sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Ver para Crer? Não Ver para Crer? Crer para Ver? Em qual está?

Presentão, adorei!
Ganhei o livro " Os Dez Mandamentos (+um): Aforismos teológicos de um homem sem fé / Luiz Felipe Pondé - São Paulo: Três Estrelas, 2015.

Como costumo fazer, procurei ler os editorais contidos na contra-capa e nas chamadas "orelhas" de um livro. Nelas constam referências ao conteúdo da obra e sobre o autor. Por exemplo, ao lê-las fiquei sabendo que Pondé, além de filósofo e professor da PUC-SP, também exerce esse cargo na FAAP. Acrescento seu papel como comentarista do Jornal da Cultura, jornal televisivo às 21horas na TV Cultura, onde com suas críticas irônicas com humor e sarcasmo sobre os problemas cotidianos - como é de seu estilo - leva boa parte dos espectadores a refletir de forma realista sobre o que ocorre no quadro social.

Noticiários midiáticos atuais e a realidade agressiva e sanguinolenta, que nos mostram o pouco valor dado à vida e às interações humanas, mais nos intoxicam e deprimem. Chega a ser irritante para muitos, inclusive, o uso da deturpação do que ocorre ante os recortes de fatos como fonte para conseguir ibope ao atrair mais pessoas apreciadoras de "espetacularizações emotivas".  Poucos se voltam a discernir as notícias e imagens que aguçam seu lado sadio e sua curiosa cidadania para saber o que acontece no quadro social. É preferível "não ver para crer" e mergulhar em sistemas de crenças, idolatrias e fanatismos irracionais; desde que preservem ideologias, tradições obsoletas e valores disfuncionais, mesmo que reconheçam sua inutilidade como forças integradoras nos dias de hoje.Ver e se reconhecer impotente para lidar com o que lhes causa desconforto, não vale a pena; é melhor "ficar na minha e observar no que vai dar tudo isso!"

Inverti a ordem dos livros à espera de minha leitura e não me arrependi. Tinha lido outras obras de Pondé. Mas essa mereceu que, na primeira página - como faço por hábito - após qualquer leitura, colocasse : "Excelente, merece ser relido e consultado periodicamente!". Acompanhei o trajeto ideativo de um autor que se diz "darwinista descrente" e"ateu pessimista". Como ele mesmo deixa registrado: " Eu mesmo me tornei ateu aos oito anos, sem fazer esforço algum"(...) "O niilismo não me assusta (...) Permaneci imune ao ateísmo bruto" (p.9)"; Como Kafka padeço do pecado do pessimismo" (p.12); "Entre o ateísmo e a fé, tornei-me uma espécie de místico" (p.10); "O intelecto do místico, sua vontade e seu espírito passam a carregar as marcas desse Deus que habita as trevas. A personalidade do místico revela o 'comportamento divino', marcado pelo esquecimento de si mesmo, pela generosidade (receptividade ao outro?) e pela misericórdia (tolerância?), que são os maiores predicados do Eterno." (p.20).

No final da leitura, realmente, eu dava as mãos a um esperançoso vivente, portador de uma grandeza ética imanente e uma força interna como ser humano, que atingira a etapa evolutiva do "Crer para Ver", sob o impacto de observar a importância do Amor e da Esperança como fontes divinas mobilizadoras de nosso lado espiritual, a serem conquistadas -não sem esforço - na difícil jornada evolutiva da alma do ser humano para alinhar as forças de sua existência com as diretrizes inatas de sua essência.

Embora contemplando um vasto conteúdo, articulando a ambiguidade de inúmeros conceitos abstratos, Pondé tem um estilo claro e objetivo, que propicia ao leitor leitura de fácil compreensão e lhe faculta muitos questionamentos, dúvidas e reflexões. Para ele, a espiritualidade é uma "questão urgente", pois ela caminha para o desaparecimento, à medida que a religião vai sendo transformada apenas em um meio de obter felicidade e sucesso. Neste mundo imerso na banalidade e no vazio, é também urgente recuperar a esperança na vida". Para ele, "hoje", como foi a visão de Dostoiévski em sua época sobre o homem moralmente vazio, distante da perfeição e melancólico, o niilismo é "um fato histórico que gera agonia; só quem mente não vê que não existe mais fundamento para nenhum valor e que tudo é permitido. Ao mesmo tempo, o niilismo é um espelho no qual se reflete o ridículo de nossa autossuficiência."(p.44)

O autor intitula de "teologia selvagem" a forma como ousa abordar os Dez Mandamentos e suas consequências práticas, bem como encontra coragem para refletir em cima dos dogmas ritualísticos judaico-cristãos que perduram inquestionáveis, embora muitos sejam irracionais e obsoletos. Muitos conceitos que se voltam ao "religar" do homem com o divino, criados pela imaginação humana, foram transformados em ficções para controle, como forma de manutenção de poder e do "status" religioso. Pondé se permite, assim, seguir livremente a trilha que a originalidade de seus pensamentos criativos e a lógica de suas articulações ideativas inovadoras o conduzem.

