sexta-feira, 26 de março de 2010

Sabedoria Prática

Como os caminhos de nossas vidas podem ser vislumbrados sob a perspectiva da história pessoal de cada um, não posso deixar de retomar a lembrança de uma garota que, em seus 12 anos, saía da biblioteca do Colégio Dante Alighieri carregando dois livros como se fossem dois tesouros. Já nessa idade meus interesses se voltavam para "Conhece-te a si mesmo" sobre Sócrates e suas idéias, e "A Memória" que buscava entender o mecanismo desse fenômeno humano.

Na busca e defesa de uma "sabedoria prática", não resisti a um retorno a Aristóteles, aluno de Platão, em seu empenho no aprimoramento da "habilidade de agir de maneira acertada".

Os escritos aristotélicos abarcam vários ramos de conhecimentos de sua época, excetuando os matemáticos: lógica, retórica, ética, política, física, metafísica, psicologia, economia, meteorologia... lembrando que "toda Astronomia se funda em Aristóteles". Seus interesses se voltavam aos diversos campos básicos de uma investigação da realidade existente.

Discordava de Platão, seu mestre, em suas teorias sobre a existência de dois mundos: um concreto, mutável, apreendido pelos sentidos; e outro abstrato, mundo das idéias, acessível pelo intelecto, "imutável e independente do tempo e do espaço material". Desacreditava das formas ideais platônicas, defendendo a existência de um único mundo... esse em que vivemos.

Como abordo muito a metafísica, ciência que se ocupa com a realidade além das realidades físicas de apreensão imediata sensorial, acho interessante a colocação de esse termo não é aristotélico, mas o que é englobado sob esse conceito, era chamado por Aristóteles de "Filosofia Primeira".

Suas reflexões o remetem ao fato de não deixarmos de ser "nós mesmos", independente das constantes mutações humanas sequenciais: infância, adolescência, idade adulta e velhice. Distingue algo que dá identidade ao ser, sua essência, sem a qual ele não pode ser reconhecido como sendo ele mesmo, das características acidentais, que podem lhe ser inerentes ou não, mas que não o descaracterizam se lhe faltarem.

Foi o criador do pensamento lógico. Sob essa forma de raciocínio buscou explicações sobre questões como: "O que é o Ser?" e "O que significa existir?". Para ele, um Ser em potência, só pode tornar-se um Ser em ato, mediante um movimento. Um ato seria "a realização da potência e essa realização pode ocorrer através da Ação (gerada pela potência ativa) e Perfeição (gerada pela potência passiva)". Portanto, "ato e potência têm a ver com o movimento e matéria e forma com a ausência de movimento".

Um "ato puro" é identificado por Aristóteles como sendo o "Bem", visto que é sempre igual a si mesmo, não é nada em potência e nem é a realização de potência alguma, não é antecedente de nada.

Para Aristóteles, Psicologia é a "teoria da alma", que tem por base dois conceitos psykhé (alma) e noús (intelecto). Segundo ele, a alma é a "forma primordial de um corpo que possui vida em potência, sendo a essência do corpo"; o intelecto em sua atividade vai além do corpo. O organismo, em seu desenvolvimento e evolução, recebe a forma que lhe possibilitará "perfeição maior", fazendo passar suas potências a ato. Essa forma é a alma".

No sistema aristotélico, a "Ética" , em sua preocupação com a felicidade individual dos homens é a ciência das condutas, cabendo a "Política" a preocupação com a felicidade coletiva da "pólis". Como para ele a Política tem por tarefa investigar e descobrir "quais são as formas de governo e as instituições capazes de assegurar a felicidade coletiva... ela é um desdobramento natural da Ética, assim como o Direito.

Lembram dos meus primeiros blogs de 2008, quando pontuava que Psicologia, Física, Direito e Ética se destacariam no novo milênio? Essas relações já eram defendidas por esses pensadores antigos. Pena que a capacidade de escuta para seus ensinamentos só tivessem ocorrido após tantos anos de civilização aparente. Talvez esse seja um indício de que estejamos fazendo uma revisão civilizacional, em prol de melhor bem-estar coletivo e de seres humanos mais felizes.

Voltando à realidade atual, ainda trago alguns ensinamentos aristotélicos como: A "virtude" ocorre no "justo ou meio termo", estado ideal a ser alcançado, e o "vício" na sua falta ou no excesso, estado a ser combatido pelo ser humano. A "moral" mostra como as disposições naturais, particulares de cada um e constitutivos de seu "caráter", devem ser modificadas para que se ajustem à "razão". Ressalva Aristóteles que "a auto-indulgência e autoconfiança exagerados criam conflitos e prejudicam nosso caráter".

Já Sócrates colocava que a "única ciência é a ciência da prática" dirigida, no entanto, aos valores universais, não aos particulares, sugere "a utilidade como motivo e estímulo da virtude. Essa adquire-se com sabedoria e se identifica mesmo com ela. Para ele, o "único meio de alcançar a felicidade, ou semelhança com Deus, fim supremo do homem, é a prática da virtude".

Ainda, segundo considerações de Rosana Madjarof, em seu texto sobre esse tema, publicado na internet, "Sócrates reconhece também, acima das leis mutáveis e escritas, a existência de uma lei natural -independente do arbítrio humano, universal, fonte primordial de todo direito positivo, expressão da vontade divina, promulgada pela voz interna da consciência".

Filosofia como disciplina obrigatória? Que alívio para as novas gerações!
Filosofia para manter "status quo" e direcionar reflexões nesse sentido, buscando domar a massa agressiva, sedenta de liberdade e poder decisório? Que perigo!

Aurora Gite
26 de março de 2010
21:15

Em tempo:
Indico "Criação Imperfeita - Cosmo, Vida e o Código Oculto da Natureza", livro de Marcelo Gleiser, Editora Record e sua entrevista do Programa do Jô, datada de 24 de março passado, que pode ser resgatada em http://video.globo.com

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