sábado, 29 de agosto de 2009

Lembrar o que não pode ser esquecido

"Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes." (Abraham Lincoln)

Frase publicada in "comentandocomentado.blogspot.com" (29/agosto/2009).

Vale a pena ver, também nesse blog, a imagem onde é esboçada uma "mulher" com seu corpo dobrado. Pode-se observar não só a figura agachada, mas sua cabeça inclinada para baixo, uma das mãos sobre os "olhos" e a outra segurando uma tira que parece ser uma "venda" ( dic. : "faixa usada para cobrir os olhos"). No chão, ao léu ( dic. : "à toa" ), a representação de uma "balança", e de uma "espada" que, ainda está de pé, embora inclinada.

A meu ver, esse blog prima pela "transparente pertinência temática" na seleção de suas imagens. Confira essa assertiva!

Hoje, não posso deixar de citar Augusto Nunes e sua coluna em veja.com.

A Seção é "Direto ao Ponto" e assim é apresentada:
" Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido."

No dia 27 de agosto de 2009, o colunista acima postou:
" Foram escancarados, nesta 5ª feira, alguns traços perversos da alma do país: a verborragia, a arrogância, o farisaísmo, a demagogia carnavalesca, a Justiça injusta, a erudição pernóstica, o cinismo, a hipocrisia, a desconversa farsesca, a esperteza, a miopia malandra. Viu-se a alma e viu-se a cara, em sua sórdida inteireza, do Brasil que absolve os "Paloccis" e castiga os "Francenildos"."

http://veja.abril.uol.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto

Parabéns, Augusto Nunes!

Talvez tenha conseguido dar novas forças para que a "mulher", citada no início deste texto, se erga novamente.

Aurora Gite
(postado em 29/08/09, às 13:10)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Sobre o papel da Psicologia no novo milênio

União da Psicologia e Física Quântica: Novas leituras.

Algumas considerações de Danah Zohar, física e filósofa - casada com o psiquiatra, psicoterapeuta e escritor, Ian Marshall - retirados de seu livro “O Ser Quântico" (já citado em posts anteriores de 2008)


“Uma psicologia da pessoa, baseada na natureza quântica do ser, enfatiza todos os relacionamentos e assenta o indivíduo, em virtude de sua própria natureza, no mundo do ser. Para tal indivíduo, cujo compromisso com os outros, com a natureza ou com valores espirituais está na essência de sua existência, não poderá haver uma base para distúrbios narcisistas de solidão, vazio, alienação ou envolvimento consigo mesmo...Estar envolvida consigo mesma é, pela própria natureza do ser, estar envolvida com os outros".


"Numa psicologia quântica, não há pessoas isoladas. Existem indivíduos, que possuem identidade, significado e propósito, mas, como as partículas, cada um é uma breve manifestação de uma particularidade. Essa particularidade está em correlação não local com todas as outras particularidades e, em certo grau, entrelaçada a elas".


"Apenas responsabilidade dá significado e valor a nossa existência. Mas em que medida podemos fazer face a ela? Se uma psicologia do compromisso e da responsabilidade quiser ter algum valor em si mesma, deverá levantar a questão da liberdade humana, a questão do grau em que qualquer um de nós é livre para se comprometer como quiser ou assumir a responsabilidade que é nossa por natureza. Portanto, uma psicologia quântica dever adotar alguma posição quanto à realidade e eficácia da escolha".


"Estou convicta de que temos hoje na física quântica os fundamentos de uma física sobre a qual podemos basear nossa ciência e nossa psicologia, e que através de uma comunhão da física e da psicologia também poderemos viver num Universo conciliado, um Universo em que nós e a nossa cultura seremos plena e significativamente parte do esquema das coisas".


Zohar, Danah.O Ser Quântico: uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência baseada na nova física. 17ª edição. Rio de Janeiro: BestSeller, 2008.

Uma obra sobre a vitalidade da nova física e seu poder de combater a alienação e a fragmentação da vida moderna, substituindo-as por um modelo de realidade em que o próprio universo possui uma consciência – e a humanidade é somente uma de suas muitas expressões.”

Aurora Gite
(postado em 25/08/09, às 17:30h)

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Orwell e seu "1984" tão atuais assim?

Impunidade e violência... impotência e desamparo... busca interior de valores humanos... maior mobilização de forças internas... reforço ao ideal de cidadania.

Esse foi o processo interno desencadeado pela visão desses arames farpados, semelhantes aos colocados em campos de concentração, agora também fazendo parte de minha residência. Quando mudei os dez metros de largura do terreno eram delimitados por portões baixos de alumínio. Depois tive que trocá-los por grades e portões de ferro altos e com lanças nas pontas superiores. Recentemente acima das lanças fui obrigada a colocar "concertinas", que em nada contribuem a um "conserto" social, mas que isolam um cidadão pacífico e o inserem na fragilidade e violência moral das ilhas humanas. Ainda me recuso a vedar total e eletronicamente meu contato com o mundo.

