sábado, 15 de agosto de 2009

E lá vem Hannah Arendt mais uma vez!

"Entre o Passado e o Futuro" , não é um livro fácil de ser lido, mas nos confronta com algumas verdades dentro de perspectivas pouco comuns.

Arendt chama nossa atenção para o erro da "engenharia das relações humanas" e sua forma ineficiente de lidar com a "administração das questões humanas". Combate a maneira de "tratar o homem como um ser inteiramente natural, cujo processo de vida pode ser manipulado da mesma maneira que todos os outros processos (artificiais).

Aponta o perigo do mundo atômico em seu agir na natureza, onde "não são mais as ações humanas, mas o mútuo relacionamento que pode mudar e muda historicamente"; onde "o geral confere sentido e significação ao particular". Para ela, " processos invisíveis engolfaram todas as coisas tangíveis e todas as entidades individuais visíveis, degradando-as a funções de um processo global... levando ao desencanto do mundo ou alienação do homem". Nesse sentido, "o processo (abstrato) é que torna por si só significativo o que carregue, adquirindo um monopólio de universalidade e significação".

Nessa moderna maneira de pensar, "nada é significativo em si e por si mesmo, nem mesmo a história e a natureza tomadas cada uma como um todo". E eis o homem atual entregue a um agonizante desamparo e profundo desespero.

Ao mesmo tempo, nos confronta com a oposição entre a prática e a teoria; entre a vida sensível e perecível, envolta pelo "erro e ilusão dos olhos corpóreos", e a verdade permanente, imutável e supra-sensível, cuja compreensão é guiada pelos "olhos do espírito, ouvidos do coração e luz interior da razão". Esses opostos "somente tem sentido e significação em sua oposição" e não por si sós.

A articulação de idéias de Arendt, em sua análise histórica e perspectiva filosófica e política, me fascina e me enche de esperança em um futuro melhor para a humanidade.

Assim segue a autora, em suas reflexões: "É como se Platão estivesse dizendo a Homero que não é a vida das almas incorpóreas, mas sim a vida dos corpos que tem lugar em um mundo inferior; comparada com o céu e o sol, a terra é como o Hades; imagens e sombras são os objetos dos sentidos corpóreos, não o ambiente das almas incorpóreas. O verdadeiro e real é não o mundo em que nos movimentamos e vivemos e do qual temos que partir na morte, mas as idéias vistas e apreendidas pelos olhos da mente. É como se o mundo interior do Hades houvesse ascendido à superfície da terra."

Continua traçando um "paralelo entre as imagens da caverna de Platão, em sua parábola, e o Hades de Homero - os sombrios, irreais e insensíveis movimentos das almas no Hades - que correspondem à ignorância e inconsciência dos corpos na caverna".

Recorda o Mito da Caverna de Platão, onde a cada reviravolta do homem ocorre a perda de sentido e orientação, onde " os olhos ajustados são ofuscados pela luz que ilumina as idéias, necessitando reajustar-se; e os olhos ajustados (posteriormente) à luz do sol, devem reajustar-se à obscuridade da caverna".

Relembra esse mito onde em uma primeira reviravolta os habitantes da caverna, presos por grilhões que os obrigavam a ver somente a tela à sua frente, com as sombras e imagens projetadas, quando deles se libertam e se voltam para o fundo da caverna se deparam com um fogo artificial que ilumina as coisas dentro da caverna tais como realmente são. A segunda está atrelada à saída de caverna para o céu límpido, onde as idéias aparecem como as verdadeiras e eternas essências das coisas na caverna, iluminadas pelo sol, a idéia das idéias, que possibilita ao homem ver e às idéias brilhar. A terceira decorre da necessidade de volver à caverna, de deixar o reino das essências eternas e novamente se mover no reinos das coisas perecíveis e homens mortais.

Assim para Hannah Arendt, os homens socializados decidiram jamais deixar a "caverna" dos assuntos humanos quotidianos, se permitindo a atitude de "espanto face ao que é como é".

Eis porque defendo o espaço para que os "unicórnios" se aproximem e possam se agrupar. Eis porque entrego a vocês como presente uma ampulheta (vide blogs anteriores), outra forma simbólica de representar a caverna, sua saída e posterior entrada buscando propiciar que possam se libertar da condição de escravos e, por livre arbítrio, possam vir a constituir - ao abandonar a sua alienação dentro de um mundo fictício, frágil e superficial por ser tão artificial - uma "sociedade realmente humanizada".

Aurora Gite
( postado às 14.00, sábado, 15 de agosto de 2009)

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