes sobre patins e cabelos longos, soltos. Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com o uniforme de sua geração: incomodas mochilas da moda nos ombros. Ali estamos, com os cabelos esbranquiçados. Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros. Principalmente com os erros, que esperamos que não repitam.

Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos próprios filhos. Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas. Passou o tempo do balé, do inglês, da natação e do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, posteres, agendas coloridas e discos ensurdecedores. Não os levamos suficientemente ao Play Center, ao Shopping, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra, ou iam a casa de praia, entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscina e amiguinhos. Sim, havia brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim. Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.

Os pais foram ficando exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes". Chega o momento em que só resta ficar, de longe, torcendo e rezando muito (nessa hora, se a gente tinha desaprendido, reaprende a rezar), para que eles acertem nas escolhas em busca de felicidade. E que a conquistem do modo mais completo possível.

O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos, e que não pode morrer conosco. Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.

Aprendemos a ser filhos depois que somos pais. Só aprendemos a ser pais depois que somos avós..."


E aí o que acharam?
O texto, a meu ver, atinge gerações ascendentes e descendentes também. Mobiliza saudades e esperanças. Indica que sempre há tempo para corrigir metas, se as circunstâncias da vida assim o permitirem... e elas sempre permitem mudanças e nos confrontam com nossa liberdade de optar por uma "boa vida", sempre colocando obstáculos, é claro, para que sejam superados causando a separação natural entre "o joio e o trigo na raça humana".

Ele me foi entregue por uma filha esfuziante com o envio por parte de seu pai, não só a ela, mas a suas irmãs. Sua tristeza se concentrou em como encontros que, com a maturação dos envolvidos poderiam redundar em encaixes perfeitos e  boas construções familiares, resultam, muitas vezes, em desencontros vivenciais imprevisíveis e implosões impactantes destruidoras de estruturas familiares.

E eu... a pensar na vida e em seu campo de oportunidades de escolhas, pleno de possibilidades e cheio de probabilidades sempre à nossa frente; a pensar em no livre-arbítrio para tomadas de decisões responsáveis, que permitem mexer "até certo ponto" nas circunstâncias que a vida nos oferece; a refletir sobre a paciente resignação necessária para conviver do "melhor modo possível" com as mudanças nos rumos da vida idealizada por nós.

Novo embaralhar de cartas, ou remexer de dados; novos inícios aproveitando os aprendizados do que foi e não tem retornos, nem dentro de nós pois mudamos muito nesse caminhar dos anos. Ainda bem que podemos constatar, em nosso "agora", a dignidade das ações que propiciaram evoluções internas e não involuções existenciais no ciclo da vida! De filhos a pais, de netos a avós ... o importante é ir surfando sobre as ondas do viver, e curtindo as passagens do tempo com orgulho por nossas vidas bem vividas!

Aurora gite

domingo, 4 de agosto de 2013

Aprovaram ou vetaram a "Cultura do Encontro"?

Em meio a tanta violência que se alastra em uma velocidade espantosa em nossa sociedade nesse início de século; em meio a tanta intimidação ao "humano que há no homem", com o predomínio. hoje em dia, da cultura do "Cada um por si, cuido do que é meu e o outro que se vire se quiser cuidar do que é seu, porque se precisar passar por cima dele para sobreviver não vou ter opção, piso e massacro mesmo até com uma pontinha de prazer. Faz parte da cultura do século!"; em meio ao visível embrutecimento dos corações dos homens - (leram a obra de Erich Fromm, em particular "O Coração do Homem: Seu Gênio para o Bem e para o Mal"?) - que se tornam cada vez mais máquinas insensíveis para sobreviverem atuantes nos cruéis sistemas sociais, incluindo as aberturas de espaço e permanência  no mercado de trabalho, eis que surge, em meio a tantos desencontros com o humano dentro de cada um de nós, uma nova e tentadora proposta: "Formação de uma cultura do encontro"!

A tomada de decisão é agora, não se tem muito mais tempo para pensar a respeito sobre possibilidade de alternativas para escolhas acertadas, o mundo deste século é o do encontro com a cultura das incertezas e inseguranças, da ansiedade com a liquidez do descartável que passou a englobar os amores líquidos, como bem analisa Zigmunt Bauman em seus livros. Como mais uma dica para ajudar nossa opção de aprovar ou vetar: vale conferir o vasto patrimônio literário desse autor.

