domingo, 23 de agosto de 2015

Uau, que artigo!-

Como não parabenizar a Revista Veja dessa semana ( edição 2440 - ano 48 -nº 34 / 20 de agosto de 2015) pela qualidade de vários artigos impactantes traçando um painel realista  sobre a situação atual sócio-política brasileira, além da vertiginosa queda econômica que afeta o bolso de todos os brasileiros, particularmente agora, ante recessão e desemprego, dos trabalhadores, da população mais pobre.

Achei magistral o artigo de J.R.Guzzo: " Um Brasil que nunca existiu até agora". Há tempos acompanho o cenário sócio-político brasileiro, envolto pela frustração na economia ante tantos desvios de dinheiro e impune corrupção. Acreditava que toda impotência do povo, toda raiva a eclodir quando houvesse transparência dos descalabros desse governo e a crise afetasse diretamente seus rasos bolsos, toda decepção por ter confiado nos membros ditos defensores das condições trabalhistas visando a sobrevivência da população brasileira tendia a mobilizar, cada vez mais, movimentos de massa representativos.

Assustada pareava com a explosão do movimento que culminou na Revolução Francesa, bradando por Justiça ao defender seus direitos sob o slogan de Igualdade, Liberdade, Fraternidade. O pão que lhes era jogado para suprir sua fome, se constituía em menos valia e humilhação ante a ostentação de riqueza e poder visível naquele momento a seus olhos. Nesse momento, em nosso país Brasil, o povo tem clara percepção que foi enganado com mentiras sobre um país próximo da ilha da fantasia, país do "faz-de-conta" habitado por "reis-nus". Não existem mais reis-nus factoides de políticos poderosos, dotados de falso poder supremo, muito menos mitos fabricados de heróis políticos.

Custou a cair a ficha aos olhos da nação brasileira que, agora, clama por "mudanças já". Um grito de "basta!" ressoa, vibrando não mais raiva, mas ira e vingança. Mobilizações de rua bradam "Chega de promessa enganosa-corrupção afrontosa-impunidade caluniosa! O povo não é bobo; o povo acordou!". Os mais devotados à nação, agitam a bandeira do Brasil, por quem se sacrificam por amor à pátria, se sentem traídos e gritam: "O Brasil não merecia isso, não merece esse governo que a todos contaminou com sua incompetência na gestão da coisa pública e sua "postura antiética, de valores perversos", intoxicando a credibilidade da administração do coletivo com seus desvios financeiros!"

Guzzo, em seu artigo nos confronta com articulações como: "Nunca se roubou tanto da brava gente brasileira, embora se tenha roubado sempre - e provavelmente se continuará roubando enquanto o país, na prática, for propriedade do 'Estado' e obedecer à sua regra número 1, pela qual é obrigatório, para quem quer produzir alguma coisa, pedir licença a quem não produz nada." Quem não conhece essa norma de convivência, na sociedade e no regime político em que vivemos atualmente?

Continua ele, buscando nosso despertar consciente: "Onde a aplicação da lei é incerta, não há lei. Onde não há lei, não pode haver liberdades públicas ou individuais, nem igualdade entre as pessoas, nem proteção verdadeira aos direitos de ninguém: não pode haver democracia. O esforço do juiz Moro no processo do petróleo, junto com os procuradores federais e os agentes da PF, está colocando a sociedade brasileira sob o império da lei - the rule of law - como se diz no direito público dos Estados Unidos e da Inglaterra. Isso não tem preço."

E mais: "A força que realmente sustenta os procedimentos da Justiça Federal na Operação Lava-Jato é a obediência permanente à letra da lei por parte dos responsáveis pelo processo. Não adianta nada buscar a justiça se não há nessa busca o respeito às leis em vigor no país. Elas são as únicas que existem, e é com elas que o Poder Judiciário tem que trabalhar. Combater a impunidade não autoriza ninguém a passar por cima do direito de defesa, da obrigação de provar claramente cada acusação feita e de qualquer regra escrita nos códigos da Justiça penal. Agir dentro da lei - é o que o Judiciário Federal está fazendo, e é por isso, justamente, que sua conduta está sendo tão decisiva para o avanço do estado de direito no Brasil de hoje."

