quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Uma identidade no meio da atopia e acronia

Primeiro duas indicações se fazem necessárias:

1- http:// www.tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/fernando-henrique-cardoso lançando também seu novo livro "A Soma e o Resto: um olhar sobre a vida aos 80 anos".

2- http:// http://www.cpflcultura.com.br/ "Espaço, Tempo e Mundo Virtual" palestra de Marilena Chauí realizada em Campinas em 02.09.2010 e reprisada em 29.11.2011.


Uma entrevista e uma palestra, mobilizando grandes reflexões sobre o mundo atual e sobre nosso papel nesse social virtual.

Confesso que ainda estou muito apreensiva com as atribuições humanas outorgadas a essa nova categoria de seres, com os quais vamos ter que conviver: os robôs. Dessa vez, não me refiro a massa humana robotizada, não! Eu me refiro a essas máquinas, cuja tecnologia formata, cada vez mais, à imagem humana. Acredito que a gravidade desse confronto ainda não foi abarcada.

É grande o poder que o homem entrega para as novas tecnologias em prol do progresso. Inquieta, me questiono a que se refere tal progresso, já que a humanidade perde cada vez mais sua dignidade e autorrespeito, e ganha em desesperança e violência, facilmente observadas em nosso quadro social globalizado.

Os homens, a cada dia, mais se desvalorizam e se sentem impotentes frente à máquina pensante computadorizada, cujo valor de entrecruzar dados e raciocinar globalmente é inegável. O pior, a meu ver, é que todo esse processo se dá de maneira racional e voluntária. O mais surpreendente é que os homens não são forçados a se colocarem dependentes de máquinas para tudo. O mais espantoso é que desaprendem habilidades tão simples que envolvem um prazer tão corriqueiro. O espaço da imaginação criativa cede para a inércia destrutiva da condição humana saudável - física, psíquica e espiritualmente.

Ah! Gandhi e seu tear, em sua sabedoria e abertura de espaço interno para reflexões e cultivo de valores pacíficos de convivência.
Coador de pano e espremedor manual de laranjas para a refeição da manhã? Que mundo é esse se contrapondo ao mínimo esforço de realizar as mesmas tarefas com cafeteiras e espremedores elétricos cujo "único" problema vai advir com a falta de eletricidade? Aliás, se vier a faltar, a maioria da nova geração (e muitos da velha) fica perdida, e apela para a padaria da esquina.

Pensar na vida, se questionar sobre o futuro, se inquietar com conceitos abstratos como justiça, verdade, transparência, honestidade, dignidade, ética, humildade, gratidão? Que valor tem esse blá-blá-blá no mundo atual sem quadros referenciais que possam servir de apoio, que possam se constituir em pilares para um amadurecimento psíquico necessário para assumir os "nãos" na colocação dos limites pessoais, para um fortalecimento interno contra a raiva das frustrações, para um crescimento e valorização individuais que impulsiona ao "basta", para se afastar e lutar por deixar de ser peça de engrenagem nesse social contemporâneo desumanizante e robotizado.

Homens se desumanizam, embotam seu sentir e desativam seu pensar ... robôs se humanizam, "aprendem a ter emoções", a reagir a elas adequadamente, a sorrir, a falar, a abraçar, a pensar, a articular pensamentos buscando soluções inteligentes, a realizar atividades de forma independente. Uau!

Como o exército de homens, atualmente sem valores humanos referenciais, enfraquecidos em sua auto-estima, inferiorizados em suas competências, incapacitados para viver fazendo parte de equipes, irá, algum dia, enfrentar esses monstros, que se agigantam com feições de anjo e estruturas metálicas recobertas - desenhadas para se aproximar mais e mais da imagem humana com qual finalidade a não ser narcísica? - e aos quais a tecnologia instrumenta, atualmente, até para serem violentos na defesa de suas autonomias e autoprogramações para se tornarem mais humanos?

As análises de Chauí a colocaram numa posição de excluída desse social sem a força referencial das tradições, não encontrando espaço ou tempo para manifestar sua identidade já formada e assumida. Suas considerações sobre a atopia e acronia advindas com o mundo virtual, através do qual se constata a dissolução das distâncias relacionais e do embaralhamento do tempo presente-passado e futuro - tudo se resume na proximidade do outro num "agora" virtual - a levam a assumir sua impotência pessoal para se colocar nesse mundo. Coloca sua curiosidade para acompanhar e ver a maneira através da qual a nova geração vai enfrentar o novo mundo que a espera.

Como o ser humano vai despontar a partir desse "agora - não real" ? A que valores condicionará o seu existir? Essa inquietude também me contamina e angustia.

"Não real", pois não se observa a existência dos limites perceptíveis do humano. Portanto, sem as características dos cinco sentidos e até da capacidade intuitiva, que envolvem a percepção humana, a nova geração vai demandar da criação de novos referenciais e novos paradigmas na invenção de uma identidade humana, que a faculte sobreviver no mundo contemporâneo, e nele construir sua história de vida. Em outras palavras, que a possibilite colocar sua essência na forma de seu existir nesse mundo, obtendo uma qualidade de vida satisfatória e prazerosa.

Vale assistir ao vídeo da palestra de Chauí e estar atento a sua citação inicial e devidas considerações sobre a "fenomenologia da percepção", título também da obra do pensador Merlau-Ponty, que tão bem analisou a fenomelogia existencial que envolve o homem e o social.

Por outro lado, Fernando Henrique Cardoso serve de um excelente contraponto a essa posição de expectadora dentro de uma perspectiva passiva , e se coloca como o pensador atuante que, mesmo com seus 80 anos, não abandona a postura empreendedora e busca continuar a construir a história de sua vida com orgulho e dignidade, inclusive numa participação ativa em prol de um social melhor.

Fica vísivel na entrevista (link acima citado) sua função pública e o peso de seu papel como político. Vale rever e analisar como se faz a própria história de vida, e como essa escrita independe até da idade cronológica com suas limitações naturais.

Da postura de Fernando Henrique Cardoso retiro como mensagem: "Não vai ser fácil a inclusão no social virtual. Cabe a cada um abrir seu espaço: não sem antes encontrar a si mesmo na utopia e acronia virtuais". Nesse sentido, dou ênfase às suas colocações sobre o papel das redes sociais em sua vida, já dimensionada em sua plenitude e dignidade.

Vale assistir ao vídeo dessa entrevista. Depois reflita sobre como ela repercutiu dentro de você.

Ah! Não deixe de comparar os dois conteúdos, que se complementam em muitos aspectos. Estou curiosa para saber sua opção de como pretende colocar seu existir, no mundo virtual atual.

Aponto uma luz no final do túnel com:


  • a separação entre espiritualidade e religião, com seu misticismo preconceituoso paralisante e seus dogmas institucionais.


  • a aproximação entre espiritualidade e ciência, referendada pelas constantes descobertas científicas, cada vez mais aceleradas.


Aurora Gite

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