quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Vamos deixar assassinar nossa História?

Outra inquietude e grande preocupação minha!

Não é fácil conviver com a inversão cronológica, quando pensamos que nossa história pessoal ao morrermos terá um espaço reservado na memória de nossos filhos e, de repente, somos obrigados a conciliar angústias de perdas e lutos de filhos caçulas e abrir em nossas memórias de pais um lugar para acolher a história de vida de nossos filhos e a qualidade de nossas relações.

Sem dúvida, não se pode deixar de constatar que sem culpas, sem remorsos tipo "poderia ter feito e não fiz", o processo de luto ultrapassa as fases citadas por Kubler-Ross: negação, não aceitação e raiva, barganha e todos os questionamentos tipo "por que comigo?", entrada no estado depressivo ... até chegar à fase de resignação e grande tristeza e percepção que "a vida sempre continua" e as pessoas significativas continuam fantasmas vivos dentro de cada um de nós mantidas por nosso sentir e pensar nelas.

Como nada é por acaso, no final de semana passado, assisti a dois filmes que não posso me omitir de indicar, pois retratam a nossa responsabilidade sobre a construção da história de nossas vidas e da importância dos guardiães de nossas obras contra aqueles que buscam destruir até o passado de uma nação e o orgulho de seus cidadãos:

1- "Steve Jobs": alguns fazem o possível, ele fez o impossível.
Sinopse: "A história da ascensão de Steve Jobs, de rejeitado no colégio até se tornar um dos mais reverenciados empresários do universo da tecnologia no século 20. A trama passa pela jornada do autodescobrimento da juventude, pelos demônios pessoais que obscureceram sua visão e, finalmente, pelos triunfos que transformaram sua vida adulta." Ashton Kutcher está no papel de Steve Jobs.
* Recortes ótimos para os que trabalham com dinâmicas de grupo.

2- "Caçadores de Obras-Primas"
Sinopse: "Durante o declínio de Hitler na Alemanha, um grupo de 13 especialistas vindos de países diferentes é reunido para reencontrar obras de arte roubadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial." George Clooney está no papel do oficial americano, conservador da tradição e conhecedor da beleza contida nesse material histórico expresso nas obras de arte, que lidera a equipe.

Acredito que da pluralidade e conectividade de "micro-histórias", obtenhamos o desenho da dinâmica existencial que configura a "macro-história". Penso estarmos vivendo outro momento único no milênio, que desvia nossa impotência ante rotas sem esperança e nosso desânimo ante melancólicos rumos, para uma visão de futuro promissor para as novas gerações de nossos netos em diante.

Republico a postagem "Será mesmo que vamos assassinar a 'História'?" para que sirva de reflexão e nos encha de coragem para lutar contra a megalomania autoritária e prepotente de possíveis vilões 'hitlerianos' que queiram vilipendiar os feitos de uma era histórica.


DOMINGO, 10 DE MARÇO DE 2013


Recorte:Será mesmo que vamos assassinar a História


Será mesmo que vamos assassinar a "História"?


Entendo que da pluralidade e conectividade de "micro-histórias", obtenhamos o desenho da dinâmica existencial que configura a "macro-História".

As micro-histórias dependem da inserção das individualidades na complexidade dos relacionamentos humanos, seus jogos de convivência, suas lutas por espaço e poder, suas tomadas de decisão embasadas em intencionalidades e imprevisibilidades.

E é dessa intrincada rede de relações pessoais que se esboça a História da Humanidade. Suas sinalizações são importantes de serem levadas em consideração ao se observar a "vida em reverso".

Sendo assim procuro aspectos de minha história pessoal que pudessem se encaixar na sociedade que gostaria de ver construída nesse novo milênio.

