sexta-feira, 15 de maio de 2015

Absurdo dos Absurdos!

Lá estava eu, tentando refletir e digerir a inalação tóxica pela distorção dos afetos conectados inadequadamente pelo poder midiático e seu marketing consumista sobre o "Dia das Mães", enaltecendo papéis sociais com a discriminação injusta e exclusão ingrata a quem foge do enquadramento padronizado...

Lá estava eu, buscando equilibrar inquietações com recordações infantis angustiantes e lembranças inquietantes pela falta de uma boa maternagem...tentava contrabalançar essa lacuna pessoal  comemorando o fato de ter conseguido dar "a volta por cima" e passar a pertencer ao grupo que, com orgulho, internalizou a verdadeira função maternagem e o holding (colo?) materno propício a um processo de "formação de um ser humano independente". Muitas vezes essa função não é desempenhada por mães biológicas, incapacitadas por graves problemas psicológicos que interferem em sua própria vontade impulsiva e seu querer fragmentado e condicional, mas por cuidadores que desempenhem essa função. Vale visitar o site www.centrowinnicott.com.br e ter contato com a pedagogia do "educar para crescer"

Acredito ser primordial para o desenvolvimento da "autoestima do ser em formação", a incorporação pessoal do "fator automaternagem", que, segundo penso, é o que vai assegurar, a cada um de nós, um centro autorreferencial que permitirá a construção de um ser humano seguro, leal e fiel a si mesmo, e vai lhe propiciar conviver a contento com seus fracassos e sucessos, com que o processo de autoconhecimento sempre nos confrontam.

É a função de automaternagem que dá as bases para trilhar um processo de autoconhecimento menos sofrido, sabendo que vai poder se bancar ante a consciência dos erros e acertos e continuar se respeitando e a seus valores éticos inatos: suas autorrealizações emergem nas horas de desespero e decepção consigo mesmo por "não ter conseguido ser como havia idealizado" e simplesmente pode ser "quem realmente é", sincero e honesto em sua espontânea autenticidade.

Segundo Winnicott, "O holding é o somatório de aconchego, percepção, proteção e alegria fornecidos pela mãe". Começa como algo vital, como o oxigênio e a alimentação, e se dilui conforme o bebê cresce. " A relação com a mãe leva o bebê a administrar a própria espontaneidade e as expectativas externas,  ele vai acumulando experiências nas quais é sempre o sujeito, e o "self" que se forma pode então ser considerado "verdadeiro".  Porém o "self construído em torno da vontade alheia" é o que Winnicott chama de "falso" e que priva o indivíduo de liberdade e de criatividade.

Não é fácil educar para o futuro e para o mundo, muito menos ensinar as virtudes apolíticas, citadas pelo filósofo Norberto Bobbio (Elogio da Serenidade) como a serenidade, a honestidade e a coragem  para se inserir no mal estar da civilização, sem se contaminar por regras sociais impostas e contaminar a própria autenticidade.

Lá estava eu... quando alguém, que me é significativo, me traz a informação que reputei como "absurdo dos absurdos": no primeiro ano de sua Faculdade de Pedagogia, particular e bem paga, as duas disciplinas que seriam ministradas à distância seriam Filosofia e Psicologia.

Não há como não se impactar com essa notícia e conclamar desde o próprio Ministro da Educação atual, o filósofo Renato Janine Ribeiro, a outros ex-ministros como o da França, filósofo especialista em educação, Luc Ferry que em seus livros sempre une os ensinamentos dos gregos ao pragmatismo filosófico de uma boa vida, à conquista de um bem viver uma vida com qualidade tendo passado pelo processo de autoconhecimento para se discriminar dos pensamentos e condutas padronizados da massa popular, do rebanho dos não pensantes.

Onde estão Gasset e Saramago, Nietzsche e Espinosa, Kant e Platão... e tantos outros para virem argumentar em defesa da Filosofia (Filo=amor, Sofia=sabedoria) e da Dialética (arte de raciocinar e dialogar para os gregos; modo de pensar as contradições da realidade em permanente transformação, dentro de uma concepção mais atual) e do Método Dialético de trocar ideias, de entrar em contentas filosóficas se utilizando de boas reflexões, associações lógicas e argumentações pertinentes. Bom lembrar que toda questão dialética é contraditória (não há certeza, mas dúvidas) e dinâmica (não é estática, mas envolve reflexões transformadoras).

