sábado, 20 de abril de 2019

Elos antiéticos de poder na Instituição hospitalar

Não há como enfrentar e quebrar o elo de poder entre falta de transparência, algemas de gratidão e rede antiética de intrigas, dentro de uma instituição, ainda mais sendo hospitalar.

Mais de 10 anos se passaram, mas ainda me recordo com mínimos detalhes de nossa coordenadora do grupo de seleção de supervisoras de aprimorandas, candidatas a se aperfeiçoarem como psicólogas hospitalar, entrar na sala de reunião e "avisar" que a diretora de nossa Divisão de Psicologia lhe comunicara que a candidata "x", por ser filha de uma enfermeira que ocupava alto posto na hierarquia da instituição, "deveria ser incluída na lista das aprovadas". Não esqueço de como incrédulas nos olhamos e tentamos esboçar nosso desconforto. Só ouvimos: "É fato decidido!"

Foi meu primeiro contato com gestões autocráticas e totalitárias, que me horrorizavam quando abordadas por Hannah Arendt em seus livros e que me pareciam tão distantes de mim. Percebi como este estilo de gestão podem afastar colaboradores de buscarem se incluir com participações mais ativas , inclusive no que se refere a apresentação e realização de projetos institucionais. Incrédula, já tinha tido conhecimento do mau uso dos mesmos por chefias: ora engavetados, ora apresentados como se fossem das mesmas que recebiam os reconhecimentos diretamente... Prezo muito as ideias que coloco em meus projetos, para permitir que sejam assim vilipendiadas.

Senti não poder concretizar alguns deles, como o Seminário tipo painel, apresentado por um "jogral científico" onde representantes de várias escolas teóricas analisassem o mesmo "case" sob suas perspectivas. Infelizmente das pouco mais de 50 psicólogas lotadas na Divisão, nesta época, e selecionadas por concurso, a maioria era de psicanalistas; havia uma junguiana que defendia a psicologia analítica, outra que fazia uma leitura cognitiva comportamental, e outra cujo foco seguia a psicossomática de Pierre Marty, e eu que me colocava dentro de uma linha eclética, colocando o paciente e o histórico de seus sintomas como meu centro de atenção, e não a teoria freudiana em que deveria enquadrá-lo. Foi muito duro, como profissional, ouvir a recusa de colegas psicólogos - que se denominavam psicanalistas, manifestando sua soberba arrogante - ante meu pedido para discutirmos um caso, alegando não entenderem minha forma de atuar. Excluída de um lado, já na época senti-me acolhida pela Psicologia Fenomenológica após assistir à palestra de Yolanda Cintrão Forghieri, de quem indico o livro "Psicologia Fenomenológica:  fundamentos, método e pesquisas" - no meu livro acalento com carinho sua dedicatória :"À Lúcia Maria para ampliar seus conhecimentos nesta área. Com carinho, Yolanda."

A memória é como uma caixa de Pandora, as recordações vão jorrando e conforme vão emergindo agregam mais e mais associações. Lembro que, inúmeras vezes, exercendo minhas atividades clínicas dentro do Complexo Hospitalar, tive que amadurecer profissionalmente e me apegar ao fato de reconhecer meu valor e assim poder me bancar neste sentido. Sentia pena de afins, que permitiam ser humilhadas e submetidas a regras de pessoas que se encontravam em cargos de hierarquia superior, se outorgando poderes além de suas atribuições. Não raro, meus pares chegavam e me questionavam que ouviam impotentes estas chefias, brandindo seus crachás: " Vai fazer, sem questionar, porque estou mandando!"

De minha parte, só podia agradecer, em momentos de solidão entre meus pares, ter procurado meu autoconhecimento e ter buscado evoluir e amadurecer como profissional, para me bancar. Com isso dentro de mim, brandia a bandeira de meu orgulho por minha difícil jornada preservando meus valores éticos e a transparência em meu caminhar dentro da realidade enfrentada, encarado sem ilusões, que escondiam possíveis frustrações e me impediam de observar a verdade do que ocorria ao meu redor.






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