Alguém não consegue ver uma luz no fim do túnel para a sofrida e ingênua população brasileira, que tende a fiscalizar mais os governantes do executivo por ela eleitos? Eis que Guzzo enfatiza o papel de líderes que despontam, e entidades que ganham peso; refuta as acusações de que: " Moro, o Ministério Público e a Polícia Federal estão criando um 'regime de exceção' no Brasil, um 'estado policial' que nega o direito de defesa, persegue cidadãos sem culpa formada, age com crueldade e prepara um golpe para a 'volta da ditadura".

Relembra a quem, porventura, esqueceu: "A 'delação premiada', que levou os envolvidos a colaborar com a Justiça para aliviar suas penas, só existe porque foi criada por lei. Não é uma lei da 'ditadura' ou do ex-presidente Fernando Henrique - é a Lei 12850, sancionada em 2013 por ninguém menos que a própria presidente Dilma Roussef, que ainda na campanha eleitoral do ano passado a apresentava como uma das suas grandes realizações e hoje se diz indignada com ela."

Convido a que leiam na íntegra o artigo de Guzzo. Termino pinçando mais uma frase dele: "Lei não é Justiça. Só poderá haver esperança de uma sociedade justa se estiver em funcionamento genuíno uma sistema judiciário independente, previsível e capaz de aplicar a lei sempre da mesma maneira - e em que os donos do poder não possam demitir os juízes que os incomodam. É o que está acontecendo no petrolão ..." e por aí vai em suas análises.

Como não acreditar em mudanças de valores sociais, se estamos vendo os sinais de uma nova configuração da sociedade brasileira mais de acordo com a humanização e convivências respeitosas e pacíficas alardeadas com a entrada do milênio?

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Para onde foi minha paciente durante essa sessão?




















Pacientes passam por nosso consultório e deixam marcas inesquecíveis, como foi o caso dessa paciente em seus 23 anos na época,  sofrendo com quadros constantes de dor aguda (ATM). Percebendo sua capacidade criativa (figuras 1 e 2) e sua disponibilidade para expressar através de desenhos seu estado mental sempre deixava por perto materiais como papel, lápis preto e borracha, lápis coloridos em vários tons. Rica fonte para compreensão de sua dinâmica, não vou me prender à análise dos detalhes das representações pictóricas, pois essa postagem tem por objetivo outro foco. Também não vou me reportar à articulação de seu estado emocional com a sintomatologia que apresentava no momento  (bruxismo ou ranger dos dentes principalmente ao dormir; pressão excessiva no maxilar e fortes dores decorrentes das alterações temporo-maxilar)
Em sua história familiar se destacava a união quase simbiótica com a mãe que, desde que o pai as havia abandonado, a obrigara a assumir o lugar do mesmo, até a chamando para dormir em sua cama toda noite, embora a paciente tivesse seu quarto e, muitas vezes, por seus relatos, preferisse dormir nele. 

A paciente, como demonstram os desenhos em suas características histeriformes, era pessoa extremamente sedutora; não só por postura atraente, mas por gestos cativantes e seus olhares envolventes. Vários profissionais da saúde da equipe, inclusive, chegaram a convidá-la para lanches, quebrando o protocolo da instituição hospitalar. Ela buscava sempre ser o centro das atenções. Por meio dela ficava sabendo da postura antiética de profissionais da área médica, voltados a seus estudos sobre psicossomática, que durante o atendimento dessa paciente, mantinham à mão seu celular e o atendiam diversas vezes durante a sessão, na frente dela, que considerava tal atitude desrespeitosa a sua pessoa até como cliente. Esse fato desencadeava muita raiva na paciente, que, posteriormente, desabafava seu desapontamento e irritação na minha presença, encontrando nas sessões clima aconchegante para acolher, com meu silêncio ou intervenções pertinentes, suas angústias mais primitivas. Aspectos infantis explodiam em seus desenhos (Piaget que o diga sobre seu "animismo", infantilismo-ops, "artificialismo"-, "finalismo"), como era visível sua dificuldade de lidar com a agressividade (a descida na figura 3 era contornada por rabiscos e traços repetitivos fortes e desencontrados). 