Tenho que me fazer acompanhar em meu "cooper" mental por Kant que, segundo Hannah Arendt, uniu a questão "Que devo fazer?" a duas questões metafísicas: "Que posso saber?" e "Que posso esperar?" ; forma encontrada por ele para não se perturbar tanto quanto Marx e Nietzsche. E sem querer voltei a me relacionar com a realidade relembrando depois a solução proposta por Hegel . Para ele , a reconciliação dos homens com a realidade dos problemas humanos envolvia o engajamento com coisas que devem sua existência exclusivamente aos homens.

Ao mesmo tempo trouxe para esse grupo George Orwell. A transformação da realidade é o tema principal de seu livro "1984". Foi escrito em "1948", mas por pressão dos editores teve seu título invertido. Pela época pode-se observar que é uma crítica às alianças políticas da época, principalmente ao pacto de Hitler e Stalin. No entanto, se observarmos o quadro atual das relações entre países como os EUA e os do Oriente Médio, não fugimos da comparação entre semelhantes "apoios logísticos e bélicos e fabricação de nações amigas ou inimigas, conforme interesses governamentais".

A estória de Orwell é uma ficção. Retrata uma sociedade, sob um regime totalitário, controlada por um Partido que, em sua fiscalização, se utiliza de "teletelas", que possibilitavam total domínio sobre as ações humanas. Um forte controle midiático exaltava repetitivamente o sistema de governo, não permitindo o esquecimento da onipresença e magnanimidade do Grande Irmão (do Big Brother). Parece um recurso atual do governo? Não, não é mera coincidência ter-me recordado dessa estória!

O livro traz a história de Winston Smith, funcionário do Partido, que, fazendo parte do "Ministério da Verdade", exerce função não diferente de alguns jornalistas e historiadores atuais. Fazia parte de seu ofício, reescrever e alterar dados, ou seja, transformar a realidade conforme o interesse partidário. Sendo assim, ele adulterava a própria história da época, chegando a jogar os comprovantes fatuais originais, que pudessem contradizer as "verdades do partido", em um incinerador chamado de "Buraco da Memória". No entanto, Winston sempre se questiona sobre a opressão que o Partido exercia sobre os cidadãos. Inicialmente o faz adotando uma postura silenciosa, solitária, e até medrosa pela grande ameaça partidária. Chega um momento, no entanto, em que suas críticas "à fabricação da verdade pela mídia e a manipulação para a ascensão e queda de ídolos de acordo com alguns interesses", são descobertas. É preso, torturado, drogado, passando por programas de adaptação ( que consiste em aprender, entender e aceitar ) e posterior estágio de reintegração.

Eterno processo pavloviano de condicionamento psicológico, onde suas respostas à vida e luta por uma autonomia e integridade psíquica deveriam ser extintas, gradualmente. Para isso foram empregados perversos reforços punitivos, ou represálias atrozes e aterrorizantes, torturas psíquicas provocadoras de reações internas angustiantes e desagregadoras do mundo mental, como o encostar de uma gaiola com roedores famintos em seu rosto, mais precisamente em seus olhos.

A única saída para situações como essa, reside na auto-traição, no abandono das próprias convicções e valores, na desqualificação desrespeitosa das próprias sensações. O foco era a substituição da capacidade de senso crítico e do suporte autoreferencial - básicos para a formação de uma identidade pessoal -por outro comportamento mais padronizado, submisso e automatizado, voltado mais para um "viver estando morto como pessoa, vivo como mais um dentro da massa social". O resultado foi atingido. A autoridade sobre si mesmo foi extinta e a aceitação da dependência ao Partido sem questionamentos foi assimilada.

A busca desse objetivo e o mau uso da autoridade não fogem muito da realidade atual. Não é só a tortura física que ameaça a nossa sociedade, mas a extensão do assédio moral por um lado e da depressiva impotência ou indiferença humana por outro são assustadores. A transformação social é visível, tanto quanto a robotização pode ser observada na frieza e falta de sentimentos humanos. Notícias diárias de brigas com socos e pontapés entre os homens, envolvendo mulheres, adolescentes e crianças - ou bicadas e mordidas até a morte entre animais - são presenciadas com tesão e prazer. Até onde irá essa "crise de identidade humana"?