A colocação de um grande complexo hospitalar no "divã", a observação e análise da rede de interações estabelecidas, os jogos pelo poder, o mau uso da autoridade conferida pelo cargo ocupado, o contato com o lado perverso do ser humano ao reagir a ameaças de possíveis alterações em seu "status quo", a constatação da enorme fragilidade das lideranças, escravas da burocracia e do fortalecimento pessoal ilusório, falseado por constantes manipulações desumanas e preconceituosas, desnudaram para mim : uma categoria que se esconde atrás da aparência assistencialista, a razão da deficiência na qualidade do ensino dos profissionais da área, e das egoísticas atuações em pesquisas, voltadas mais a interesses pessoais, do que ao bem empresarial e o coletivo.

O fechamento de equipes, enclausuradas em si mesmas, debaixo do "em time que está ganhando não se mexe" ,"mudanças desde que...", " é preciso fazer a cabeça de fulano" . Esse tipo de coordenação impede a flexibilidade necessária para trocas e constantes inovações criativas. Um agregar forças, diretriz de uma política em recursos humanos baseada na inclusão e administração das diferenças, depende de posturas abertas, saudáveis , que não se amedrontem ante qualquer desenvolvimento concorrencial, pois confiam em seu potencial.

A patologia organizacional a nível de suas lideranças diretas e indiretas ( assessores) estava visível. Chefias apresentando projetos como seus, erguendo crachás e dizendo:"Faça porque estou mandando!", desenvolvendo políticas de privilégios ( liberação para congressos) e submissões humilhantes? Coordenações de ensino que guardam sigilo do "sumiço" de matriz de apostilas necessárias as aulas, que desviam para outros docentes material ( data-show) requisitado dentro do prazo, obrigando reestruturações imediatas do plano de aula? Falta de ética ante quebra de sigilo de provas e de banco de dados informatizados? Quem não convive ainda com algo semelhante? 
Tudo agora é questão de tempo . Esses tipos de profissionais não conseguem sobreviver dentro dos novos modelos participativos de gestão.

Um ponto forte que me chamava a atenção residia no orgulho de muitos colaboradores ( e aqui me incluo) ao percorrer os corredores daquela Faculdade, observando a galeria de quadros de profissionais que construíram sua história, ganhando por isso destaque. Isto contrastava com o desejo de outros, ainda na ativa, de apagar registros bibliotecários e destruir dados significativos, banco de memórias de uma época, esquecendo que uma história institucional se conserva viva, enquanto estiver na lembrança dos que a cultivem e transmitam oralmente de geração a geração.

Não entendia bem, na época, os projetos voltados a esses objetivos. Por que e para que serviam? Buscando maior compreensão, tinha por resposta que tudo fazia parte da evolução tecnológica que envolvia a agilidade da informação e a simplificação da burocracia. Porém na prática tais medidas ainda deixavam muito a desejar, e as perdas históricas eram muito significativas.

Um assassinato imediato de vivências históricas reais, buscando enterrar protagonistas, conservados vivos pela dignidade dos valores defendidos?

Um suicídio, a longo prazo, visto que a história vivenciada por anônimos poderia ensombrecer ainda mais o vazio e espelhar a falta de comprometimento organizacional e social de muitos profissionais atuantes?

As experiências devem sempre reforçar o quadro autorreferencial de quem se propõe a ser o construtor de sua própria história de vida. Lembro que mesmo dentro de um ambiente totalmente hostil, preconceituoso e de falsa política inclusiva, consegui sobreviver. Consegui manter a cabeça erguida e estar bem comigo mesmo. Produzi a cada mês novo projeto, reforçando meu capital intelectual. Engavetados ou redistribuídos, muitos deturpados e abandonados, ninguém me usurparia esses conhecimentos. O tesão da criação e o processo logístico para a implantação residem "no" e permanecem "com o" autor. 

Hoje, após anos, minha auto-estima valorizada só tem a agradecer. De tempos em tempos, em alguns momentos de fragilidade, resgato essa visão histórica e isso me ajuda a superá-los mais rapidamente. Acredito ter sido a qualidade dessas vivências, que me possibilitou acompanhar as considerações de Eric Hobsbawm em seu livro " Era dos Extremos" , e retirar delas as respostas que buscava naquela época.

