terça-feira, 5 de outubro de 2010

Supervisão em Psicologia em Hospital Geral (3ªparte)

Acredito que com mais essa parte tenha contribuído para sanar algumas de suas dúvidas. Pincelei alguns aspectos de meu projeto com tal intuito. Então vamos lá?

A própria busca de qualidade exige uma revisão constante nas formas de avaliação e na metodologia, que envolve esse processo. Tal procedimento é que poderá embasar programas de treinamento e reciclagens, devendo para isso não possuir caráter punitivo, ou mesmo premiativo, não culminando com demissões ou exclusões, mas com a inserção dos profissionais -efetivos e estagiários - em programas específicos a cada um, que ocasionem seu desenvolvimento mais adequado, visando sempre, em virtude da própria prioridade institucional, também a produtividade da organização hospitalar e a qualidade dos serviços supervisivos oferecidos.

A avaliação mais condizente, ao exposto nos dois blogs anteriores, deveria abranger o todo da atuação dos elementos envolvidos numa supervisão, e efetuada longitudinalmente. Deveria levar em consideração não só aspectos da competência e destreza clínica, mas também a própria qualidade dos vínculos relacionais e éticos estabelecidos durante o período. As avaliações das capacitações, que envolvem o próprio processo cognitivo, bem como as motivações, interesses, intervenções e leituras de feedbacks, seriam adaptados a qualquer linha teórica.

Mediante o preenchimento de um questionário padronizado a supervisores e supervisionados, em quatro fases distintas, poderíamos obter uma avaliação longitudinal qualitativa das motivações e interesses que o cercam. Suas possíveis alterações nos possibilitariam efetuar um levantamento situacional de prováveis momentos dentro do próprio estágio, que demandariam um planejamento supervisivo diferenciado. Haja visto a grande mudança, na área afetiva e comportamental, observada nos estagiários ante a elaboração da monografia, por exemplo.

Levando-se em consideração que o estagiário deve apresentar uma postura ético-profissional, estruturas cognitivas adequadas, unidas a condições emocionais mínimas e habilidades específicas, os aspectos avaliados envolveriam como ele usufrui e busca conhecimentos, as ferramentas utilizadas, e se a forma como as usou demonstrou eficiência e foi, portanto, eficaz.

Sintetizando, poderíamos classificar essas avaliações em quatro categorias:

a) Quanto às relações estabelecidas:
1- avaliações longitudinais qualitativas das motivações e interesses, tanto do supervisor, quanto do supervisionado, e possíveis alterações
2- avaliações qualitativas das interações interdisciplinares
3- avaliações ante feedbacks e tipos de mudanças dos próprios pacientes
4- posturas perante o paciente
5- posturas ético-profissionais gerais

b)- Quanto às correlações da teoria e da prática:
1- avaliação de mudanças no que se refere a assimilações teóricas de novos contextos, e da própria didática, que a envolveu na instituição hospitalar com as especificidades de UTIs, PS, Clínicas Médicas, Enfermarias...
2- como articula o pensamento
3- como utiliza os conceitos
4- como interage teoria e prática
5-coerência de atuação com a linha adotada

c)-Quanto ao amadurecimento profissional:
1- avaliação da autonomia e discernimento do estagiário
2- como o supervisionando enfrenta problemas pontuais, situacionais
3- como concebe soluções ou sugere procedimentos
4- como define prioridades, avaliação da capacidade seletiva
5- segurança na atuação, avaliação da habilidade na tomada de decisões
6- flexibilidade e maleabilidade adaptativa
7- tolerância a frustrações profissionais

d)- Quanto à destreza clínica:
1- avaliação da capacidade de sistematização e análise dos dados obtidos
2- avaliação da capacidade de síntese e interpretação do material coletado
3- capacidade de diagnosticar
4- capacidade de estabelecer hipóteses e objetivos dentro da linha teórica adotada
5- avaliação da capacidade de elaborar e planejar estratégias e/ou intervenções
6- clareza e objetividade de expressão

Tal método de avaliação envolveria aspectos evolutivos e de aprendizagem, mais do que conteúdos e fórmulas padronizadas. Seria sistemático, objetivo, com caráter científico, pois envolveria dados concretos e registrados, não apenas relatos de sessão e observação de aspectos transferenciais e contra-transferenciais, mas os aspectos vivenciais dessa relação que deverão ser registrados, obrigatoriamente, em relatórios, independentemente da linha teórica adotada. Cada ítem, acima mencionado, se dividiria, ainda, em subítens específicos. No espaço reservado para observações, caberiam justificativas pertinentes.

Além da relação, por escrito, da bibliografia lida durante o estágio, haveria um fichamento das leituras. Ele seria uma das fontes para serem avaliados os aspectos mencionados. Esses materiais seriam arquivados em pasta e comparados, no final do estágio, pelo supervisor e supervisionado. Consideramos esse tipo de documentação importante para o acompanhamento objetivo das mudanças, quebrando o processo unicamente subjetivo de avaliação por parte do supervisor, e possibilitando uma auto-avaliação realista, por parte do supervisionado. Cada clínica poderia montar assim um tipo de biblioteca específica. Ao aprimorando caberia não somente receber e acumular, mas já haveria um aprendizado de troca, de registrar suas idéias e soltá-las, posturas indispensáveis a um cientista.

Omitimos nesse post algumas partes sobre a necessidade inicial de caracterização da clínica de atuação, sobre monografias, só realçando que seus temas deveriam estar vinculados às demandas da própria clínica, da Divisão de Psicologia, ou sugeridos pelo próprio supervisor, e não soltos, unicamente de interesse do estagiário pois muitos trabalhos se tornam repetitivos ou aleatórios ao local de atuação no período de aprimoramento.

Enfatizamos a necessidade de modelos de supervisão baseados em moldes científicos, onde basicamente registros, comprovações por escrito, possibilitariam suas próprias reciclagens, num processo de retroalimentação, ocasionando redimensionamentos da própria supervisão e do teor do vínculo supervisor-supervisionado, ante observações concretas, mesmo posteriores. de quando e porque algumas modificações ocorreram e em que âmbito se deram.

Terminamos pontuando que um modelo de supervisão, assim estruturado, já estaria buscando a inserção do estagiário no âmbito científico, além da motivação para um crescimento pessoal e desenvolvimento profissional pós-estágio.

Obs: Entregue na década de 90, nunca mais vi meu projeto. Retorno via diretoria: bom projeto que estava sendo encaminhado á psicóloga responsável pelo setor de aprimorandos. Nenhum contato foi estabelecido pela mesma. Retorno de colegas: que era uma visionária, que esse projeto seria para instituições de primeiro mundo e não para aquele complexo hospitalar iniciando seu processo de transformação também administrativa, decorrente de sua parceria com entidades do ramo.

Porém o pior, foi o contato com assessores e chefias inseguras, e seu constante "não sei como me relacionar com você" e sentindo-se ameaçados foram retirando sala, contato telefônico, computador, materiais de trabalho, bloqueio de pacientes e interações com área médica; avisos de reuniões chegavam com datas e horários errôneos, bem como impedimento de participação em reuniões científicas multidisciplinares. Foi o período em que aprendi como pode ser maldoso o ser humano, perversa a interação grupal às voltas com interesses pessoais e elementos algemados por gratidão manipulada, e o quanto temos que caminhar até uma sociedade mais ética e justa.

Aurora Gite

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