O que não esperava foi na sessão anterior à cirurgia materna, ter presenciado uma descompensação de tal porte nessa paciente histeriforme e vê-la descer a níveis psicóticos, expressos de forma tão marcante nos desenhos. Esses perderam seu colorido, sua forma integrada, a lógica de seu raciocínio. Foram se fragmentando e perdendo seu significado. Os desenhos continuavam a expressar o que se passava em seu mundo mental psicotizante para, de repente, de maneira imprevisível e impactante, se reorganizarem. 

Surpresa e fascinada, como terapeuta, acompanhava a transformação da paciente "histérica", sua descida a núcleos psicóticos despertados pela angústia da possível perda da mãe ante a proximidade cirúrgica, seu resgate como "borderline" ao estado anterior, onde os desenhos voltaram a ter colorido esfuziante. Pétalas que haviam se soltado das flores retroagiam a seu lugar dando inteireza novamente a seus desenhos, ricos em detalhes e no uso de cores vibrantes (bem distante do preto, cinza, roxo que denotariam contextos psicóticos). Sem dúvida, seu próximo passo, foi se utilizar da linguagem verbal, e expressar seu estado emocional... e me reintroduzir ao seu mundinho particular novamente. 

Ao se recompor mentalmente, sem gestos bruscos afasta o papel e os lápis, e não faz menção à qualidade dos desenhos apresentados. Levanta-se e já na porta do consultório, muda o tom de voz. Pelas entrelinhas deixava transparecer, nesse término da sessão, sua raiva contra mim e a culpa por ter-se demorado na sessão, enquanto sua mãe em casa estava se preparando sozinha para a cirurgia da manhã seguinte.


E eu, durante essa sessão, atemporal para mim, pasmada na sua frente, tomada pela curiosidade  profissional inclusive, percebendo e querendo acompanhar toda essa dinâmica, e me indagando posteriormente: "Para onde estava indo essa paciente com toda sua verborragia sedutora, com seus gestos teatrais e cativantes, seu egocentrismo e sua capacidade criativa?". Outra pessoa se delineava na minha frente, que me excluíra de seu espaço inter-relacional por um bom tempo. Tempo que eu me permiti respeitar, aconchegando seu silêncio, durante toda a construção da cena fragmentada expressa na figura 3 e sua imediata integração após dar forma a algumas palavras (como cópia) como pode ser observada na figura 4. 


Para onde foi minha paciente durante essa sessão? Essa inquietude me fez debruçar com mais afinco sobre minha pesquisas envolvendo diferentes níveis de consciência no mundo mental dos seres humanos. Como esquecer essas experiências que nos marcam com ferro e fogo, durante terapias?

Aurora Gite

P.S: Indico um filme antigo mas muito rico para estudo da dinâmica psíquica: "Querem me enlouquecer!" com Barbra Streisand em uma interpretação, a meu ver, genial.
  




terça-feira, 11 de agosto de 2015

Vem comigo para "além do ego"?

Poucas pessoas conseguem se alicerçar em seu autorreferencial ético. Existe um custo com a socialização e as regras morais impostas para o bom convívio interpessoal e respeito ao bem estar coletivo: nem sempre seleciona os que revelam ter caráter moral elevado.

Não é a preservação da subjetividade que ganha prioridade no conturbado espaço social de hoje, mas o perfil passivo e submisso do acatador de normas sociais. Regras coletivas se encontram prontas na sociedade, elaboradas por grupos que, em sua maioria, buscam interesses próprios e o controle sobre os demais, catalogados como massa não-pensante. Por sua vez, essa massa não-pensante  acata regras sem questionar sua utilidade para o mundo atual, ou investigar sua disfuncionalidade e mudar o que só escraviza o ser humano a um "status quo" sufocante.