Os clones robotizados já existem. Próteses com capacidade de reprodução facial de expressões humanas também. Vamos mesmo permitir situações semelhantes aos filmes "Eu, robô." ou "Inteligência Artificial"? Uma certeza eu carrego dentro de mim. Não sou um Winston Smith e não quero ser. Para isso fortaleço minha auto-estima, aumento meu cacife pessoal com as fichas de valores que me são significativas, e procuro me bancar em minhas apostas vivenciais. Como?

Posso dar algumas dicas de atitudes vivenciais que muito me ajudam. Trago sempre presente na memória reações situacionais das quais me orgulho e que reforçam minha valorização pessoal. Procuro sempre manter essas lembranças funcionais. Vou dar um exemplo. Há alguns anos, estive conhecendo os cassinos de Las Vegas (EUA). Foi uma experiência singular, única. Consigo revê-la com detalhes. Logo na entrada se é tomado por um estado de extase. Sente-se o entusiasmo tomar conta de todo o corpo. Como é fácil o se envolver com esse mundo artificial com suas máquinas viciadas e crupiês comandados, com a convivência de poder fantasiosa e inebriante através da vitória conseguida em um jogo fabricado, com a aproximação e beleza aparente e fugaz, com o contato com relações humanas superficiais e fictícias! A partir daí não é difícil se deixar levar pela fumaça embriagante de conquista de status e poder, que baixam nossa guarda sobre a vaidade e libertinagem de nossos impulsos. Por outro lado, como também são prazerosos tanto a difícil retomada do autocontrole, como o consequente retorno do autogerenciamento de nosso mundo interno. O tesão pela sensação de liberdade e bem-estar consigo mesmo é de uma grandiosidade única e inesquecível.

Abrir mão de benefícios e privilégios, fatuais e hipotéticos, não é tão simples ao ser humano, ainda mais quando sabe que existirão outras pessoas prontas a recebê-los em seu lugar, dando continuidade ao processo histórico corrompido; quando tem noção que sua passagem histórica será anulada e cairá no esquecimento; quando sabe que, se lutar para que o registro social de sua história de vida não seja apagado, poderá correr o risco de ter sua participação e integridade distorcidas. É ou usar máscaras para se proteger, ou se bancar ante a manipulação histórica. Nesse caso, recordações de como conseguimos manter nossa integridade psíquica, ante situações desequilibrantes, como em momentos de crises, têm um papel importante.

Qual é o sistema de governo interno que pretende aceitar dentro de seu mundo interno?

Qual é o campeão interno que quer construir e se orgulhar de si mesmo?

Como ser humano, a que tipo de grupo social você quer pertencer?

É tudo uma questão de escolha, até a opção de se permitir ser um "vivo-morto", um zumbi da vida.

Aurora Gite
( postado em 24/08/09 - às 22.10 h )

domingo, 23 de agosto de 2009

Eis como um blog pode ser...

Eis como um blog pode ser. Compartilho com vocês essa descoberta que fiz.


Uma agradável surpresa me esperava ao digitar :

http://comentandocomentado.blogspot.com.br

Faz tempo queria encontrar um site com tal qualidade.

Espero que também gostem.


Sobre o blog, dentro da perspectiva da equipe que o criou:

" O Comentando é um blog de variedades...Aqui a democracia e a liberdade imperam...Nosso blog é um lugar onde você é a pessoa mais importante...Por isso, tomamos muito cuidado com o que postamos..."

O "cartão de visita" aí está. Agora é ir conhecer o blog. Depois me escrevam sobre o que acharam. Podemos ou não buscar transformar a realidade que aí está, e fazer de um blog um instrumento voltado para esse objetivo?

Aurora Gite

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Mais uma crise ou a única?

Qual seria a leitura de tantas crises repetitivas no mundo moderno?
Crises econômicas?
Crises sócio-políticas-históricas?
Crises de lideranças?
Crises que agora se espalham para áreas pré-políticas, como a criação dos filhos e a educação, e que nos permitem uma visão de seu afunilamento e o surgimento de novas indagações, muito mais profundas.

Vou me permitir agregar a essas associações, novamente, as idéias de Hannah Arendt, companheira constante das últimas semanas, dedicadas à leitura , e estudo mesmo, de seus livros. A força mental advinda das perspectivas de Arendt sempre me permitem visões mais abrangentes e esperançosas.

Segundo ela, uma "crise de autoridade" acompanhou o desenvolvimento do mundo moderno desde o começo do século - uma crise constante, crescente, cada vez mais profunda, e que se alastra com enorme velocidade, sendo oculta pelas demais que se posicionaram em primeiro plano.

Suas reflexões sobre a "autoridade" em si ("Entre o Passado e o Futuro") se voltam para duas questões fundamentais: " O que foi a autoridade, historicamente?" e " Quais suas fontes de força e significação?" Acredito que esse seja o caminho para melhor compreensão da violência atual , e possível enfrentamento desse mal social, visto a violência preencher a mesma função que a autoridade, qual seja : "fazer com que as pessoas obedeçam", conforme coloca Arendt.

