sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Ensinar, educar, formar para a cidadania? Que "balaio de gatos" atualmente!

E não é motivo de preocupação perceber esse "balaio de gatos", essa confusão cercando o que vem a ser, ou melhor, o que vem a significar, atualmente: ensinar, educar, formar para a cidadania? Ferramentas computacionais agregadas a representações virtuais nos remetem a uma aprendizagem construtivista, demandando a combinar como o indivíduo se percebe, como se organiza, como processa a informação para se obter melhor qualidade de ensino. Luc Ferry, filósofo e educador, propõe a criação de um novo humanismo com foco no amor, na ampla troca dialética interpessoal em vários campos de interação humana, para criação de uma sociedade mais justa e convivências mais pacíficas. (vídeo de 05.08.2012 de palestra do Café Filosófico na TV Cultura cpfl, "Filosofia para um Novo Tempo, disponível no YouTube).

Como fazer a adaptação ao "novo paradigma pedagógico ante a informática educacional, a realidade virtual, a ciência cognitiva e inteligência artificial", aos robôs professores interagindo com a afetividade de alunos, crianças ou adultos de carne e osso, coração e mente esperando ser estimulados a ter um engajamento ativo como ser vivente e motivados a ter interesses e curiosidades despertas pelo que ocorre a seu redor?

Qual virá a ser a principal função do pedagogo, a não ser ensinar a arte de aprender, o gosto e a curiosidade por ampliar campos de conhecimentos e sua aplicabilidade prática. Transmitir informações os robôs, as redes sociais e a internet globalizada já o fazem. Qual será o papel da didática de um professor motivado não só a ensinar mas a aprender em uma relação dialética (de troca) com os alunos, os quais, por vezes, chegam às salas de aula com maior domínio sobre assuntos de seu interesse pesquisados previamente na internet? Como será o engajamento do professor desse milênio, se não construir e "se construir" no processo ensino-aprendizagem que se desenvolve na relação aluno-professor? Não é fácil conviver com a angústia do "não saber". Não é confortável expressar com humildade um "Não sei, mas posso ajudá-lo o orientando em suas buscas!"

Como ajustar o processo de aprendizagem que prima agora pela interatividade e flexibilidade? Parece que as escolas terão que abrir mais espaço nos processos decisórios para os professores e os pais:                 "Quando nos negamos a discutir algo dando a verdade que se apresenta como certa, colocando nossas crenças e decisões pessoais no primeiro plano, estamos matando o direito à livre informação, contraponto da livre expressão.[...] A questão é "como discutir, com que bases argumentar" sem abrir mão do respeito pela opinião do outro e pelo que ele tem a mostrar... tendo sempre em vista que uma escolha racional nem sempre é uma escolha ética por um autêntico querer. Uma escolha moral, embasada em obrigatoriedades e deveres sobre "como deve ser", difere da ética que envolve não mais um questionamento sobre "como devo agir", mas profundas reflexões sobre "que vida eu quero viver, e o que é uma vida que valha a pena ser vivida" (Yves de La Taille, Desenvolvimento Moral, vídeo disponível no Canal YouTube).

Como "acoplar o aluno em seu próprio ritmo interno, nível e estilo mais adequado?" Como "apresentar tópicos educativos de modo atrativo, criativo e integrado" em uma educação auxiliada por computador e uma aprendizagem autorregulada por sistemas tutoriais inteligentes, onde o ambiente de aprendizagem é baseado em simulação (estratégia de ensino)?" E "que padrão ético me permite, ou a outrem, o juízo sobre a viabilidade da vida de alguém?", sobre o que lhe é certo ou errado? (www.eps.ufsc.br/teses...cap.1.html)

E nosso governo se volta, pensando na degradação do ensino que, segundo seus dados estatísticos, não se sustenta até 2022? Mas emitir, apressadamente, por MP (Medida Provisória) não mais por Projetos de Lei, reformas do Ensino Médio, sob a alegação que poderia ter sua aplicação de imediato, enquanto já existiam Projetos de Lei emperrados em 2012/13, pelo agregar de detalhes e mais detalhes, ainda não postos em discussão. Mais uma falha de nosso sistema político? Mais uma postergação e desinteresse  de nossos políticos com o bem estar social, promessa de campanhas eleitorais?