É alto o preço (exclusão ou rejeição social) para os que conseguem seguir os deveres e obrigações autoimpostos advindos da espontânea autoridade, verdadeiro senso interno que rege outra grandeza moral, além do ego e do "superego egóico", além do inconsciente pessoal e de tudo que os mecanismos de defesa ajudam a reprimir, além das culpas e medo de represálias, além de quaisquer vitimizações e processos autorrecriminatórios.

A meu ver, o "contestador" representa um espírito empreendedor, que com coragem e ousadia confronta a mesmice da rotina insuportável e busca o espaço criativo para inovações constantes. Reconhece o custo pessoal por ser um "divergente". Acolhe a solidão de sua unicidade com galhardia. Curte seu alto poder de reflexão e sua apurada capacidade de análise do quadro histórico-social em que vive, Admira sua visão sagaz do futuro acolhendo ousados projetos, berços para embalar seu potencial criativo (visões quânticas não-locais do ser humano). Está sempre em evolução ascendente ou transcendente, para além do ego.

Um pequeno grupo de pessoas atinge essa grandeza interna. Consegue utilizar sua "inteligência" (raiz intelligo, que significa "selecionar entre") , escutar a si mesmo e distinguir seus ditames interiores, além da busca de soluções adequadas para problemas emergentes. Procura manter alinhadas as forças internas motivadoras para o constante crescimento interno.

Essas pessoas se voltam, esperançosas, a planejar com bom senso e estabelecer estratégias lógicas para que seu poder pessoal, além do ego, prevaleça sobre impulsos contrários e desejos que buscam destruir qualquer inteireza interior; ousam se aventurar além das máscaras sociais operacionais que formam as diversas personalidades e os distintos papéis funcionais para que a máquina da sociedade continue a produzir "pessoas na categoria de mercadorias" do sistema vigente.

E o sujeito, agente de sua história na comunidade em que vive? Delega seu poder de decisão a abstrações governamentais e cai no marasmo da impotência depressiva, acumulando além da fragilidade e vulnerabilidade de personas que o escondem atrás da trama da inferiorização, além dos estados estacionários inflexíveis e desintegradores facilmente manipuláveis pelos mais espertos e não bem intencionados do mundo atual.

Pequena minoria, no entanto, "busca paz, harmonia, serenidade, justiça... estados de espírito para além do ego". Autoestima, autoafirmação, autorrealização, prazer e alegria espontâneas por se respeitar e se sentir livre internamente para discernir entre várias alternativas (ondas quânticas de possibilidades) e realizar escolhas (colapsos de ondas e emergência de partículas a serem concretizadas em metas e resultados posteriores).

Parte de seu perfil está voltado à obtenção da coerência ética entre sua maneira de agir-pensar-sentir-intuir. Tal postura, no entanto, torna-se contraponto desagradável nos tempos modernos, onde a desumana sociedade capitalista e consumista estimula atitudes voltadas à competição desleal e à concorrência antiética; incentiva a vontade de exibir perseverança narcísica desmedida e ambição ilimitada; cultiva o espelhar da vaidade, a arrogância, prepotência e orgulho (nada a ver com amor-próprio), além de reforçar a não contenção dos elos opressivos destrutivos como os da inveja, ciúme e da agressividade irracional e violenta ... características que mais distanciam o homem do alcance da espiritualidade, que lhe é inerente como ser humano, mas garantem a manutençâo do "status quo" atual.

Amit Goswami nos descreve em seu livro "A Janela Visionária" (Cultrix, 2006) o início da Jornada Espiritual para além do ego, com a substituição de uma identidade-ego por uma identificação com o eu quântico (p.190): "Com o despertar do buddhi, palavra sânscrita que significa inteligência, nós nos tornamos capazes de discernir entre nossas escolhas, nós começamos a tomar consciência do eu quântico e arcar com a responsabilidade pelas escolhas que fazemos ou que "ele" ("eu" quântico, "self" junguiano, "centro ou essência" reguladora, "vácuo quântico pleno de energia potencial" dentro de cada ser" humano) faz.