Mas por que as pessoas necessitam desse tipo de relação?
O que lhes falta internamente, que não buscam a serenidade mas aquisições ambiciosas, materiais ou não ?
Por que não conseguem, por si mesmas, o preenchimento de seus vazios interiores?

Onde está sua autoridade consigo mesmo?
Como está sua forma de gerenciamento interno?
Por que se permitem a, conscientemente, viverem uma vida de má qualidade?

Por que desativam seu livre arbítrio e seu senso crítico? Por que não se permitem ser o senhor de suas vidas?

Como autoridade envolve colocação de limites, por que tanta dificuldade em enfrentarem o lado positivo do impulso agressivo. Ele é o que mobiliza o agir e a delimitação de fronteiras entre o "mim" e o "outro"? Por que não se propõem a direcionar melhor seu potencial agressivo, em vez de o negarem?

Nesse sentido, como pano de fundo das crises, acrescento a "crise de identidade como ser humano", visível na falta de sentido para a própria vida humana.

Achei muito interessante a abordagem de Arendt sobre esse tema. Lembrou-me muito da forma de abordagem socrática. Realça a dificuldade em definir autoridade ou conceitos abstratos pela falta de distinção entre muitos deles e enfatiza o que isso representa em termos de uma análise retrospectiva da História. "Distinções tendem a ser negligenciadas quando falamos demasiado indiscriminadamente da crise de nossa época": "a autoridade e seu problema afim, a liberdade, que desde o século XIX têm sido tratadas no âmbito de Política por escritores sejam conservadores, sejam liberais."

De acordo com sua perspectiva, nos aproxima da visão platônica de obediência voluntária advinda da meritocracia. O reconhecimento e aceitação da autoridade do outro por seu mérito e conquistas é o que possibilita estabelecer esse elo de relação pacifica, sem inveja ou submissão humilhante. Em suas reflexões sobre autoridade, realça alguns ítens:

  • A autoridade é uma relação onde um é que manda e o outro obedece, mas a liberdade de cada um é preservada. Sempre exige obediência, daí ser confundida com alguma forma de poder ou violência. Contudo, ela exclui a utilização de meios externos de coerção. Onde a força (e não é só física) é usada, a autoridade em si mesmo fracassou. Portanto, ela se contrapõe à coerção pela força.
  • A autoridade é incompatível com a persuasão. Persuasão pressupõe igualdade, e opera mediante um processo de argumentação. E onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. Portanto, ela se contrapõe à persuasão através de argumentos, onde se busca impor algo ao outro.
  • A autoridade pressupõe uma ordem hierárquica. O direito e a legitimidade dessa hierarquia é reconhecida por ambas as partes, pois é o que lhes permite seu lugar estável predeterminado. Esse ponto, para Arendt, é de importância histórica para a compreensão do quadro de insegurança e desamparo humano no mundo atual.

" A perda de autoridade é meramente a fase final decisiva de um processo, que durante séculos, solapou a religião e a tradição. Dentre elas, a autoridade se mostrou o elemento mais estável."

  • a perda da tradição no mundo moderno ( o que é inegável) não acarreta uma perda do passado. Tradição e passado não são a mesma coisa.
  • sem uma tradição ancorada, toda a dimensão do passado foi também posta em perigo: a ameaça do esquecimento, a perda de conteúdos humanos, a falta do que recordar e memorizar, e com isso a privação de uma dimensão da existência humana.
  • algo análogo ocorre com a perda de religião.
  • a perda de religião não implica necessariamente em uma crise de fé, pois, religião e fé, crença e fé, não são de modo algum a mesma coisa.
  • somente a crença possui uma inerente afinidade com a dúvida, e é constantemente exposta a ela.
  • a fé , atitude interna, também é ameaçada, mas se mantém.
  • os dogmas e suas diversas operacionalizações pelas "religiões institucionais" são questionados, e abalam crenças. Portanto não se pode negar que as ameaças advém de crise na religião institucional, e não na atitude religiosa ou na religião em si mesma.

Fazendo um parêntese nessas associações e articulações, fiquei espantada de assistir ontem a uma entrevista na qual a "religião" foi apontada, por um formador de opinião e de seguidores na sua fé, como o "grande mal" de nossa civilização. Uma briga de poder entre duas emissoras televisivas, e respectivos desdobramentos políticos e religiosos, procurando se embasar em argumentos tão falaciosos. Passam a constituir-se em boa fonte para observarmos como o passado pode ser reescrito, mediante interesses específicos de grandes grupos, que muitas vezes não envolvem o bem-estar coletivo.

