terça-feira, 11 de agosto de 2015

Vem comigo para "além do ego"?

Poucas pessoas conseguem se alicerçar em seu autorreferencial ético. Existe um custo com a socialização e as regras morais impostas para o bom convívio interpessoal e respeito ao bem estar coletivo: nem sempre seleciona os que revelam ter caráter moral elevado.

Não é a preservação da subjetividade que ganha prioridade no conturbado espaço social de hoje, mas o perfil passivo e submisso do acatador de normas sociais. Regras coletivas se encontram prontas na sociedade, elaboradas por grupos que, em sua maioria, buscam interesses próprios e o controle sobre os demais, catalogados como massa não-pensante. Por sua vez, essa massa não-pensante  acata regras sem questionar sua utilidade para o mundo atual, ou investigar sua disfuncionalidade e mudar o que só escraviza o ser humano a um "status quo" sufocante.

É alto o preço (exclusão ou rejeição social) para os que conseguem seguir os deveres e obrigações autoimpostos advindos da espontânea autoridade, verdadeiro senso interno que rege outra grandeza moral, além do ego e do "superego egóico", além do inconsciente pessoal e de tudo que os mecanismos de defesa ajudam a reprimir, além das culpas e medo de represálias, além de quaisquer vitimizações e processos autorrecriminatórios.

A meu ver, o "contestador" representa um espírito empreendedor, que com coragem e ousadia confronta a mesmice da rotina insuportável e busca o espaço criativo para inovações constantes. Reconhece o custo pessoal por ser um "divergente". Acolhe a solidão de sua unicidade com galhardia. Curte seu alto poder de reflexão e sua apurada capacidade de análise do quadro histórico-social em que vive, Admira sua visão sagaz do futuro acolhendo ousados projetos, berços para embalar seu potencial criativo (visões quânticas não-locais do ser humano). Está sempre em evolução ascendente ou transcendente, para além do ego.

Um pequeno grupo de pessoas atinge essa grandeza interna. Consegue utilizar sua "inteligência" (raiz intelligo, que significa "selecionar entre") , escutar a si mesmo e distinguir seus ditames interiores, além da busca de soluções adequadas para problemas emergentes. Procura manter alinhadas as forças internas motivadoras para o constante crescimento interno.

Essas pessoas se voltam, esperançosas, a planejar com bom senso e estabelecer estratégias lógicas para que seu poder pessoal, além do ego, prevaleça sobre impulsos contrários e desejos que buscam destruir qualquer inteireza interior; ousam se aventurar além das máscaras sociais operacionais que formam as diversas personalidades e os distintos papéis funcionais para que a máquina da sociedade continue a produzir "pessoas na categoria de mercadorias" do sistema vigente.

E o sujeito, agente de sua história na comunidade em que vive? Delega seu poder de decisão a abstrações governamentais e cai no marasmo da impotência depressiva, acumulando além da fragilidade e vulnerabilidade de personas que o escondem atrás da trama da inferiorização, além dos estados estacionários inflexíveis e desintegradores facilmente manipuláveis pelos mais espertos e não bem intencionados do mundo atual.

Pequena minoria, no entanto, "busca paz, harmonia, serenidade, justiça... estados de espírito para além do ego". Autoestima, autoafirmação, autorrealização, prazer e alegria espontâneas por se respeitar e se sentir livre internamente para discernir entre várias alternativas (ondas quânticas de possibilidades) e realizar escolhas (colapsos de ondas e emergência de partículas a serem concretizadas em metas e resultados posteriores).

Parte de seu perfil está voltado à obtenção da coerência ética entre sua maneira de agir-pensar-sentir-intuir. Tal postura, no entanto, torna-se contraponto desagradável nos tempos modernos, onde a desumana sociedade capitalista e consumista estimula atitudes voltadas à competição desleal e à concorrência antiética; incentiva a vontade de exibir perseverança narcísica desmedida e ambição ilimitada; cultiva o espelhar da vaidade, a arrogância, prepotência e orgulho (nada a ver com amor-próprio), além de reforçar a não contenção dos elos opressivos destrutivos como os da inveja, ciúme e da agressividade irracional e violenta ... características que mais distanciam o homem do alcance da espiritualidade, que lhe é inerente como ser humano, mas garantem a manutençâo do "status quo" atual.

Amit Goswami nos descreve em seu livro "A Janela Visionária" (Cultrix, 2006) o início da Jornada Espiritual para além do ego, com a substituição de uma identidade-ego por uma identificação com o eu quântico (p.190): "Com o despertar do buddhi, palavra sânscrita que significa inteligência, nós nos tornamos capazes de discernir entre nossas escolhas, nós começamos a tomar consciência do eu quântico e arcar com a responsabilidade pelas escolhas que fazemos ou que "ele" ("eu" quântico, "self" junguiano, "centro ou essência" reguladora, "vácuo quântico pleno de energia potencial" dentro de cada ser" humano) faz.