Continua Goswami: "No nível ego de nosso ser, o processo de selecionar entre as possibilidades que a mente quântica apresenta à consciência é inteiramente pré-consciente. Quando o centro do ego se desloca para além do ego, e o buddhi desperta, a ação passa, cada vez mais, a ter início no eu quântico". O sinal distintivo dessa ação é a espontaneidade em sua alegria interna de bem agir e sua liberdade de sentir o fluxo da energia emergir e transitar por seu ser quântico, além do ego repressor ou superprotetor, enfraquecedor da potência de cada ser humano, em ambos os extremos.

Amit cita o psicólogo transpessoal Ken Wilber, que propõe um modelo atual em que admite diversas faixas no nível buddhi (inteligência - não mental, intelectual ou racional - talvez mais próxima da razão pura kantiana) de identidade. Essas faixas "não são hierárquicas pois, à medida que a identidade se distancia do ego, as hierarquias também vão se dissolvendo no cultivo de profunda humildade." (p.192)

Essas faixas são mais estágios de desenvolvimento, faixas de auto-identidade dentro da jornada espiritual:
1- faixa criativa-psíquica-mística, onde as pessoas descobrem a potencialidade do eu quântico, da percepção intensificada e dos saltos quânticos, onde o deslocamento de sua identidade para além do ego é apenas transitório.
2- faixa transpessoal, onde as pessoas descobrem a não-localidade e a hierarquia entrelaçada do relacionamento, onde quanto mais ocorre a identificação com o eu-quântico não-localizado, percebe-se a realidade da consciência dos outros, em seu relacionamento nos termos de uma hierarquia entrelaçada. Assim, se estima (e se respeita) a "alteridade" dos outros - sua individualidade, sua perspectiva única, seus problemas únicos.
3- faixa espiritual, onde as pessoas amam com seu eu quântico; experimentam a consciência de sua inteireza, reconhecendo a aparente individualidade como aspecto puramente funcional da manifestação. O buddhi se estabilizou.

Segundo Goswami, aqui é possível explicar a diferença entre a criatividade interior da religião e a criatividade exterior da ciência: " Quando a criatividade exterior se manifesta, o ego é a personagem central e o produto do homem é encarado como realização. Mas na criatividade interior tudo é manifestação da sabedoria da revelação. Envolve uma capitulação do ego, que em vez de ser tomador de decisões se torna mera função para o cumprimento dos encargos mundanos; a distinção entre o "eu" e os "outros" é meramente por conveniência operacional."

"Na relação entre o eu quântico e o ego, a identificação vai se deslocando gradualmente do ego para o eu quântico. Com esse deslocamento surgem uma 'humildade crescente' e uma 'liberdade cada vez maior de escolha' e de 'criatividade na ação'." (p.193)

Confronte seus passos e veja se não já não está trilhando sua jornada espiritual!

"Criar uma relação Eu-Tu dinâmica com o eu interior tem por objetivo transpor a falsidade da relação de hierarquia simples entre o ego e os outros... Reduzindo tudo a uma interpretação dualística de papéis ocorre (mais facilmente) a sabotagem de práticas benéficas e se calcifica o condicionamento e o hábito. Mas uma vez estabelecido firmemente na sabedoria da unidade, poderá interpretar o papel que lhe cabe sem confusões" (p. 196)... pois se rompe o elo viciante de seguir com rigor exigências egóicas e disciplina-se o ser interno redundante nos melodramas autocêntricos.

A sensação de "integração com o Todo", do "Uno de Plotino", unida à receptividade para o "encontro inter-humano" da experiência amorosa do "Eu-Tu de Buber",  abrem a percepção consciente para a compreensão holística.

O alinhamento da existência de cada um com sua própria essência propicia que sejam atingidos novos níveis de consciência, novos saltos quânticos, novas experiências como ser humano em seu "caminhar além do ego".

Mas essa avaliação e trabalho é de cada um, revestido com a honestidade e sinceridade consigo mesmo, que o alçar voos, para além do ego, demanda. Vem comigo?