Retorno a Arendt: " A atual crise mundial trouxe a perda da permanência e segurança no mundo - que, políticamente, é idêntica à perda de autoridade. Necessariamente, não deveria acarretar a perda da capacidade humana de construir, presevar e cuidar de um mundo, que nos pode sobreviver, e permanecer um lugar adequado à vida, para os que vêm após."

Encerro por aqui com essa assertiva que me soa positiva para o "resgate do humano" que nos é inato, porém com a desagradável sensação ante as indagações:

"Que autoridade podem ter essas autoridades assim instituídas?"

"Por que os Winston Smith ( Orwell, "1984") ainda se permitem serem moldados?"

"Por que ante tanto desenvolvimento tecnológico, se contrapõe tamanho retrocesso humano?"

Encerro expressando, o que acredito seja, um dos grandes perigos da humanidade, através do artigo: "Corpos de robôs, mentes humanas: O futuro das próteses" , de Jaime Prata - de Madri, Espanha . Site:notícias.uol.com.br/midiaglobal/elpaís/2009/08/16/ult581u3428.jhtm

Aurora Gite

(postado dia 17/08/09, às l6:20h)

sábado, 15 de agosto de 2009

E lá vem Hannah Arendt mais uma vez!

"Entre o Passado e o Futuro" , não é um livro fácil de ser lido, mas nos confronta com algumas verdades dentro de perspectivas pouco comuns.

Arendt chama nossa atenção para o erro da "engenharia das relações humanas" e sua forma ineficiente de lidar com a "administração das questões humanas". Combate a maneira de "tratar o homem como um ser inteiramente natural, cujo processo de vida pode ser manipulado da mesma maneira que todos os outros processos (artificiais).

Aponta o perigo do mundo atômico em seu agir na natureza, onde "não são mais as ações humanas, mas o mútuo relacionamento que pode mudar e muda historicamente"; onde "o geral confere sentido e significação ao particular". Para ela, " processos invisíveis engolfaram todas as coisas tangíveis e todas as entidades individuais visíveis, degradando-as a funções de um processo global... levando ao desencanto do mundo ou alienação do homem". Nesse sentido, "o processo (abstrato) é que torna por si só significativo o que carregue, adquirindo um monopólio de universalidade e significação".

Nessa moderna maneira de pensar, "nada é significativo em si e por si mesmo, nem mesmo a história e a natureza tomadas cada uma como um todo". E eis o homem atual entregue a um agonizante desamparo e profundo desespero.

Ao mesmo tempo, nos confronta com a oposição entre a prática e a teoria; entre a vida sensível e perecível, envolta pelo "erro e ilusão dos olhos corpóreos", e a verdade permanente, imutável e supra-sensível, cuja compreensão é guiada pelos "olhos do espírito, ouvidos do coração e luz interior da razão". Esses opostos "somente tem sentido e significação em sua oposição" e não por si sós.

A articulação de idéias de Arendt, em sua análise histórica e perspectiva filosófica e política, me fascina e me enche de esperança em um futuro melhor para a humanidade.

Assim segue a autora, em suas reflexões: "É como se Platão estivesse dizendo a Homero que não é a vida das almas incorpóreas, mas sim a vida dos corpos que tem lugar em um mundo inferior; comparada com o céu e o sol, a terra é como o Hades; imagens e sombras são os objetos dos sentidos corpóreos, não o ambiente das almas incorpóreas. O verdadeiro e real é não o mundo em que nos movimentamos e vivemos e do qual temos que partir na morte, mas as idéias vistas e apreendidas pelos olhos da mente. É como se o mundo interior do Hades houvesse ascendido à superfície da terra."

Continua traçando um "paralelo entre as imagens da caverna de Platão, em sua parábola, e o Hades de Homero - os sombrios, irreais e insensíveis movimentos das almas no Hades - que correspondem à ignorância e inconsciência dos corpos na caverna".

Recorda o Mito da Caverna de Platão, onde a cada reviravolta do homem ocorre a perda de sentido e orientação, onde " os olhos ajustados são ofuscados pela luz que ilumina as idéias, necessitando reajustar-se; e os olhos ajustados (posteriormente) à luz do sol, devem reajustar-se à obscuridade da caverna".

Relembra esse mito onde em uma primeira reviravolta os habitantes da caverna, presos por grilhões que os obrigavam a ver somente a tela à sua frente, com as sombras e imagens projetadas, quando deles se libertam e se voltam para o fundo da caverna se deparam com um fogo artificial que ilumina as coisas dentro da caverna tais como realmente são. A segunda está atrelada à saída de caverna para o céu límpido, onde as idéias aparecem como as verdadeiras e eternas essências das coisas na caverna, iluminadas pelo sol, a idéia das idéias, que possibilita ao homem ver e às idéias brilhar. A terceira decorre da necessidade de volver à caverna, de deixar o reino das essências eternas e novamente se mover no reinos das coisas perecíveis e homens mortais.

