sexta-feira, 3 de abril de 2015

Crise de Compromissos

Pensando no atual violento quadro global diversificado onde a vida humana aparece tão banalizada e envolta por falta de sentido e perda de valores morais e virtudes autorreferenciais, de repente me veio a lembrança uma entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman, onde abordava esse mesmo foco. Para quem se interessar: Canal Youtube, "La Crítica como llamado al Cambio", entrevista datada de 2009.

Perguntado sobre se atribuía aos meios de comunicação a causa de todos os males que vivemos, recordo de suas palavras ao se referir que "O mundo é apreendido de uma maneira diferente do que aquele exposto pelas notícias televisivas, com cenas em lugar de argumentos, prévia seleção decorrente dos limites impostos pelo poderoso tempo em televisão. Em consequência, o mundo é representado por uma série de episódios breves... Há 25 minutos de notícias, porém com 25 temas distintos. É como um mosáico."

Fascinada por aqueles profissionais com características de liderança inata; ou por terem se capacitado para se tornarem diretores, se destacando por cortes da realidade e temas do cenário mundial, os retratando com precisão em vários setores artísticos; bem como atraída pela dinâmica interna de alguns chefes de equipes obrigados a assumir compromissos de imediato, a traçar precisas estratégias para alcance de resultados eficazes , como é  o caso de técnicos nos esportes com suas visões de empreendedores, avaliando possibilidades e probabilidades das próximas jogadas, e buscando intervenções de ponta para orientar estratégias e abrir espaço para seus atletas galgarem postos de destaque... continuo a acompanhar as considerações de Bauman.

" Se pode acusar os meios de comunicação de criar celebridades, em vez de noticiar os feitos de autoridades. Nessa concepção não se ajusta o valor comunicacional de alguém, o peso do conteúdo que transmite, mas se busca a informação pela personalidade que a esboça...Estas são facetas não tão agradáveis que estão relacionadas com a natureza dos meios de comunicação massiva: televisão, rádio... porém, também, bibliotecas, diários.Cada um deles tem suas peculiaridades, lados positivos e negativos. Porém, seria injusto achar que estariam criando os aspectos negativos de que nos queixamos neste mundo."

Uma das grandes dúvidas atuais, a meu ver, versa sobre : "Por que chegamos a isto?" ; "Por que as pessoas se excluíram de fazer parte da História como agente ativo e, submissos,  se saciam em fazer parte da massa tão bem definida pelo pensador Ortega y Gasset em seu livro 'A Rebelião das Massas' (1937)?". Vale lembrar que Gasset usa o termo "homem-massa" não se referindo a uma classe social, mas a "uma forma de viver o mundo como homem esvaziado de sua própria história". 

Como se ouvisse minha inquietação, lá vem Bauman, expondo suas ideias:
" Hoje em dia 'o compromisso está em crise'... No passado, as empresas pediam a seus trabalhadores uma 'lealdade' por vida... queriam manter o trabalhador já 'disciplinado' por maior tempo possível no lugar. Hoje jovens brilhantes em seus ensinos superiores...não têm ideia do que se passará com eles em 2 ou 3 meses... Com tanta fluidez, como falar de compromisso de trabalho a longo prazo? Não parece natural!"

Essas ideias de liquidez nas relações, de quebra da segurança de valores morais assentados nas tradições, de fragilidade atual das relações interpessoais pela liquidez oportuna e interesses afetivos momentâneos...as análises sobre o fenômeno da globalização e possíveis causas da liquidez que assolou pelo mundo mutável em velocidade assombrosa, desestruturando bases estáveis da civilização anterior... Bauman espalha, minuciosamente, por seus vários livros. Vale verificar até seus títulos, pois fazem bom apanhado de como suas ideias foram se sucedendo.

Segundo Bauman: "A nova geração espera uma vida cheia de 'câmbios', cheia de vivências e de experiências na incerteza que os cerca...Cita o exemplo de uma 'menina de 18 anos' a quem se perguntou quais eram seus planos de vida, que responde 'Não quero ser como meu pai. Há 25 anos é professor e continua sendo até hoje'. O pai (para essa geração) é o anti-herói. Vivia a vida que ela não queria...Não sei se a expectativa dos jovens criou o 'mundo líquido' (onde como a água tudo escapa de nossas mãos), ou se o mundo líquido criou as expectativas de mudar constantemente... Há uma certa coordenação, uma certa ressonância entre as 'coisas líquidas', que desembocam em crises de compromisso."

Na entrevista esse sociólogo, de mais de 82 anos, coloca ideias originais sobre o fenômeno da globalização. Trago o recorte que se destacou dentro de minha perspectiva de busca de pontuações focais sobre oportunidades que representem possibilidades de soluções. Sendo assim, dou voz a Bauman, ao registrar algumas de suas reflexões a esse respeito:

" A normalidade é a razão das crises...ela criou o caos... A solução está +além. Há que arrancá-la de nossa forma de viver. Necessitamos de uma revolução cultural. Estamos sendo educados com a ideia de 'Desfrute agora e pague depois!' (ideia central do estímulo ao crédito fácil e à inclinação para vivermos endividados financeiramente: Enjoy now, pay later!) ... agora, "Quem sabe quando chega esse +tarde?".

Particularmente, também acredito que esse estilo de pensar e agir já contaminou até o atual volátil e amedrontador mundo das relações em suas entregas afetivas.

O que fazer a partir de fatos observados, discriminadas as reflexões sobre eventos reais das especulações mentais?

Refletindo sobre a abordagem de Zigmunt Bauman e seu foco na 'crise de compromisso', deixo no ar algumas inquietações, também pessoais pela preocupação com a crise em compromissos individuais, que envolvam a lealdade e fidelidade aos próprios princípios internos, patrimônio moral inato e auto-gerenciado por cada um de nós:

* Como lidar com esse cenário que abafa subjetividades em suas singularidades, e dificulta o pensar 'identidades' e nomear seus 'sofrimentos existenciais'?

* Como ir contra a angústia e a falta de significação para a existência - experiências da condição de vida sem sentido - considerando que o 'nihilismo  nietzscheniano' nada tem a ver, segundo penso, com o 'tédio existencial nauseabundo de Sartre', a 'mesmice punitiva de Sisifo', o 'vazio triste' de Schopenhauer?

* A criação de uma nova ordem moral seria uma invenção capaz de dar sentido ao sofrimento do mundo, de fazer renascer das cinzas o 'super-homem' e o poder de superação defendidos por Nietzsche; de fazer emergir a alegria pelo encontro da potência da vontade no 'querer de alma', que equilibra a angústia da tristeza da condição humana em seu existir, descrita por Schopenhauer?

* Por fim as perguntas que não querem calar dentro de mim:
"Como reconhecer-me como sujeito que faz história, conservando meu autorreferencial ético inato?";
"Como tornar-me aquilo que sou dentro do novo mundo de convivências digitalizadas?";
"Como me inserir no social ampliado da nova civilização que emerge da globalização desse milênio?
"Como abarcar a nova compreensão globalizada do que significa ser um bom cidadão dentro das perspectivas globais atuais?"

Aurora Gite






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