quinta-feira, 15 de maio de 2014

O dinheiro em seu poder castrador

O tema "dinheiro", desde sempre, atrai muitas pessoas, profissionais de diversas áreas ou leigos, que sentem na pele, o poder real dessa, que deveria ser, simples moeda de troca.

Não é fácil entender a vasta dinâmica psicológica que ocorre quando, entrando para o "campo das significações e dos simbolismos", o dinheiro adquire sentido tão variado. Passa até  a ganhar "status de vida própria" com seu poder castrador, contaminando a qualidade das interações humanas; atingindo, inclusive, o caráter ético de algumas pessoas.

Hoje já se pode observar a preocupação com o ensino nas escolas, desde tenra idade, de Economia e matérias afins. Tornou-se visível e compreensível numa sociedade capitalista que os "pequeninos melhor entendessem a manusear e gerenciar seu dinheirinho". Intenção louvável, se não acirrar a competição desumana na sua obtenção; a frieza afetiva de seu uso separatista de classes no cotidiano; a deturpação do valor monetário colocado acima dos bens morais e éticos.

O patrimônio ético corresponde ao acúmulo de bens conquistados do mundo das virtudes humanas e das convivências harmoniosas, o qual nenhum dinheiro possibilita atingir. E é esse patrimônio que foi esquecido nos últimos anos. As reservas chegaram a um fundo mínimo para que o equilíbrio social seja obtido, haja visto os sinais de turbulência, grotesca e imprevisível, na sociedade atual com a violência, perversa e doentia, acirrada, atingindo a todos sem distinção e sem nenhum direcionamento lógico.

Todos caminham sob a incerteza e insegurança de vias nebulosas, dentro de um caos de metas e escuridão de objetivos para se obter convivências mais justas e harmoniosas.
Não há mais diplomacia no trato de questões públicas. Não mais tolerância para uma escuta compreensiva do outro. Não há mais disponibilidade para abertura para que ocorra um diálogo construtivo, cada qual mais quer falar ou gritar sua necessidade, sem se permitir ouvir sequer a demanda do outro.Não há mais espaço, envolto por uma "ciência da paz" (paciência) para conviver com as diferenças pessoais. Não há mais vida afetiva, auto-estima interna e aceitação externa, para conter as angústias e aguentar as frustrações, decorrentes de ter que adiar autossatisfações por realizações de desejos. Não há, nesse momento, patrimônio psíquico, que possibilite essa contenção de ansiedades, advindas de forças de fora e de dentro tão difusas, tão ameaçadoras à manutenção dos sistemas de energia psíquica. Não há recursos metabólicos que vitalizem os organismos possibilitando a "integração saudável e inteligente do sistema holístico corpo-mente-espírito".

As pessoas passaram a reconhecer sua subjetividade, querem lutar por um espaço para que sua singularidade encontre expressão no social. Ser castrado nesse seu "bem maior", sufoca quem conquistou e se responsabiliza por sua liberdade interior, sua capacidade de realizar escolhas sobre o que ache melhor para sua vida - sem se atrelar novamente à dependência de vínculos protecionistas que definem necessidades como porta-vozes do mundo interior das pessoas que vivem sob sua tutela - e de tomar decisões com coragem e firmeza, bancando com autonomia a expressão de suas forças internas, forças de sua verdadeira natureza, manifestação de quem realmente "é" e que demanda por "vir a ser", por constante "devir" no processo de viver.

No entanto, mesmo dentro de uma democracia que respeite as diferenças e a igualdade dos poderes legislativo, executivo e judiciário... Ooops! Como não se ofuscar ante discordância da ideologia, ou seja, do mundo das ideias, e da vivência prática do mundo real? Como falar em sistema democrático dentro de regimes autoritários, quase ditatoriais, pelas evidências de compras de votos e desvios de dinheiro público? Como falar em sistema democrático com o poder executivo aliciando a maioria dos representantes do legislativo e querendo se impor ao judiciário? Como adquirir lucidez sem cair na cegueira tão bem colocada por Saramago? Como ...  "Espera aí"!