Assim para Hannah Arendt, os homens socializados decidiram jamais deixar a "caverna" dos assuntos humanos quotidianos, se permitindo a atitude de "espanto face ao que é como é".

Eis porque defendo o espaço para que os "unicórnios" se aproximem e possam se agrupar. Eis porque entrego a vocês como presente uma ampulheta (vide blogs anteriores), outra forma simbólica de representar a caverna, sua saída e posterior entrada buscando propiciar que possam se libertar da condição de escravos e, por livre arbítrio, possam vir a constituir - ao abandonar a sua alienação dentro de um mundo fictício, frágil e superficial por ser tão artificial - uma "sociedade realmente humanizada".

Aurora Gite
( postado às 14.00, sábado, 15 de agosto de 2009)

Eta, lado criança danado! Vale para 13 de setembro, ok?

Desde já, nesse 13 de agosto, comecei a elaborar meu "Parabéns entre amigos ou pseudo-amigos". Como seu aniversário é em 13 de setembro, a data de hoje marca sua entrada no que chamam de "inferno astral". Sempre imaginei o porquê disso. De qualquer forma, não deixa de ser um período de balanço de vida, sem as conotações festivas de um 31 de dezembro que se despede de um ano velho, e dá as boas vindas ao novo ano que desponta.

Válido para 13 de setembro próximo:

"Rememorando os comentários sobre a música e as trocas nas tertúlias fisioterápicas, usando os termos empregados por você há 1 ano, só posso lhe enviar os parabéns pela data de hoje, e pensar em abraços efusivos, como aqueles trocados entre amigos."

Aurora Gite
( postado em 13 de agosto, como vale para 13 de setembro próximo)

P.S. : Minha secretária eletrônica gravou, em sábados, o dedilhar, no piano, de uma escala musical. No início fui tomada de espanto, depois tal feito reviveu dentro de mim o "ping-pong" de idéias da época, trocado por "dois adolescentes que ousaram brincar". Sendo assim, rebato com a força e a grandiosidade de Haydn em sua Sinfonia nº 99, em Mi Bemol Maior.
Quantas sensações me afloraram mediante seus acordes! Minha alma cavalgou, através deles, livre e leve, seguindo a trilha que leva ao virtuoso vale dos unicórnios, na busca de dignidade similar. E me permiti esquecer que o caminho do unicórnio é solitário, e que esse "trilhar só" faz parte do destino da maioria, pois sua linguagem é compreensível a poucos, bem como seus propósitos de vida. Mas se faz presente no mundo uma minoria, presente da vida, não é?

domingo, 9 de agosto de 2009

Remontagem do quebracabeça de uma vida

Sempre aspirei, olhando para trás entender o caminho por mim trilhado no labirinto de minha vida, buscando compreender a sucessão de fatos que ocorreram a minha volta, alguns envolvendo decisões minhas, outros em que fui envolvida por circunstancias alheias a minha vontade; alguns bem aceitos, outros só acatados com muita resignação. As peças do quebra-cabeça de minha vida se encaixaram, ante o passar dos anos e a eterna busca de autoconhecimento, que também minha profissão demanda. Agora queria a moldura de uma resignação feliz, que conduz a sábia serenidade em uma terceira idade.

Novamente me utilizo de dois autores, que aprendi a admirar. Suas idéias se entrelaçam com as minhas, muitas vezes. Nós seres humanos, a nível de vivências e aprendizagem, também podemos nos agrupar em categorias, cujas semelhanças propiciam o encontro de uma linguagem e compreensão comuns. Transmissões orais por outros (tradição) são importantes, mas registros escritos pelos próprios autores, são de uma riqueza infinita. Eu me recordo que, quando li "Zaratustra" de Friedrich Nietzsche e "A Condição Humana" de Hannah Arendt, me senti tão perto deles numa empatia grande por seus sofrimentos ante incompreensões, e lutas, como seres humanos pensantes - livres e independentes - em busca de uma sociedade menos alienada. Agora estou no final de "O Anticristo" de Nietzsche e de "Entre o Passado e o Futuro" de Arendt e sinto, outra vez, minhas idéias e visão de mundo se ampliarem ante as novas perspectivas que apontaram. Tudo escrito há tanto tempo, desconsiderado nas devidas épocas, e envolvendo situações e sensações tão cotidianas, persistentes ainda nos dias de hoje.