Como não refletir sobre a presença distante da Filosofia e da Psicologia numa Faculdade de Pedagogia ao se pensar que "Educar" é ensinar a pensar, a conter as inquietudes advindas das dúvidas, a conviver com o não saber e ir descobrindo aos poucos o sentido no mistério da vida, se questionar e ser continente à angústia que emerge ante as três famosas perguntas que dão origem à investigação filosófica : Quem sou? De onde vim? Por que estou aqui? - Só por aqui pode-se observar a demanda de ambos os profissionais que ministrariam as aulas das referidas disciplinas estarem perto dos alunos, futuros pedadogos, cuja meta é "ensinar o aluno a crescer, ensinar a administrar potenciais emocionais e intelectuais, e mais ainda a se questionar, a ter visão crítica, a se posicionar no mundo como ser político, verdadeiro cidadão, agente social do bem viver coletivo.

Como não convocar Hannah Arendt para nos ajudar a analisar esse "absurdo dos absurdos", e o próprio Freud para nos auxiliar a seguir os meandros dos que elaboraram tal currículo nessa instituição pedagógica de formação de professores. Uau! E ainda questionam sobre a má formação de docentes espalhados por nossa sociedade contemporânea... e ainda apontam esse fator como responsável pela má qualidade do ensino e aprendizagem! Como formar cidadãos sem despertar nos indivíduos a consciência da necessidade de tomar decisões com lucidez e conscientização crítica, a premência de se expor e encontrar seu lugar no coletivo, participando de atos que influenciem o social ou o bem comum da sociedade? Será que esses personagens históricos que reivindicam seus direitos por méritos pessoais, que digladiam com argumentos sem serem ouvidos por governantes, merecem ser tratados com cacetetes e spray de pimenta nos olhos? Será que essas violentas medidas coercitivas cegarão e limitarão a esses seres esclarecidos, na defesa de suas categorias de docentes? É um orgulho saber, saber fazer, saber fazer acontecer e observar o crescimento dos alunos, sua passagem a cidadãos críticos que tenderão a defender posteriormente com paixão sua própria nação!

Acompanho e compartilho o pensamento de Hannah Arendt, segundo o qual: " A Política trata da convivência entre diferentes...O sentido da Política é a liberdade... A Política tem uma 'dignidade própria'. Essa dignidade reside em que é na Política que experimentamos o prazer de aparecermos singularmente uns para os outros em ações e palavras dentro do âmbito público. Esse conceito impede que tratemos os cidadãos como simples consumidores. Nesse sentido, a Política (é mais que administrar a coisa pública) não é o que garante a nossa liberdade privada, mas é, ela mesma, já uma experiência de liberdade."

Continua Arendt: "A liberdade está na potencialidade do indivíduo de tomar decisões, que tragam consequências para sua vida e especialmente para a vida social... Ninguém pode viver sem tomar decisões. As pessoas que insistem em não tomar decisões por comodismos ou por medo de responsabilidades, ou em acatarem o que os outros decidem por elas, tomam a decisão de permitir que outros tomem seu lugar." Não será esse o real "absurdo dos absurdos"?

Por que a presença da Psicologia (Psique= mente, alma, espírito e logia= estudo) na descoberta e fortalecimento de nossa subjetividade, singularidade como ser humano único?

É só articular com:
* Como nos tornamos indivíduos e gerenciamos nossas forças psíquicas?
* Como passamos pelo processo de conhecer os meandros de nossa energia psíquica, reconhecendo as atividades psíquicas desde as mais simples reações impulsivas ou respostas comportamentais, até as mais complexas ações movidas por intenções que, por vezes, nos são ocultas, embora seus efeitos sejam observáveis?
* Como nos tornamos sociais, respeitando os outros e convivendo com nossas diferenças?
* Como preservamos nossa 'consciência de si', dentro da 'identidade social' conquistada?
* Como apreendemos o mundo que nos cerca, preservando a cultura e os valores da sociedade em que vivemos, ainda mais no momento atual de incerteza e insegurança ante a liquidez também de valores humanos, como bem analisa o sociólogo Zigmunt Bauman em seus vários livros?

A velocidade das transformações e a máquina avassaladora da globalização tendem a formar padronizações de não pensantes digitais e de afetos deletáveis.

*Como não unir os ensinamentos da Filosofia e Psicologia, para amparar a superação pedagógica da mesmice nihilista e tediosa de uma criatividade pasteurizada e oportunista, e de separar as instituições de ensino de perpetuarem o status quo de uma ideologia dominante formadora de rebanhos não pensantes?

Ensinar o conteúdo dessas disciplinas que demandam vivências e experiências pragmáticas, mais que teóricas, não o inclui na categoria do "absurdo dos absurdos"?

Aurora Gite

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