quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Quem sou eu? Ou como faço para saber quem sou?

Um dos maiores paradoxos da vida reside na resposta a essa pergunta. Dados pessoais nunca a responderiam. Nome, idade, sexo, estado civil, profissão , descrições de aparência servem mais para encobrir a pessoa que realmente somos.

Padrões externos, incorporados por nós, contribuem para estruturar nossa "Torre de Babel" interna. O contato direto com nosso potencial verdadeiro, desejos e necessidades, se perde ante tantos linguajares distintos. "Você é assim, seja assim, você deve ser assim"... Mais ruídos incompreensíveis, maior insatisfação e vazio em quem os acolhe.

E as sociedades se perguntam por que o caos entre as pessoas? Por que tanta violência e agressividade? Por que o desrespeito se alastra? E o ser humano se questiona sobre qual seria a causa de tamanha angústia, levando à depressão e ao pânico - males do século passado, assim podemos considerar - ou ao aumento de manifestações perversas e surtos psicóticos - males do século 21.

Revendo com atenção filmes infantis, sempre encontro respostas para constatações humanas atemporais e inquietantes. Muitos me mostram, inclusive, quais são os passos necessários rumo à saúde mental. Dois deles, em especial, "O Pequeno Princípe"(de Saint Exupéry) e "Duas Vidas"(com Bruce Willis) abordam o reencontro com nosso "lado criança", abandonado durante a inserção no que foi chamado de "civilização".

Quantos papéis assumimos abandonando esse nosso lado imanente, ou quem realmente somos. Muitas vezes ante a expectativa de que o outro nos aceite e possa nos inserir em seu mundo afetivo. Grande erro, pois buscamos ser o que não somos para nos enquadrar no que o outro espera que sejamos. o que prevalece, portanto, é o desejo do outro, e não o nosso. Em nosso interior se alastra a pobreza da autoestima e a fragilidade egóica, representadas por esse esmolar afeto , esquecendo que é de dentro de nós que vem o clamor: "Ei,olhe para mim, me dê atenção, me escute, me dê seu afeto! Você esqueceu que somos parceiros na vida?"

Acredito que de Tolstoi tenha vindo a famosa frase:"Sei que sou, que existo, mas que só posso tornar-me eu através do outro." Ela nos indica a ponte a trilhar no intercâmbio entre os mundos interior e exterior, nos dando a dica para obter nosso autoconhecimento. Não é mágica, nem tão simples. Está no esforço e empenho em buscar entender as projeções feitas e reincorporar o que de nós foi depositado no outro.

Quem de nós não se viu, quando criança, tímido e ingênuo, buscando a compreensão dos adultos ao mostrar suas obras-primas, emolduradas pela espontaneidade e autenticidade das intenções infantis?

No entanto, toda exposição também se torna um risco se não tivermos um autoreferencial bem fortalecido. Pode acarretar grande desapontamento se acarretar uma enxurrada de opiniões desumanas em seus parâmetros subjetivos, descrições frias e objetivas, julgamentos preconceituosos. Isso tudo remetendo ao fechamento e isolamento, à repressão de parte de nosso ser que só queria "ser livre", expressar seu "ser feliz" e ter o devido respeito e acolhimento ao tentar abrir seu espaço no mundo dos adultos.

O filme "O Pequeno Príncipe" retrata esse processo muito bem:

  • as inúmeras tentativas de um menino buscando, sem sucesso, que adultos reconhecessem seu desenho de "uma jibóia que engoliu um elefante";
  • ao crescer e se tornar adulto, sua fuga de um mundo que, segundo ele, enlouqueceu só falando de gravatas, conquistas, dinheiro, e notando que precisava respirar, fugiu e se pôs a voar já que precisava de ar;
  • o imprevisto da queda do avião que pilotava e a impaciência ante a busca de prováveis defeitos e correções;
  • o impacto do inesperado encontro com seu lado menino em meio à solidão e ao silêncio de deserto que se encontrava;
  • o confronto com sua essência-alma, flor única para qualquer ser humano a exigir seu amor e cuidados por toda sua existência;
  • o contato com a raposa que lhe ensinou sobre o amor, sobre o cativar e ser cativado, e que lhe fez entender que sua flor se tornou importante e única pelo cuidado que lhe havia dispensado. "Nos tornamos responsáveis pelo que cativamos." "O essencial só é visível aos olhos do coração.";
  • a necessidade da separação entre o lado adulto e o infantil na vida prática;
  • o retorno do lado infantil à nossa memória, permanecendo com seu riso espalhado por todas as estrelas no céu, podemos ouvi-lo por toda vida, se assim o quisermos. "Nosso jovem coração" conserva a alegria e os velhos sonhos.

O filme "Duas Vidas" nos encaminha mensagens semelhantes. Retrata como a parte infantil continua viva dentro de nós, independente da passagem do tempo cronológico.

  • Nossos sonhos de infância continuam nos incomodando.
  • Mesmo nos tornando homens e mulheres bem sucedidos, não nos sentimos plenamente realizados. Algo nos falta. As conquistas não têm sentido, que nos preencha a vida e dê significado para nossa existência.
  • Posturas egocêntrica e mimadas não estão abertas ao amor. Guardam amargor e sofrimento, pois não sabem reagir a frustrações de outra forma. Ao só receberem, não abrangem a felicidade contida no "dar de si".
  • Em qualquer momento de nossa existência, temos um encontro marcado para o enfrentamento com os fantasmas de nossa infância, para a atualização de experiências sofridas e liberação e melhor direcionamento do afeto represado.
  • Ao buscar a integração com nossa criança interior, apoiá-la com o adulto que somos, para que ela possa reviver suas experiências dolorosas com menor sofrimento, estabelecemos com ela um verdadeiro vínculo de amizade.
  • Somos capazes de ... , passamos a nos aceitar como somos e não como gostaríamos de ser, resgatamos nossa autoestima e autosegurança.

Se o filme se inicia com mudança em família e coisas de um sótão a serem remexidas, reabrindo nossas histórias de vidas, nos envolve com a reintegração e com o confronto com o "quem sou eu". É daí que surge a possibilidade de nova compreensão sobre relações desgastantes e devidas reestruturações, bem como a oportunidade de entrega a um amor estável e sereno. A pessoa se abre ao cultivo de relações mais humanas ante a abertura para manifestar seu lado afetivo sem receio de vivenciá-lo.

Transporto agora tudo isso para o meu "quem sou eu".

Aprendi a me preservar, inicialmente me adaptando ao que esperavam de mim, agora simplesmente "sendo eu mesma", simples dentro de uma enorme complexidade. Sou alguém que resgatou e cuida de sua "flor" única e especial por isso.

Preciso pontuar que minha flor me dá um trabalhão, pois é muito dengosa e tem muito orgulho de si e de seu caminhar, mas eu tenho muito amor para lhe dar?

Sou alguém que busca "ser na vida" e não "estar na vida" e ser carregada pela "impessoalidade do acaso".

Obrigada, amigo, mais uma vez pela honestidade. Valeram as "tertúlias".
Aurora Gite

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