Continua Goswami: "No nível ego de nosso ser, o processo de selecionar entre as possibilidades que a mente quântica apresenta à consciência é inteiramente pré-consciente. Quando o centro do ego se desloca para além do ego, e o buddhi desperta, a ação passa, cada vez mais, a ter início no eu quântico". O sinal distintivo dessa ação é a espontaneidade em sua alegria interna de bem agir e sua liberdade de sentir o fluxo da energia emergir e transitar por seu ser quântico, além do ego repressor ou superprotetor, enfraquecedor da potência de cada ser humano, em ambos os extremos.

Amit cita o psicólogo transpessoal Ken Wilber, que propõe um modelo atual em que admite diversas faixas no nível buddhi (inteligência - não mental, intelectual ou racional - talvez mais próxima da razão pura kantiana) de identidade. Essas faixas "não são hierárquicas pois, à medida que a identidade se distancia do ego, as hierarquias também vão se dissolvendo no cultivo de profunda humildade." (p.192)

Essas faixas são mais estágios de desenvolvimento, faixas de auto-identidade dentro da jornada espiritual:
1- faixa criativa-psíquica-mística, onde as pessoas descobrem a potencialidade do eu quântico, da percepção intensificada e dos saltos quânticos, onde o deslocamento de sua identidade para além do ego é apenas transitório.
2- faixa transpessoal, onde as pessoas descobrem a não-localidade e a hierarquia entrelaçada do relacionamento, onde quanto mais ocorre a identificação com o eu-quântico não-localizado, percebe-se a realidade da consciência dos outros, em seu relacionamento nos termos de uma hierarquia entrelaçada. Assim, se estima (e se respeita) a "alteridade" dos outros - sua individualidade, sua perspectiva única, seus problemas únicos.
3- faixa espiritual, onde as pessoas amam com seu eu quântico; experimentam a consciência de sua inteireza, reconhecendo a aparente individualidade como aspecto puramente funcional da manifestação. O buddhi se estabilizou.

Segundo Goswami, aqui é possível explicar a diferença entre a criatividade interior da religião e a criatividade exterior da ciência: " Quando a criatividade exterior se manifesta, o ego é a personagem central e o produto do homem é encarado como realização. Mas na criatividade interior tudo é manifestação da sabedoria da revelação. Envolve uma capitulação do ego, que em vez de ser tomador de decisões se torna mera função para o cumprimento dos encargos mundanos; a distinção entre o "eu" e os "outros" é meramente por conveniência operacional."

"Na relação entre o eu quântico e o ego, a identificação vai se deslocando gradualmente do ego para o eu quântico. Com esse deslocamento surgem uma 'humildade crescente' e uma 'liberdade cada vez maior de escolha' e de 'criatividade na ação'." (p.193)

Confronte seus passos e veja se não já não está trilhando sua jornada espiritual!

"Criar uma relação Eu-Tu dinâmica com o eu interior tem por objetivo transpor a falsidade da relação de hierarquia simples entre o ego e os outros... Reduzindo tudo a uma interpretação dualística de papéis ocorre (mais facilmente) a sabotagem de práticas benéficas e se calcifica o condicionamento e o hábito. Mas uma vez estabelecido firmemente na sabedoria da unidade, poderá interpretar o papel que lhe cabe sem confusões" (p. 196)... pois se rompe o elo viciante de seguir com rigor exigências egóicas e disciplina-se o ser interno redundante nos melodramas autocêntricos.

A sensação de "integração com o Todo", do "Uno de Plotino", unida à receptividade para o "encontro inter-humano" da experiência amorosa do "Eu-Tu de Buber",  abrem a percepção consciente para a compreensão holística.

O alinhamento da existência de cada um com sua própria essência propicia que sejam atingidos novos níveis de consciência, novos saltos quânticos, novas experiências como ser humano em seu "caminhar além do ego".

Mas essa avaliação e trabalho é de cada um, revestido com a honestidade e sinceridade consigo mesmo, que o alçar voos, para além do ego, demanda. Vem comigo?

Aurora Gite

P.S.: Vale conhecer as ideias do filósofo Martin Buber voltadas para a importância do diálogo na relações humanas, para o fenômeno da educação, para o eterno crescer como ser humano nos sinceros e profundos encontros inter-humanos.
         Indico: https://www.fe.unicamp.br/vonzuben/presenca.html    

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