Análises históricas perdidas no tempo, mas envolvendo a intrincada rede de interações humanas com suas unicidades e intencionalidades direcionando ações individuais e reações sociais. Ações grupais sob uma perspectiva globalizada e unificada; sem visões parciais e rígidas de "ou são anjos ou são demônios"; sem julgamentos preconceituosos e inflexíveis do tipo "culpado ou inocente"; sem projeções e transferências de aspectos internos inaceitáveis a outros e a situações, pela fragilidade na contenção das próprias angústias e primitividade no uso das próprias funções mentais. E quantos autores, donos da história de sua vida, não carregaram o fardo de estigmas implacáveis, que talvez a amplitude de visão, nova interpretação e compreensão, ante os conhecimentos advindos com o novo milênio, possam aliviar. Como apagar a dor da solidão e da indiferença, da exclusão e da injustiça? A lembrança perdura, suportada pelo reconhecer-se "sobre-humano" ou "super-homem", e ter amor-próprio e admiração pelo "diferente" que se é, em relação aos humanos comuns que nos cercam.

No prefácio de "O Anticristo" Nietzsche assim se posiciona: " Este livro pertence aos homens mais raros. Talvez nenhum deles sequer esteja vivo. É possível que se encontrem entre aqueles que compreendem o meu "Zaratustra": como eu poderia misturar-me àqueles ( *se reporta aos detentores do poder e mau uso da ideologia do cristianismo e dízimos obtidos) aos quais se presta ouvidos atualmente? - Somente os dias vindouros me pertencem. Alguns homens nascem póstumos.

Assim continua: "As condições sob as quais sou compreendido, sob as quais sou necessariamente compreendido - conheço-as muito bem. Para suportar minha seriedade, minha paixão, é necessário possuir uma integridade intelectual levada aos limites extremos. Estar acostumado a viver no cimo das montanhas - e ver a imundície política e o nacionalismo abaixo de si. Ter-se tornado indiferente, nunca perguntar se a verdade será útil ou prejudicial... Possuir uma inclinação - nascida da força - para questões que ninguém possui coragem de enfrentar; ousadia para o proibido; predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões. Ouvidos novos para música nova. Olhos novos para o mais distante. Uma consciência nova para verdades que até agora permaneceram mudas. E um desejo de economia em grande estilo - acumular sua força, seu entusiasmo...Auto-reverência, amor-próprio, absoluta liberdade para consigo." Encerra com: " Muito bem! Apenas esses são os meus leitores, meus verdadeiros leitores, meus leitores predestinados; que importância tem o resto? - O resto é somente a humanidade - É preciso tornar-se superior à humanidade em poder, em grandeza de alma, em desprezo..."

Logo nos capítulos iniciais esclarece as idéias contidas nessas últimas afirmações. " ... A idiossincrasia moral-religiosa (é) muito menos inocente, quando se percebe a tendência à destruição da vida." (* Para quem não se recorda o termo "idiossincrasia" quer dizer " maneira própria de ver, sentir, reagir, de cada indivíduo, segundo o dic. Aurélio).

Ante as frases de Nietzsche que transcrevo a seguir, gostaria que, ao lê-las, seguissem internamente as sensações que transmitem, pois aposto que será de alívio e liberdade, leveza pela soltura do fardo de idéias moralmente impostas como verdades. "A compaixão ... instinto depressor e contagioso, opõe-se a todos os instintos que se empenham na preservação e aperfeiçoamento da vida... sua ação depressora e periculosidade contrariam inteiramente a lei de evolução, que é a lei de seleção natural... A humanidade ousou denominar a compaixão uma virtude (- em todo sistema de moral superior ela aparece como uma fraqueza -) ; indo mais adiante, chamaram-na "a" virtude, a origem e o fundamento de todas as outras virtudes." Não está mais perto de uma negação da vida, conforme Nietzsche alerta?

Analisem dentro de vocês se Verdade e Justiça tem a ver com "Compaixão"; se Liberdade e Responsabilidade, Amor-próprio e grandeza de alma, têm a ver com dó, piedade e culpa pelo não compadecimento, ou estão atreladas a uma confiança no livre-arbítrio do outro em tomar decisões mais sábias para si. Será que esses questionamentos não levarão a uma expressão mais autêntica de nosso ser, e a uma colocação de limites (leia-se agressividade) de forma menos impulsiva e culposa?

Cruzo então esses dados, com os que me chegam sob a perspectiva histórica de Arendt. O tema central de seu livro "A Condição Humana" foca o que estamos fazendo com nossas vidas e a compreensão da natureza da sociedade atual. A edição de 2007 equivale à 6ª edição. O original data de 1975. Quanto tempo perdido culminando no caos político e na alienação do homem atual, envolvido em tanta crise decorrente da falta de ética, perversidade e leniência. Será que não podemos unir os sentimentos de Arendt com os de Nietzsche, expressos nos parágrafos iniciais do prefácio de seu "O Anticristo"?