Aurora Gite

P.S.: Vale conhecer as ideias do filósofo Martin Buber voltadas para a importância do diálogo na relações humanas, para o fenômeno da educação, para o eterno crescer como ser humano nos sinceros e profundos encontros inter-humanos.
         Indico: https://www.fe.unicamp.br/vonzuben/presenca.html    

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Vamos deixar assassinar nossa História?

Outra inquietude e grande preocupação minha!

Não é fácil conviver com a inversão cronológica, quando pensamos que nossa história pessoal ao morrermos terá um espaço reservado na memória de nossos filhos e, de repente, somos obrigados a conciliar angústias de perdas e lutos de filhos caçulas e abrir em nossas memórias de pais um lugar para acolher a história de vida de nossos filhos e a qualidade de nossas relações.

Sem dúvida, não se pode deixar de constatar que sem culpas, sem remorsos tipo "poderia ter feito e não fiz", o processo de luto ultrapassa as fases citadas por Kubler-Ross: negação, não aceitação e raiva, barganha e todos os questionamentos tipo "por que comigo?", entrada no estado depressivo ... até chegar à fase de resignação e grande tristeza e percepção que "a vida sempre continua" e as pessoas significativas continuam fantasmas vivos dentro de cada um de nós mantidas por nosso sentir e pensar nelas.

Como nada é por acaso, no final de semana passado, assisti a dois filmes que não posso me omitir de indicar, pois retratam a nossa responsabilidade sobre a construção da história de nossas vidas e da importância dos guardiães de nossas obras contra aqueles que buscam destruir até o passado de uma nação e o orgulho de seus cidadãos:

1- "Steve Jobs": alguns fazem o possível, ele fez o impossível.
Sinopse: "A história da ascensão de Steve Jobs, de rejeitado no colégio até se tornar um dos mais reverenciados empresários do universo da tecnologia no século 20. A trama passa pela jornada do autodescobrimento da juventude, pelos demônios pessoais que obscureceram sua visão e, finalmente, pelos triunfos que transformaram sua vida adulta." Ashton Kutcher está no papel de Steve Jobs.
* Recortes ótimos para os que trabalham com dinâmicas de grupo.

2- "Caçadores de Obras-Primas"
Sinopse: "Durante o declínio de Hitler na Alemanha, um grupo de 13 especialistas vindos de países diferentes é reunido para reencontrar obras de arte roubadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial." George Clooney está no papel do oficial americano, conservador da tradição e conhecedor da beleza contida nesse material histórico expresso nas obras de arte, que lidera a equipe.

Acredito que da pluralidade e conectividade de "micro-histórias", obtenhamos o desenho da dinâmica existencial que configura a "macro-história". Penso estarmos vivendo outro momento único no milênio, que desvia nossa impotência ante rotas sem esperança e nosso desânimo ante melancólicos rumos, para uma visão de futuro promissor para as novas gerações de nossos netos em diante.

Republico a postagem "Será mesmo que vamos assassinar a 'História'?" para que sirva de reflexão e nos encha de coragem para lutar contra a megalomania autoritária e prepotente de possíveis vilões 'hitlerianos' que queiram vilipendiar os feitos de uma era histórica.


DOMINGO, 10 DE MARÇO DE 2013


Recorte:Será mesmo que vamos assassinar a História


Será mesmo que vamos assassinar a "História"?


Entendo que da pluralidade e conectividade de "micro-histórias", obtenhamos o desenho da dinâmica existencial que configura a "macro-História".

As micro-histórias dependem da inserção das individualidades na complexidade dos relacionamentos humanos, seus jogos de convivência, suas lutas por espaço e poder, suas tomadas de decisão embasadas em intencionalidades e imprevisibilidades.

E é dessa intrincada rede de relações pessoais que se esboça a História da Humanidade. Suas sinalizações são importantes de serem levadas em consideração ao se observar a "vida em reverso".

Sendo assim procuro aspectos de minha história pessoal que pudessem se encaixar na sociedade que gostaria de ver construída nesse novo milênio.

