terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Como não se entregar aos sonhos e confiar no material onírico ?

Levanto e me dirijo direto a digitar as impressões desse sonho que é tão revelador, quanto inquietante. Muitos dados, para nosso autoconhecimento, chegam através do material onírico, que ainda é tão desprezado por todos nós!


No sonho estou em uma sala de aula. Aula de Filosofia e sobre Nietzsche, para alunos adolescentes. Uau! Não vejo representantes femininas, penso ser sala masculina, mas isso não se torna o foco de minha atenção.

É o início da aula. Recordo que minhas aulas de Psicologia sempre se caracterizaram por estarem atreladas à prática: Psicologia Aplicada. Sempre me indaguei sobre o que valia jogar para os alunos uma série de informações e uma lista de conceitos, bem argumentados dentro de teorias alicerçadas pela história de seu autor e época em que surgiram, se o conteúdo programático se fecha ao redor da obrigatoriedade de arquivar enxertos temporários na memória, para obter capital intelectual adequado, para o encerramento do curso com êxito no critério avaliativo, logo passível de ser deletado pela falta de serventia prática.

Não era o que almejava para meus alunos, nem o que ambicionava para a disciplina em questão. Lutava para que não reduzissem seu âmbito de atuação e sua credibilidade, muito menos que a submetessem ao jugo implacável do poder prepotente centralizador de grupos psicanalíticos, que se mostravam autoritários até em sua dificuldade de aceitar digressões teóricas aceitáveis sob outras perspectivas. Se o foco estava no homem, prefiro nomear no "ser humano", haveria de existir pontos convergentes, mais que excludentes e hostis, a categorias profissionais que o têm como meta de estudo.

Ainda hoje, a maioria dos psicólogos adota postura reducionista e abafa o brilho de estudos avançados sobre a psique ou a alma - se preferirem o espírito - desmerecendo os poucos pares, que buscam com atitudes mais ecléticas, ampliar não só o campo de atuação - utilizando técnicas instrumentais de várias linhas teóricas pertinentes à sua meta psicoterapêutica - como reduzir o descrédito, que ainda paira sobre a área médica e por leigos, pela ignorância sobre a própria compreensão do que vem a ser e o que abarca a "Psicologia".

E isso, sem menosprezar o que Freud chamou de "Psicologia Profunda"! Ao contrário, buscando investigar as primeiras intenções freudianas voltadas à criação de "Psicologia Científica" que, talvez, ganhe espaço novamente. Nesse momento tantas descobertas tecnológicas e tantos conhecimentos sucedâneos sobre o funcionamento cérebro/mente-corpo/espírito, chegam até nós através dos aparelhos imagéticos, cujo aperfeiçoamento se encontra em superação contínua. Cada vez mais é desvelada a dinâmica do mundo mental ou psíquico. Esses aparelhos captam as imagens funcionais da energia eletromagnética no exato momento em que está atuando em nosso mundo interior.

Por que esses preâmbulos? Como conter as confabulações que intermedeiam os cenários oníricos? Convém lembrar que todos são carregados de significações para quem sonha, só e unicamente.

Em uma das cenas de meu sonho estou passeando com uma de minhas cachorras, uma "cocker spaniel inglês" dourada, morta há anos. Com ela a meu lado, adentrei a uma instituição e procurei, inutilmente, a Divisão de Psicologia. Entrei em um setor sem divisórias aparentes, mas que tinha várias áreas distintas de atuação, e fui lendo as placas sobre as grandes mesas: Sociologia, Filosofia, Psicologia, Pedagogia... Logo pensei: "Oba, será que até que enfim os representantes dessas áreas estarão vinculados oficialmente à diretoria do setor da instituição onde fisicamente prestam serviços e não a centrais distantes da operacionalidade local e demandas específicas do setor? Será que meu projeto, elaborado quando da participação direta, por indicação de dois diretores, no 'Plano de Governabilidade', matriz das alterações estruturais administrativas e operacionais que estavam por vir a unir-se às missões assistenciais e de pesquisa, foi aprovado e colocado em prática? Será essa a resposta a meu sofrido silêncio ante a humilhante inquisição de um jovem diretor, que, em sua arrogância invejosa, vociferou sobre 'quem era eu para representar seu setor em um evento de tal porte'? O importante é que fiz um bom trabalho, me destacando, como sempre, em grupo sendo colocada no lugar de líder, pela prontidão de uma sagacidade perceptiva, capacidade de síntese interpretativa e enorme dedicação a apresentar um resultado que prime pela excelência pessoal, máximo de empenho a ser dado naquele momento".