Como refletir nas mudanças propostos, sem pensar em suas repercussões práticas? Aumento de carga horária para 7 horas? Crianças entraria às 8 e sairiam às 16 horas descontando 1 hora de almoço? Medidas visando um ensino de tempo integral no papel, mas teriam condições efetivas para serem concretizadas a contento? Como ficariam os custos com refeições, se hoje até verbas com merendas entram na pauta dos desvios por corruptos?

Atribuição falaciosa de poder de escolha à uma "geração y selfitizada", "narcísica e nada empática" e "superficial, voltada ao mundo das aparências", que "não encontra espaço no mercado volátil, que se renova a cada minuto e, com isso, busca inovações criativas constantes"? Como os alunos, com esse perfil e desinteresse em se aprimorar, irão aplicar os parcos conhecimentos práticos adquiridos na escola atual, ainda mais sem previsão de um retorno financeiro compensador necessário a sua sobrevivência pessoal, quiçá familiar, e que garanta um sobreviver autônomo no futuro? Sem retaguarda financeira, como podem entrar em Programas de Educação Continuada, para suas reciclagens e atualizações, como o mercado demanda?

Que formação pretende dar esse governo ante a retirada da grade curricular de disciplinas como Artes (ou Educação Artística) e Educação Física? Vale ler e reler, "A República" de Platão! Tornar optativas, acredito que por ignorância do que abarcam e das repercussões sobre a formação das personalidades dos alunos, as depreciadas "Filosofia e Sociologia", que ensinam, respectivamente, a pensar, investigar e refletir sobre si mesmo e sobre a vida...  e a conviver com as diferenças do coletivo, se incluindo no social, refutando formas de violência irracionais? Reforçar a obrigatoriedade do Português e da Matemática, com a inclusão aqui do Inglês, sem refletir sobre suas didáticas atuais, sobre as mudanças que formalizam abreviações na nova linguagem e comunicação digitalizada?

Entendo "educação" como "formação de cidadãos", tal qual o filósofo e educador Mário Sérgio Cortella (vários vídeos sobre essa temática disponíveis em youtube.com). E se tornar um cidadão integral, apto a exercer sua cidadania, envolve apurar sua capacidade de pensar em si dentro do social. Sendo assim. educar envolve o facultar ao aluno se aperfeiçoar seu caráter e ter autodomínio e controle sobre sua índole, inclusive. "Educar é fornecer a alguém os cuidados (e recursos) necessários ao pleno desenvolvimento físico, intelectual e moral". (Dicionário Houaiss). Será que os membros dos Conselhos de Educação partem dessas premissas, ao terem elaborado "de cima para baixo" as alterações que já estão em vigor pela recente MP assinada agora em setembro? Entra em vigor com todos os aspectos da implantação prática ainda soltos no espaço só das ideias.

Não concebo um educar que não seja voltado para contribuir um amadurecimento emocional e um pensar autônomo responsável, um autodomínio e gerenciamento sobre emoções, um senso crítico voltado ao convívio ético e empático com os limites e as necessidades dos demais. Vivemos uma deterioração de valores morais e das referências das tradições familiares, responsáveis por muitos pilares que orientavam prioridades em diversos campos de vivências dos descendentes. Passamos por uma degradação ética da arte de convivência pacífica e respeitosa de hierarquias compreendidas por escalas racionais de entendimento. Enfrentamos uma crise social pela ausência de sabedoria na arte da diplomacia, no argumentar e negociar.

Agressividade direta ou passagem ao ato sem pensar, sem usar a razão para intermediar a explosão de impulsos ("acting out" psicanalítico), é o que temos observado permeando a violência social. Tais reações demonstram a dificuldade, cada vez maior das pessoas lidarem com limites, conterem as angústias decorrentes de frustrações e controlarem impulsos e ações destrutivas. Some-se a esse quadro o imediatismo na busca de autossatisfações sem o aprendizado sobre o uso da inteligência emocional. Intolerâncias com divergentes ganha prioridade no convívio social, argumentações e direitos não são mais escutados, vigora a lei do mais forte ou do mais esperto... interações muito distantes de inclusões pacíficas.