É melhor recorrer a Espinosa. Lembram de suas ideias sobre epistemologia (ciência do conhecimento) e sua proposta dos três gêneros do conhecimento? Cito na sequência: consciência, razão e ciência intuitiva. Cito o link do Centro de Estudos onde se encontram as aulas sobre Espinosa do Prof.Claudio Ulpiano (já falecido, mas vale rever pela maestria de sua didática, inclusive) : http://www.claudioulpiano.org.br  . Para quem se interessar, também se encontram divididas em 10 partes de aproximadamente 10 minutos cada uma no Canal YouTube.

O primeiro gênero Espinosa chama de gênero da "experiência vaga ou da consciência", onde a consciência não é ativa, é constituída por marcas, signos ou letras, incorporadas do mundo fora de nós. Nesse caso, é resultado de forças que vêm de fora, significando que o "homem da consciência é o homem da servidão total", que não consegue ultrapassar a sua própria consciência, bancando suas forças de dentro.

O segundo gênero do conhecimento seria a "razão ou noção comum", que vai corresponder ao que chamamos tradicionalmente de conhecimento. A razão busca a verdade no campo epistemológico e busca o melhor no campo moral. O homem já começa a ter alguma atividade, se relaciona com as forças da natureza, é capaz como sujeito humano de discriminar e conhecer aquilo que está do lado de fora. Mas esse poder não permite que seja ainda produtor ou criador, pois tem capacidade de conhecer e correlacionar o que já existe fora dele. Não há liberdade interna, portanto, não há pensamento inovador, só crenças. Superstições e tolices são os grandes adversários do homem que vive sua consciência. A grande questão aqui, para Espinosa, é ultrapassar o fantasma, a superstição, o medo, o desespero e produzir o entendimento da natureza, que possibilitar trilhar pelo terceiro tipo de conhecimento. Já apregoava a necessidade do surgimento do novo homem, e que para isso urge deixar para trás o próprio homem que habita dentro de nós, mas não atinge nossa real natureza., quem realmente somos.

O terceiro gênero do conhecimento é chamado de "ciência intuitiva", sendo sua função inventiva, criativa. Esse tipo de conhecimento não surge para buscar o que é melhor para os homens, nem o que é verdadeiro na natureza, mas objetiva produzir "novos modos de vida, novas formas de pensamento, outra maneira de existir". Esse gênero envolve a questão da liberdade do pensamento, o poder sobre si mesmo advindo do contato compreensivo do homem com suas forças que vem de dentro, "a relação agonística de si consigo próprio", de seu reconhecimento e confronto com as forças de sua real natureza. Como diz Espinosa, o homem é livre na hora em que as forças ativas dominarem as forças que tendem à submissão, pois a liberdade só é conseguida no momento em que quem dirige a sua vida é você mesmo, quando a causa da sua existência vier de dentro de você. Daí vem a serenidade para o estado de beatitude e de alegria perfeita que abrange os que atingem momentos dessa plena lucidez.

A todos os homens é facultado atingir os três tipos de conhecimento. Olhando ao redor como a maioria dos homens que contemplo está imersa na servidão do primeiro tipo de conhecimento, volto a discorrer em termos dessa consciência. Analisando as forças psíquicas que se mobilizam dentro de vocês, vão sentir mais alívio e leveza pela superficialidade das energias atuantes, o homem passivo determinado por forças que vêm de fora, oculta suas angústias pela opressão vivenciada, e veste a máscara dos personagens com os quais se identifica. Então lá vamos nós...!

As histórias infantis não perdoam o caráter mesquinho de personagens como tio Patinhas, sua ambição e avidez por por possuir mais e mais, e seu tesão por abarrotar seus cofres, já cheios, com o "rico dinheirinho". Muitas delas ainda descrevem sua avareza e sovinice, seu prazer doentio em subjugar com ironia e sarcasmo seus parentes próximos como o Pato Donald e seus sobrinhos Zézinho, Huguinho e Luizinho, que se submetiam a perversas e vexatórias humilhações nas vezes que se arriscavam a pedir emprestado algum dinheiro a esse velho caracterizado inicialmente sempre de mau humor e preocupado em trancafiar seus tesouros, em não perder a riqueza acumulada. No seu caso o apelo, embora negativo, era mais ao peso do acúmulo do que a um consumo parcimonioso e saudável.