A nossa opção atual envolve o aprovar internamente, arriscar e investir o capital humano, aderir a esse movimento social. Ou vetar a proposta logo de cara, desconsiderar e engavetar inspiradoras ideias inovadoras, em  prol da manutenção de um "status quo" social e da "robotização humanizante", sobre a qual a tecnologia digital e a criatividade humana investem aceleradas. A formatação dos encontros atuais e desencontros futuros entre os homens-robôs já tem seu design nas planilhas e nas mentes dos homens, poderosos em seus conhecimentos, que se voltaram para as diversas áreas manipuladoras da "engenharia humana".


E aqui voltamos ao ano de 2013, ano que ficou marcado pela visita do Papa Francisco ao Brasil.

Não há como negar que representou um indivíduo singelo em sua simplicidade e humildade, com suas estratégias de ações para unir mentes e corações pelo sagrado no coletivo. A meta de sua proposta "criação da cultura do encontro", da aproximação entre as pessoas por amor e generosidade, visa a construção de uma nova humanidade, através de alterações significativas e consistentes nas formas de convívio entre os homens. "Desce" o frio pensar racional entre indivíduo isolados, e "sobe" o calor radiante e contagiante do sentir um amor racional pela humanidade como um todo.

Acredito que a gestão desse pontífice vai marcar época não só na história do social, mas também dentro de cada um de nós. Retifico: já marcou época, haja visto o número de pessoas que conseguiu agregar a seu redor. Não se pode deixar de reconhecer que obteve êxito em sincronizar seu "acolher com o coração, escutar o outro com atenção, sintonizar sua intenção de Bem Coletivo", e em divulgar a força da generosidade nas trocas pessoais como fator de união amorosa.

A meu ver, o verdadeiro ato generoso é acolher com afeto um coração triste ferido, focar energia no entender com compaixão (com respeito tolerante e não com pena depreciativa) seu sussurro (SOS clamando por ajuda), recolher suas lágrimas tendo o propósito da inclusão em cada aproximação ou intervenção.

A visita do Papa ao coração dos homens propiciou o confronto da superficialidade do frio aparente - até a natureza enquadrou esse encontro no clima de inverno -  com o calor da riqueza e beleza das almas, que dele se aproximaram para se confortar com seu aconchego e amor.

Impactante para quem pode presenciar, a aceitação do silêncio proposto por ele, em meio a seu discurso, para que suas palavras pudessem ser acolhidas no coração e meditadas no encontro consigo mesmo, envolvendo todos aqueles jovens que o cercaram e as demais pessoas que se juntaram a essa Jornada da Juventude, e acolheram sua pessoa com tanto carinho e admiração.

Missão cumprida do Papa em sua meta de sensibilização de fiéis, evangelização e agregação de novos discípulos, união ao redor da Instituição Igreja Católica. Lindo espetáculo global de tantas pessoas reverenciando o papa, em meio ao barulho do mar e aos braços abertos da estátua do Cristo Redentor.

Missão cumprida da tecnologia informatizada e da inovação via Internet com pronta e instantânea divulgação globalizada. A ela se deve a congregação de vários países ao redor do Papa e do Brasil, país onde a Jornada da Juventude transcorreu nesse ano de 2013. Como não se sentir incluída na "família mundo", como não acolher a energia de fraternos desconhecidos em nossos corações de indivíduos únicos e singulares?

Como não sentir apreensão com o que iria ocorrer no amanhã? Como impedir que uma frase pairasse dentro das pessoas:"Amanhã é  outro dia... qual lembrança e quais imagens ou palavras desse Papa tão carismático, irradiando uma energia de amor e aproximação entre as pessoas tão contagiante, persistiriam, além do cansaço no corpo e falta de contato visual?

Acredito que o Papa Francisco, com suas sutis pontuações, vai mobilizar muitas reflexões, questionamentos e intervenções mais adequadas no que diz respeito aos cuidados com a saúde e boa qualidade de vida, com a queda da idolatria do dinheiro permeando as relações e trocas humanas, tornando mais racional e justa a distribuição de riquezas, e particularmente na educação, ou acesso ao conhecimento, buscando transformações efetivas visando o resgate do humano nas sociedades atuais tão desumanizadas.