A colocação de um grande complexo hospitalar no "divã", a observação e análise da rede de interações estabelecidas, os jogos pelo poder, o mau uso da autoridade conferida pelo cargo ocupado, o contato com o lado perverso do ser humano ao reagir a ameaças de possíveis alterações em seu "status quo", a constatação da enorme fragilidade das lideranças, escravas da burocracia e do fortalecimento pessoal ilusório, falseado por constantes manipulações desumanas e preconceituosas, desnudaram para mim : uma categoria que se esconde atrás da aparência assistencialista, a razão da deficiência na qualidade do ensino dos profissionais da área, e das egoísticas atuações em pesquisas, voltadas mais a interesses pessoais, do que ao bem empresarial e o coletivo.

O fechamento de equipes, enclausuradas em si mesmas, debaixo do "em time que está ganhando não se mexe" ,"mudanças desde que...", " é preciso fazer a cabeça de fulano" . Esse tipo de coordenação impede a flexibilidade necessária para trocas e constantes inovações criativas. Um agregar forças, diretriz de uma política em recursos humanos baseada na inclusão e administração das diferenças, depende de posturas abertas, saudáveis , que não se amedrontem ante qualquer desenvolvimento concorrencial, pois confiam em seu potencial.

A patologia organizacional a nível de suas lideranças diretas e indiretas ( assessores) estava visível. Chefias apresentando projetos como seus, erguendo crachás e dizendo:"Faça porque estou mandando!", desenvolvendo políticas de privilégios ( liberação para congressos) e submissões humilhantes? Coordenações de ensino que guardam sigilo do "sumiço" de matriz de apostilas necessárias as aulas, que desviam para outros docentes material ( data-show) requisitado dentro do prazo, obrigando reestruturações imediatas do plano de aula? Falta de ética ante quebra de sigilo de provas e de banco de dados informatizados? Quem não convive ainda com algo semelhante? 
Tudo agora é questão de tempo . Esses tipos de profissionais não conseguem sobreviver dentro dos novos modelos participativos de gestão.

Um ponto forte que me chamava a atenção residia no orgulho de muitos colaboradores ( e aqui me incluo) ao percorrer os corredores daquela Faculdade, observando a galeria de quadros de profissionais que construíram sua história, ganhando por isso destaque. Isto contrastava com o desejo de outros, ainda na ativa, de apagar registros bibliotecários e destruir dados significativos, banco de memórias de uma época, esquecendo que uma história institucional se conserva viva, enquanto estiver na lembrança dos que a cultivem e transmitam oralmente de geração a geração.

Não entendia bem, na época, os projetos voltados a esses objetivos. Por que e para que serviam? Buscando maior compreensão, tinha por resposta que tudo fazia parte da evolução tecnológica que envolvia a agilidade da informação e a simplificação da burocracia. Porém na prática tais medidas ainda deixavam muito a desejar, e as perdas históricas eram muito significativas.

Um assassinato imediato de vivências históricas reais, buscando enterrar protagonistas, conservados vivos pela dignidade dos valores defendidos?

Um suicídio, a longo prazo, visto que a história vivenciada por anônimos poderia ensombrecer ainda mais o vazio e espelhar a falta de comprometimento organizacional e social de muitos profissionais atuantes?

As experiências devem sempre reforçar o quadro autorreferencial de quem se propõe a ser o construtor de sua própria história de vida. Lembro que mesmo dentro de um ambiente totalmente hostil, preconceituoso e de falsa política inclusiva, consegui sobreviver. Consegui manter a cabeça erguida e estar bem comigo mesmo. Produzi a cada mês novo projeto, reforçando meu capital intelectual. Engavetados ou redistribuídos, muitos deturpados e abandonados, ninguém me usurparia esses conhecimentos. O tesão da criação e o processo logístico para a implantação residem "no" e permanecem "com o" autor. 

Hoje, após anos, minha auto-estima valorizada só tem a agradecer. De tempos em tempos, em alguns momentos de fragilidade, resgato essa visão histórica e isso me ajuda a superá-los mais rapidamente. Acredito ter sido a qualidade dessas vivências, que me possibilitou acompanhar as considerações de Eric Hobsbawm em seu livro " Era dos Extremos" , e retirar delas as respostas que buscava naquela época.