Enfim, no sonho, sai desse espaço, rumo ao parque florido, acompanhando minha cachorra, presa à coleira, que alvoroçada ia direcionando o caminho para respirar o ar puro da natureza e contemplar o colorido das flores. Ela ou eu?

Retorno ao sonho e à cena da sala de aula. Noto o grande alvoroço dos alunos e meu espanto, ante quem entra na sala, concentrando as atenções: Silvio de Abreu, figura pública por suas novelas de sucesso. Ele chega até mim, me enlaça a cintura, e diz para dançarmos, que queria conhecer o que eu tinha para encantá-lo. Agradeço envaidecida afirmando que meu foco continuava sendo o mesmo, que não pretendia mudar. Elogio seu poder criativo, afirmando que, para mim, seus personagens ganham vida própria em seus enredos, como na vida real, e isso é fascinante de observar. Ainda mais sob a perspectiva psicológica, acompanhando as articulações das ideias criativas de suas tramas.

De repente, me vejo citando Hannah Arendt. Coloco o quanto devo à leitura dos livros dessa pensadora, cuja obra voltou-se à compreensão da condição humana e à ênfase na importância do leitor-pensador se colocar dentro de uma pluralidade de perspectivas para melhor análise histórica da existência humana. Desse período já se delineou dentro de mim o fato de estar atenta para obter uma percepção que abarcasse uma visão abrangente: localização lá de cima, que possibilite a contemplação do todo, e foco na velocidade dos voos da imaginação e da intuição, semelhante à destreza e agudeza do olhar e bater asas das águias, que permitem traçar novos rumos, acompanhando o ritmo acelerado das mudanças dos nossos tempos.

Como nos sonhos nada surpreende, Silvio de Abreu vai para o meio dos alunos e sente em um carteira entre eles, disposto a ouvir sobre Nietzsche. Alguns alunos já vão exercendo sua liderança e fechando grupinhos em conversas paralelas. Observo tal fato e começo, por estratégia didática, a introduzir Nietzsche e para mobilizar suas inclusões espontâneas, como participantes interessados e ativos, a estabelecer algumas semelhanças entre seus contextos.

Cito a dificuldade de Nietzsche em ser compreendido em sua época, em ter suas ideias sobre "superação humana" assimiladas como tentava expressá-las, em ser excluído do social como moralmente insano, em acabar se isolando não só por questões de limitações físicas, mas por prever que suas ideias seriam reconhecidas pelas gerações vindouras... e por aí fui, tendo êxito ao motivar o interesse dos alunos. Nietzsche foi um personagem cativante, se estivermos disponíveis e abertos também a compreender sua condição humana e histórica.

Lembro ainda que cheguei a diferenciar a real religiosidade da geração nietzscheniana dos "super-homens" - em sua busca por transcender as vivências diárias em prol de "constante autossuperação" - da enorme distorção de suas frases como a sobre "a morte de Deus". O Deus a que Nietzsche se reportava era o inventado por seletos grupos, porta-vozes das instituições religiosas, que buscavam manter - através da religião manipulada por mitos ameaçadores e cobranças de dízimos para eterna salvação - seu poder sobre a massa de adeptos, amordaçando seu senso crítico pelo temor de represálias divinas, impedindo assim sua liberdade e seu pensar autônomo e criativo.

Acordei nesse ponto, não sem antes me orgulhar de ter reconhecido minha posição interna ativa de "estar no mundo", de observar meu ser pensante tal qual "uma filósofa em suas eternas inquietudes e reflexões críticas, caminhando por vias inquiridoras e investigativas", sempre tendo por meta a melhor compreensão do "existir" e da condição humana "livre, pacífica e autorrealizada de ser em essência".

Aurora Gite

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