Pontuo o perigo, ante as recentes alterações educacionais nesse período de transição social de início de milênios, com acelerados avanços tecnológicos e mudanças nos perfis de mãos de obras pelo amplo uso de robôs, ou não uso da mão humana como caso da inteligência artificial auxiliando nos cuidados a doentes, assessorando afazeres doméstico, e - o que é pior, a meu ver, "psicotizante" - da inclusão da eletrônica em sua distante, e invisível, monitorização inteligente  na condução de veículos, por exemplo, nos obrigando a conviver com outra realidade como a de um carro se movimentando, sem nenhum condutor!

Como educador, como avaliar o perfil do aluno advindo do ensino autodidata pela internet, inserido na realidade virtual, e alinhar seu educar ao mundo caótico atual, mantendo a própria sanidade mental?

Mais me parece que as recentes medidas encobrem a isenção do governo perdido, ante a confusão de informações e conhecimentos que dificultam montar programas e grades curriculares voltadas ao educar integral de um "indivíduo humanizado". Mais me parece a incapacidade de um governo e sua "cegueira em distinguir ensinar de educar moralmente, além de tecnicamente, um corpo de docentes eficiente e eficaz para fazer frente aos novos paradigmas no ensino, impostos pela cultura emergente das "transformações culturais acachapantes" do milênio. Parece melhor ao governo, no campo da Educação, limitar suas atuações a reforçar recortes pontuais da realidade educacional, mantenedoras do "status quo" , do que se deparar com a eclosão de jovens questionadores por Justiça Social.

Mais me parece a dificuldade reflexiva de um governo que se isenta, ainda, de assumir seus erros nas montagens de programas de aprimoramento e reciclagens contínuas; de bloquear diálogos diplomáticos e soluções que contemplem igualmente os lados envolvidos; de reconhecer financeiramente os méritos de docentes, dentro do famoso critério da "meritocracia". Penso que os docentes deveriam se acautelar com essas novas medidas, que diminuem suas horas/aulas -logo seus salários e espaços de ensino; que mexem com a extensão das licenciaturas e diplomas do magistério, em vez de sanar deficiências no ensino pela revisão de atualizações metodológicas e renovações na didática.

Penso que os pais deveriam se preocupar e ponderar se têm condições, ante as alterações e controle governamentais sobre o que é ensinado a seus filhos, de caminhar junto na formação de personalidade (formação da maneira de ser) dos mesmos. Penso que deveriam se inteirar mais do teor dessas medidas e pensar se estão de acordo com as propostas desse novo ensino. Acredito que deveria haver muita reflexão se, por trás, dessas medidas não haverá a intenção de colocar uma "mordaça e camisa de força" na criatividade espontânea e curiosidade natural individual; no espírito solto, empreendedor e inovador de seus
filhos; no senso crítico e vontade de adquirir uma autonomia não direcionada, que se traduz em movimentos de revolta, muitos a meu ver significando um "SOS", grito de socorro de almas livres ainda, pedindo libertação das amarras que a entrada no processo civilizatório lhes impõe. (vide Freud em seus estudos sobre "O Mal Estar da Civilização"?

Termino me questionando sobre como os educadores, que manipulam teorias educacionais e práticas de ensino e didática, enfrentam seu próprio "SOS" e buscam se libertar de suas amarras internas, suas crenças irracionais, seus desejos mal atendidos. Penso que quanto mais se preocupem em se autoconhecerem e reforcem sua razão, mais serão candidatos a serem bons docentes, enfrentando o mal proveniente de diretrizes padronizadas, a maioria mantenedora de "status quo obsoletos". O foco deveria estar no inovar suas didáticas e estratégias de ensino, buscando fortalecer os recursos dos alunos em estabelecer "e seguir" metas para atingir seus objetivos. Não é fácil, ainda mais na adolescência, alinhar decisões pessoais, tomadas em um existir limitado por restrições e opressões sociais, com suas vontades internas, desejos que emergem do querer genuíno de suas índoles, únicas e individuais, que buscam expressão adequada em um viver cotidiano, que afeta a todos nós.

Lúcia Thompson


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