Ao abordar a Era Moderna, ela a situa entre os séculos 17 e 20, e se reporta a alienação atual do Mundo Moderno, uma era nova e desconhecida, decorrente do advento da automação. Na relação do homem com máquinas pensantes, a palavra humana perdeu poder, segundo ela. Podemos também constatar a grande distância entre a intenção e o discurso. E o discurso, com sua faculdade de persuasão e convencimento, com sua retórica, é que faz do homem um ser político, que atua no social, como agente transformador da história. Assim segue :" O que os homens fazem, pensam, ou experimentam só têm sentido (significado) na medida em que pode ser discutido."

Arendt diferencia a "condição humana" da "natureza humana". A primeira engloba "a soma das capacidades humanas em sua forma de "existência humana", produzida pelo próprio homem"; a segunda se reporta à sua "essência humana", levando a um pensamento metafísico. "A condição humana implica em sermos os mesmos sem sermos jamais iguais ao outro."

A complexidade de "ser" e de "existir" continua a ser retratada por ela. Destaques são dados "a singularidade da existência humana versus a pluralidade da espécie humana " e "a complementaridade entre a condição humana e a objetividade do mundo", pois é "pelo impacto da realidade do mundo sobre a existência humana que o homem se torna para si mesmo" .

Imaginem-se dentro da metáfora de Arendt, onde esse encontro "seria como um pular do homem sobre a própria sombra". Podem ter essa cumplicidade com vocês mesmos? Analisem também a repercussão dentro de vocês e a veracidade dessa afirmação: " Homens são seres condicionados (tudo torna-se condição de sua existência, independente do que façam), portanto, a existência humana seria impossível sem essa relação". E eis nossa história sendo montada por nós mesmos. "É o engajamento ativo nas coisas deste mundo que caracterizam os homens de ação, que se utiliza de sua liberdade e seu poder de decisão para delinear sua história de vida, sua condição humana".

É muito interessante, na abordagem sobre a convivência que estrutura a condição humana, seu ponto de vista sobre os problemas da irreversibilidade ( impossibilidade de se desfazer o que se fez, embora não se soubesse, nem se pudesse saber, o que se fazia), e da imprevisibilidade (caótica incerteza sobre o futuro). Arendt coloca como soluções para os mesmos o perdão (com sua capacidade de arrependimento, para desfazer atos do passado) , e a promessa ( contrato mútuo com um vínculo de obrigatoriedade, criando ilhas de segurança no oceano de incerteza do futuro) .

Continua que , no entanto, " Na solidão e no isolamento, o perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são, no máximo, um papel que a pessoa encena para si mesma... O código moral inferido das faculdades de perdoar e de prometer, baseia-se em experiências nunca consigo mesmo e sempre na presença dos outros."

Mais uma perspectiva de Arendt para refletirmos: "O curso do pensamento, da recordação e da antecipação ( correspondem a um ) espaço intemporal, e a uma atividade do pensar ( fenômenos mentais onde forças colidem, uma vindo do passado e outra do futuro) - lacuna preenchida pela chamada tradição ( pois as imagens no âmbito do tempo histórico ou biográfico, ocorrem dentro de um movimento temporal e retilinear onde não existem lacunas no tempo). Resposta individual para a pergunta: "Qual é a sua condição humana atual?" Eis uma ajuda para você se situar no seu tempo e no seu espaço.

Encerro realçando a intuição de Franz Kafka, "de que é o futuro que remete a mente do homem de volta ao passado, até a mais remota antiguidade", citação de René Char incluída por Arendt em seu livro. Deixo com vocês a parábola de Kafka: " Ele tem dois adversários: o primeiro acossa-o por trás, da origem. O segundo bloqueia-lhe o caminho à frente. Ele luta com ambos. Na verdade, o primeiro ajuda-o na luta contra o segundo, pois que empurrá-lo para frente, e, do mesmo modo, o segundo o auxilia na luta contra o primeiro, uma vez que o empurra para trás. Mas isso é assim teoricamente. Pois não há ali apenas os dois adversários, mas também ele mesmo, que é quem sabe realmente de suas intenções?.. na escuridão do sonho, num momento imprevisto... "saltar fora da linha de combate e ser alçado, por conta de sua experiência de luta, à posição de juiz sobre os adversários que lutam entre si".

Agora é com vocês,
Aurora Gite
(postado às l4:59 com um Feliz Dia dos Pais para alguns leitores)