Transcrevo trechos dos relatos desse historiador , algumas de suas análises sobre o século XX, repercussões atingindo o século XXI . Também endosso o apelo de muitos :" Não deixem que retirem da História seu eterno papel unificador"! Acreditando que possa estar sendo falseada por alguns, é se aproximar dos historiadores que buscam cercar seus relatos de evidências focando a transparência de fatos verdadeiros sob várias perspectivas.

Algumas citações do autor, acima mencionado valem muitas reflexões, pois sinalizam o grande perigo do século XXI:

" No fim deste século XX, pode-se ver como pode ser um mundo em que o passado - inclusive o passado no presente - perdeu seu papel... Não sabemos aonde tudo nos leva, ou mesmo aonde deve nos levar... Para onde vai a humanidade? "

"Olhando para trás, vemos a estrada que nos trouxe até aqui. Mas o que nos moldará o futuro?"... Ante a "regressão aos padrões do barbarismo, este século nos ensinou que os seres humanos podem aprender a viver nas condições mais brutalizadas e teoricamente intoleráveis."

" A memória histórica já não está tão viva". É a lacuna entre gerações e o abismo entre seus valores dificultando a vida de relação.

"A destruição do passado - ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas - é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso, os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por esse mesmo motivo, porém, eles tem de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores".

Ao abordar a diferença qualitativa no mundo, o autor cita três transformações históricas, que contribuíram para a realidade atual :

1- Quando o século XX começou, a Europa deixava de ser o centro de poder, riqueza, intelecto e "civilização ocidental" e o mundo deixava de ser "eurocêntrico" - ocorrendo grandes mudanças na configuração econômica, intelectual e cultural da época.

2- A construção de uma "aldeia global" , e a aceleração das comunicações e transportes - mobilizando a grande "tensão entre o processo de globalização cada vez mais acelerado e a incapacidade conjunta das instituições públicas e do comportamento coletivo dos seres humanos de se acomodarem a ele".

3- Segundo ele, talvez o mais perturbador: " a desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano e, com ela, a quebra dos elos entre gerações, quer dizer entre passado e presente".

O historiador destaca "o predomínio dos valores de um individualismo associal absoluto, a erosão das sociedades e religiões tradicionais, a destruição ou autodestruição das sociedades do socialismo real". Registra a formação da sociedade atual "por um conjunto de indivíduos egocentrados sem outra conexão entre si, em busca apenas da própria satisfação ( o lucro, o prazer, ou seja lá o que for) que estava sempre implícita na teoria capitalista".

O modo de produção capitalista e as relações dele decorrentes podem ter sido responsável por ter moldado esse tipo de indivíduo, porém o ser humano está muito além desses padrões de massa. É encontrar força e coragem para se bancar, se assumir no que tem de melhor, não assassinar também a sua história de vida.

Ela é que lhe serve de parâmetro, auto-referência para acertos e desejo de aprendizagem com erros; "élan" para novas tomadas de decisão que lhe propiciem efetivo bem-estar, e motivação para sair da cegueira das reais necessidades ante o ofuscar das satisfações criadas. Essas são tão tênues que, com o tempo, se desfazem ante o desmoronamento do cenário de atuação de personagens fictícios, que vivem atrás de máscaras, atuando em histórias criada por outros. Seres humanos reais ousam vivenciar com prazer e auto-admiração suas verdades históricas.

Assim retorno a pergunta de Eric Hobsbawm: "Mas o que moldará o futuro?" e endosso a sua resposta, a esperança de "um mundo melhor, mais justo e mais viável". Entendo mundo melhor como aquele com mais qualidade de vida, visando bem-estar individual e coletivo.

E por que não lutar pela construção de sociedades com essa história, em vez de procurar assassinar a "História"?

Lúcia Thompson



Que quaisquer reflexões possam servir para reforçar diferenciais de boa convivência como o
orgulho dos cidadãos de uma nação e, a solidariedade e fraternidade espiritual, entre os membros da raça humana!

Aurora Gite

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