Muito me sensibilizou sua preocupação com os extremos discriminados e excluídos. Com os jovens, responsáveis pelo futuro, que embora ávidos por reconhecimento e abertura de espaço no mercado de trabalho, são silenciados em sua criatividade inovadora e isolados profissionalmente, sem acolhimento após obterem seus diplomas. Com os idosos, que deveriam merecer respeito e admiração por carregarem o patrimônio da sabedoria acumulada na arca das vivências pessoais e experiências sociais, e no entanto foram amordaçados, desconsiderados e até ridicularizados pela intolerância às limitações que a idade impõe, não só a cada um deles, mas a todo ser vivente. Muitos se esquecem que o tempo passa rápido pelos humanos e logo espelha essa passagem pelas marcas do envelhecimento físico.

Dogmas e mais dogmas, doutrinas e mais doutrinas, aprisionando a alma dos homens a suas normas e regras castradoras do ser humano que busca sua liberdade e felicidade, que procura ser exceção aos padrões agregadores de rebanhos humanos, de fácil domesticação e controle. E eis que surge esse papa que nos mobiliza a participar ativamente dos processos de mudanças humanizantes, despertando vontades adormecidas e as convidando a cultivar  e expressar suas verdadeiras espiritualidades.

A perspicácia de seu diagnóstico e análise da crise do humano, do enjaulamento do amor que implode fechado no coração do homem na modernidade, tende a encontrar expressão no mundo pós-moderno ante a proposta do Papa Francisco para a formação da "Cultura do Encontro".

Nesse sentido, a ênfase recai na qualidade da espontaneidade do fenômeno amoroso, responsável pela sensação de êxtase e grande contentamento interno, energia construtiva  visando a conquista de dignidades pessoais, transvalorações de forças espirituais, que irradiam no acolher com o coração um ser amado especial, e outros seres humanos podem assim ser considerados.

Foi surpreendente constatar os efeitos do carisma pessoal e atuação funcional direta do Papa, nesse sentido. Ao acolher o "social" em seu coração, tem como resposta a busca da dignidade amorosa por parte de cada um que teve contato com ele.

Contatos e vínculos persistem com sua presença internalizada, ausente e distante fisicamente, sem exigências ou cobranças dessas pessoas que se sentem enlaçadas pela fé que, a meu ver, é uma convicção da alma, que propicia a cumplicidade e a confiança para uma entrega doadora de amor entre espíritos vinculados na sensibilização do verdadeiro sentir, com seu poder transformador e  potencializador, para a manutenção de formas sociais pacificadoras e unificadoras, sinalizando "o porvir de uma nova  humanidade".

De repente, ela já pode ser vislumbrada adentrando garbosa a pós-modernidade, estando, pois, bem mais próxima de nós do que muita gente poderia se aventurar a pensar.

Agora é ir se autoeducando para participar dessa nova humanidade, passando pelo processo de individuação, passo adiante da individualização, portanto, além da conquista da individualidade e do individualismo. Consiste no alcance de outro nível de consciência, sem perder a subjetividade com sua singularidade; e de uma outra amplitude perceptiva, mais harmônica em nosso mundo psíquico, por estar vinculado a liberdade de uma autodeterminação.

Primeiro é aprender a administrar as energias psíquicas depois de se autoconhecer, depois é aprender a se autolegislar... e ir mais além.

É criar valores próprios, reconhecer o surgimento de uma moral interna e  bancar essas singulares forças psíquicas imanentes, essas virtudes espirituais hierarquizadas por cada sujeito pois é patrimônio da cultura do encontro afetivo consigo mesmo. Essas forças, energias psíquicas ou valores, são mobilizadoras da dinâmica da vontade, do autêntico querer advindo direto de nossa alma, que impulsionam cada um a participar ativamente da vida e, principalmente, a "curtir esse viver".

Há algum tempo venho me paramentando para adentrar a nova era como gostaria ... e vocês, já sabem o que querem para suas vidas?


Aurora Gite