Meu interesse pelo dinamismo da energia psíquica (quântica a meu ver) e os mecanismos emotivos afetados em seu trajeto, logo se voltou para as reflexões de Pondé e sobre sua abordagem da dinâmica de vários temas abstratos como: Justiça, misericórdia, culpa, perdão; verdade, mentira, pureza, honestidade, tristeza; castidade, adultério, morte, o medo; divindade, idolatria, egocentrismo, a ingratidão da humanidade; o "pecado da política" e "o coração reto", a "humildade, a cegueira do orgulho, a máscara da vaidade, o homem bíblico", o Bem e o Mal, "o behaviorismo religioso frente às multidões"; a esperança, Deus, Amor, "presença do eterno dentro de si"... "uma eternidade que esmaga a criatura"... e mais, muito mais! Realça que "Uma vida vã é aquela que toma a si mesmo como epicentro das coisas. Sendo assim, a invocação de Deus será necessariamente vã, quando cheia de pedidos e cobranças."(p.45)

Quando me percebi estava seguindo Pondé e facultando a aproximação na realidade atual de pensadores como Nietzsche, Kafka, Espinosa, Kierkegaard (que talvez dissesse para "dar um salto na fé", obtendo outra qualidade de afeto e de ser), Dostoiévski, Tolstói, Camus (Mito de Sísifo e o castigo da mesmice no tédio da repetição), Burke, Schopenhauer (o desespero e o pessimismo da alma humana), Durkeim (a "força do sagrado" das influências do grupo social), Eliade ( "sagrado" é "aquilo que é"), Carpeaux (e sua percepção do divino e do belo), Becker (A Negação da Morte), Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Platão e seu "Banquete", Freud e seu constructo ideativo sobre a felicidade não alcançada ... e mais, muito mais... O "crente" Kant e seu imperativo moral, os iluministas como Montaigne e Voltaire ... realçando que "o ceticismo sempre está acompanhado da valorização das tradições e dos hábitos" e que "aos olhos desses pensadores, não se pode confiar no castelo de ar que a razão constrói"- p.65); a Revolução Francesa, os jacobinos, o "patriarcalismo" (p. 69)... E por aí transita Pondé, ao tecer suas considerações crítico- realísticas sobre os Dez Mandamentos aplicando-os na sociedade atual, inclusive.

Parece miscelânea? Existe uma conexão lógica ideacional entre eles, como não?
Como enquadrar tudo isto nos Dez Mandamentos e ainda propor a criação de +um Mandamento?
Como relacionar com as máximas (aforismos) teológicas de um homem sem fé?
Como desvelar em meio a todas essas considerações a existência de +um Mandamento, quiçá o +importante, pois mobiliza a um viver +pleno e +autossatisfatório, e a um "se aconchegar" em um "prazer imanente, eterno e divino"?
Como não me ver fascinada pelas articulações de Pondé, inclusive sobre o "autêntico Amor", visto que o objeto de meus estudos são os mecanismos psíquicos por trás dos fenômenos quânticos, que, a meu ver, envolvem o mundo subatômico de uma "consciência mais espiritualizada", "afinidade de conexões" imantadas e comandadas por uma "energia não visível mais sutil", atuação observável pelas consequências, que implicam em um "Crer para Ver"?

É conferir e ter a coragem e a ousadia para se embrenhar nessa jornada espiritual. É sentir o tesão (prazer genuíno) no engajamento da própria alma humana voltada para a conquista desse ideal na vida.
É partir do "ver para crer", científico e positivista, passar pelo "não ver para crer" do sistema de crenças, e alcançar o "crer para ver", que, a meu ver, é a marca desse milênio.

Como não dar as "boas-vindas" ao século 21 e a nova visão de mundo e de homem que surge?
Como não dar as "boas-vindas" à percepção da explosão advinda de uma Ética Superior Imanente à condição humana, que conduz à conquista de valores internos como o respeito às diferenças e o orgulho ante um aprender a crescer com as divergências?
Como não dar as "boas-vindas" à eclosão e reconhecimento de forças naturais advindas de moral endógena, como o cultivo da honradez e dignidade, advindas da Essência Humana, que ocupam um espaço oculto em cada um de nós, e são responsáveis pela "alquimia evolutiva de nossa energia vital"?

Só os poucos que atingiram a percepção dessa grandeza imanente e estado interno que gera, que prezam a conquista da serenidade e plenitude em seu mundo interior, conseguem, ante a preservação da conquista de sua unicidade existencial e solidão essencial, canalizar suas energias vitais - subatômicas ou quânticas e seu poder de "bioeletromagnetização" alterando até o metabolismo "bioeletroquímico" - para que se voltem à conexão e vínculo afetivo natural com outras grandezas psíquicas superiores a nível de estados alterados de consciência, para além do microcosmo espiritual da condição humana conhecida.

Lúcia Thompson


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