terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Supervisão em Psicologia no Hospital Geral, no novo milênio?

Como premissa básica para se abordar o tema da "Supervisão em Psicologia" e se tentar falar em construção de um "modelo de supervisão", não se poderia deixar de focalizar a importância dos profissionais envolvidos terem bem definida sua visão de "um psicólogo em suas funções" e da "própria Psicologia". Tal fato influenciará na formação de sua conduta profissional, assim como a visão de cada autor, sobre o "Homem" e o próprio "Mundo", contribui com as diretrizes de suas construções teóricas.


Este texto foi enviado para a Divisão de Psicologia (USP) em julho de 1998. Não houve nenhum debate sobre as ideias contidas no mesmo, nem sobre sua aplicabilidade nesta data. Ocorreu o fenômeno conhecido por "engavetamento" sempre atendendo "disputas egóicas visando o poder", deixando de lado a evolução institucional e o crescimento meritório de seus colaboradores internos e equipes de trabalho. Na apresentação de algo novo, imperava a ameaça de "Nem pense em tomar meu lugar!".


Continuando o texto de 98: "Atualmente com a expansão da globalização, a transformação cultural dela decorrente e o acelerado processo tecnológico e informativo, torna-se imprescindível uma constante reavaliação de posturas fechadas e individualistas, e de teorias e técnicas menos abrangentes e sem embasamento científico, em prol de atitudes profissionais mais flexíveis e integradoras, e propostas de atuação dentro de perspectivas teóricas diversificadas."


Faço a ressalva que das 53 psicólogas que constavam do quadro oficial, a maioria era de psicanalistas (freudianas, lacanianas, uma seguindo a Teoria dos Campos - e desconsiderada por isso); uma fazia sua leitura dentro da linha analítica junguiana, uma atuava dentro da teoria cognitivo-comportamental...   Notava que as psicanalistas sempre se digladiavam na defesa de seus pontos de vista, deixando de lado, na discussão de casos clínicos, a colocação dos efeitos de suas atuações nos pacientes atendidos. Nessa época, eu era a única que defendia a adoção de uma linha compreensiva eclética, podendo o profissional se deslocar para várias perspectivas na escolha dos recursos de interpretação e instrumentação, conforme o quadro clínico demandasse. Ansiava pela introdução de um "jogral científico", substituindo painéis temáticos, onde profissionais, com a devida seriedade que a ciência demanda, expusessem sua diversidade de leitura e atuação, na análise do mesmo quadro clinico. Não havia interesse na introdução dessa inovação!


Convém deixar registrado que, como profissional concursada da Instituição Hospitalar, eu vinha de dois anos de Grupos de Estudos sobre Melanie Klein, encontrando mais facilidade na leitura das angústias e fantasias dos pacientes e no trabalho das mesmas no aqui e agora de cada sessão de atendimento aos mesmos. A Gestalt atraía minha atenção, bem como a linha humanista rogeriana e seu tripé para abordagem do paciente levando em conta a compreensão empática, congruência de postura e aceitação incondicional. Não foi difícil, com esta disponibilidade interna, após uma palestra proferida pela Prof. Dra.Yolanda Forghieri sobre Fenomenologia Existencial, discorrendo sobre o ser humano e seu "tornar-se" na plenitude de seu existir, de verificar ser este o espaço que me facultava a leitura do ser humano e seu sintoma, preservando minha liberdade e minha responsabilidade ética como profissional da área psíquica, sem pressões para rígidos enquadres teóricos emoldurarem meros casos clínicos. Indico: "Psicologia Fenomenológica: fundamentos, método e pesquisas", Yolanda Cintrão Forghieri. São Paulo: Pioneira, 1993, com conteúdos ainda atuais, é ler e conferir!


Já notava a necessidade de compreensão do ser humano em suas três dimensões (temporal, espacial e transcendental) que exclui visões psicológicas mais estáticas e voltadas para uma única direção humana. Haverá momentos terapêuticos, onde torna-se mister uma leitura no "eixo temporal", que envolve predominantemente aspectos passados, presentes e futuros, com a devida utilização de técnicas psicológicas e estratégias de determinadas linhas teóricas. Em outros contextos, a demanda inicial pode reportar a uma leitura no "eixo espacial", necessitando o psicólogo de novas instrumentações para possibilitar que seu paciente possa aliviar ou bloquear situações ambientais, que estejam interferindo negativamente em sua vida. Na época atual (julho, 1998) as necessidades do "eixo transcendental" - não confundir com crenças místicas ou superstições criadas por religiões fixadas em seus dogmas milenares - adquirem grande destaque, pois o homem encontra-se sob enorme pressão ante a acelerada mudança social, política e econômica, que o põe em contato com grande impotência e insegurança, e com as angústias e doenças, que esse quadro acarreta.. O confronto com questionamentos existenciais torna-se obrigatório. O resgate do sentido da vida e da importância do viver, para esses pacientes, novamente impele o profissional a buscar novos instrumentos técnicos, e a trabalhar, cada vez mais, a qualidade das relações internas e externas, a nível de energia física, psíquica e metafísica - aspecto que ganhou maior amplitude graças às descobertas da Física Quântica.


Ante o exposto, urge a reflexão sobre um modelo de supervisão embasada na Ciência e seu constante dinamismo. Algumas características como as humanistas, holísticas e sistêmicas, poderiam permeá-la, constituindo-se em pilares para a construção de um modelo aberto de supervisão. Esses pilares possibilitariam o respeito às individualidades e potencialidades tanto do supervisor, quanto do supervisionado, e inclusive do próprio paciente, cujo caso é trazido para a supervisão.


Registro minha decepção, então, ao ter diante de mim um supervisionado com bloquinho de papel, sem nenhuma leitura do quadro clínico ou interesse em uma forma pessoal de atendimento condizente à demanda particular daquele paciente, sem procurar se ater aos recursos de atenção flutuante sobre as configurações dos sintomas como formação de compromisso; nem da escuta da associação livre e encadeamento de ideias e representações, que lhe trariam dados sobre o inconsciente do paciente - já que lhe era direcionado pelas aulas curriculares do próprio Centro de Aprimoramento (CAP) e pela Divisão de Psicologia (DIP) para seguir a linha psicanalítica, que representava, e ainda representa, "discurso de poder" dentro da Instituição.

O que fazia como supervisora? Pedia registro das sessões, forma para que o supervisionando se ativesse à uma escuta psicanalítica e mantivesse sua atenção flutuante, indispensáveis no campo psicanalítico: já que não, naquele momento da supervisão, ele não se atinha à associação livre trazida pelo paciente, muito menos ao conteúdo latente em seu discurso, mas se fixava ao conteúdo manifesto, ao concreto do que era dito por ele. Ante o registro, por vezes, o supervisionando, surpreso, estabelecia correlações entre as falas, que lhe escapavam, ao relatar oralmente suas impressões sobre o paciente trazido para discussão de caso clínico, durante a sessão de supervisão.



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