Transcrevo trechos dos relatos desse historiador , algumas de suas análises sobre o século XX, repercussões atingindo o século XXI . Também endosso o apelo de muitos :" Não deixem que retirem da História seu eterno papel unificador"! Acreditando que possa estar sendo falseada por alguns, é se aproximar dos historiadores que buscam cercar seus relatos de evidências focando a transparência de fatos verdadeiros sob várias perspectivas.

Algumas citações do autor, acima mencionado valem muitas reflexões, pois sinalizam o grande perigo do século XXI:

" No fim deste século XX, pode-se ver como pode ser um mundo em que o passado - inclusive o passado no presente - perdeu seu papel... Não sabemos aonde tudo nos leva, ou mesmo aonde deve nos levar... Para onde vai a humanidade? "

"Olhando para trás, vemos a estrada que nos trouxe até aqui. Mas o que nos moldará o futuro?"... Ante a "regressão aos padrões do barbarismo, este século nos ensinou que os seres humanos podem aprender a viver nas condições mais brutalizadas e teoricamente intoleráveis."

" A memória histórica já não está tão viva". É a lacuna entre gerações e o abismo entre seus valores dificultando a vida de relação.

"A destruição do passado - ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas - é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso, os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por esse mesmo motivo, porém, eles tem de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores".

Ao abordar a diferença qualitativa no mundo, o autor cita três transformações históricas, que contribuíram para a realidade atual :

1- Quando o século XX começou, a Europa deixava de ser o centro de poder, riqueza, intelecto e "civilização ocidental" e o mundo deixava de ser "eurocêntrico" - ocorrendo grandes mudanças na configuração econômica, intelectual e cultural da época.

2- A construção de uma "aldeia global" , e a aceleração das comunicações e transportes - mobilizando a grande "tensão entre o processo de globalização cada vez mais acelerado e a incapacidade conjunta das instituições públicas e do comportamento coletivo dos seres humanos de se acomodarem a ele".

3- Segundo ele, talvez o mais perturbador: " a desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano e, com ela, a quebra dos elos entre gerações, quer dizer entre passado e presente".

O historiador destaca "o predomínio dos valores de um individualismo associal absoluto, a erosão das sociedades e religiões tradicionais, a destruição ou autodestruição das sociedades do socialismo real". Registra a formação da sociedade atual "por um conjunto de indivíduos egocentrados sem outra conexão entre si, em busca apenas da própria satisfação ( o lucro, o prazer, ou seja lá o que for) que estava sempre implícita na teoria capitalista".

O modo de produção capitalista e as relações dele decorrentes podem ter sido responsável por ter moldado esse tipo de indivíduo, porém o ser humano está muito além desses padrões de massa. É encontrar força e coragem para se bancar, se assumir no que tem de melhor, não assassinar também a sua história de vida.

Ela é que lhe serve de parâmetro, auto-referência para acertos e desejo de aprendizagem com erros; "élan" para novas tomadas de decisão que lhe propiciem efetivo bem-estar, e motivação para sair da cegueira das reais necessidades ante o ofuscar das satisfações criadas. Essas são tão tênues que, com o tempo, se desfazem ante o desmoronamento do cenário de atuação de personagens fictícios, que vivem atrás de máscaras, atuando em histórias criada por outros. Seres humanos reais ousam vivenciar com prazer e auto-admiração suas verdades históricas.

Assim retorno a pergunta de Eric Hobsbawm: "Mas o que moldará o futuro?" e endosso a sua resposta, a esperança de "um mundo melhor, mais justo e mais viável". Entendo mundo melhor como aquele com mais qualidade de vida, visando bem-estar individual e coletivo.

E por que não lutar pela construção de sociedades com essa história, em vez de procurar assassinar a "História"?

Lúcia Thompson



Que quaisquer reflexões possam servir para reforçar diferenciais de boa convivência como o
orgulho dos cidadãos de uma nação e, a solidariedade e fraternidade espiritual, entre os membros da raça humana!

Aurora Gite