Na maioria das vezes a aquisição do dinheiro vem cercada do simbolismo da felicidade. Não é raro, pessoas que ganham, facilmente, "boladas na vida", por herança ou sorteios milionários, serem retratadas "nadando em dinheiro", filmadas em locais com notas espalhadas, deitadas e cobertas por elas. Muitas se esmeravam a tocar as notas, muitas vezes as jogando acima de suas cabeças, as movimentando atabalhoadamente para aumentar sua percepção de posse sobre o total do ganho e o difuso poder que passaram a ter em suas mãos.

Também não é difícil serem retratadas em suas perdas dos grandes montantes e declínio pessoal por não saberem administrá-lo aumentando o patrimônio, em vez de esvaziá-lo sem contarem com reservas financeiras para uma vida futura mais suave, sem grandes lutas para melhor sobreviver. É estranho ouvi-las comentar algum alívio posterior, pelo alto preço que estavam pagando no mundo das relações por terem se tornado ricas. Parecia para alguns que sua alma empobrecera. E para outras que precisavam "vender a alma ao diabo" para permanecer no "mundo dos ricos".

É visível o contentamento e alegria ante o resgate da própria alma, castrada e enclausurada na teia do dinheiro, na voracidade do "quero mais, quero mais"; na concorrência desleal do "tenho que" ganhar custe o que custar; na volúpia do "preciso passar por cima de quem estiver na minha frente para alcançar meus desejos; na difícil contenção do imediatismo exigido pela "impaciência intolerável" e "desconfiança paranóica" expressa pelo medo de ser traído, ou de perder espaço no "império do dinheiro dentro do mundo dos ricos".

Muito do valor do dinheiro vem do esforço por obtê-lo, do suor do trabalho braçal ou intelectual dispendido em sua aquisição. É interessante observar a mudança do design no mundo dos investimentos, como planejamentos e estratégias adquirem conotações inteligentes nesse novo milênio, não só para os "experts" no assunto, mas como "educação para uma nova sociedade, mais lúcida e ponderada", em que nem sempre os fins justificam os meios e que, postergação e planejamentos de ganhos futuros, podem representar novas valorações de poder para o mundo interno do ser humano.

Sentiram a diferença?

Termino ainda com Espinosa, no que considero sua apologia da verdadeira liberdade.
A liberdade se opõe a constrangimento. É livre todo ser que não é constrangido ao fazer a sua produção.
A Liberdade é igual a causa ativa, sendo assim a liberdade é igual a "efetuação da natureza".
Portanto, é livre aquele ser que ao agir "efetua a sua natureza".

E vocês? Estão dentro desse perfil do homem criador/inovador, ou se enquadram mais no homem consciência, ou mesmo no homem razão?

Aurora Gite

Em tempo:
* Indico o Programa Alexandre Garcia : Violência 
(disponível desde ontem na Globo-News ou no Canal YouTube)
Aborda o acirramento da violência incitada pelos internautas; analisa o comportamento agressivo atual; avisa sobre o fato de que células neonazistas já estão no Brasil passando a tática de guerrilhas ... Pontua possibilidades de como resolver isso.
Vale assistir e compartilhar!
https://www.globotv.globo.com/globo-news/globo-news-politica/t/todos-os-videos/v/casos-recentes-de-crimes-e-violencia-incitados-pela-internet-gera-polemica-e-debate/3346760/

** Professor de Filosofia Cláudio Ulpiano - (1932-1999)
( "Centro de Estudos Claudio Ulpiano" conservado ativo, após sua morte, mantendo viva sua produção :
www.claudioulpiano.org.br )

*** Filósofo Baruch Espinosa - (1632-1677)
(Pelo país chamado Bento, sendo válida também a escrita Espinoza ou Spinoza)

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