domingo, 8 de junho de 2014

"Sem lugar para se esconder"

Estou na metade da leitura de "Sem lugar para se esconder: Edward Snowden, a NSA e a espionagem do governo americano". Acredito que os três - Governo Americano, NSA e Snowden - ficarão expostos, de tal forma, que estarão "sem lugar para se esconder a partir de agora e por um bom tempo" ocupando as páginas dos noticiários e nas entrevistas midiáticas, além da legalidade de seus atos estarem sob investigação, reflexão ética e discussão no meio político e judiciário.

Já na metade e ainda me considero surpresa! Continuo lendo, agora com um misto de afã, de curiosidade e de admiração por seus protagonistas reais.

Esse livro do jornalista Glenn Greenwald, com seu estilo simples, bem descritivo dentro de seu jornalismo investigativo, me cativou logo de início. Seus parágrafos curtos onde o conteúdo das ideias eram espalhados com parcimônia e cuidado, para que o leitor seguisse de perto suas associações, me auxiliaram muito na compreensão de um material tão complexo.

Estava evidente a "violação dos direitos humanos" pela "vigilância em massa" da população americana e não só, os abusos na autorização de "programas de espionagem sem nenhuma prestação de contas" e o mais grave com a permissão de reduzido grupo nos escalões mais próximos ao próprio presidente americano, portanto, nem sempre tendo a permissão direta do mesmo. Outra variável que é exposta é a submissão de parte da imprensa, que se dispõe a publicar material passado diretamente pelo governo para divulgação, ou filtrado por ele com o carimbo de "publicável". Tudo chega aos leitores com o caráter de verdade, de representação de fatos autênticos, quando na verdade são falseados a bel prazer dos governantes, exercendo seu poder, propalado e fictício, de protecionistas da nação.

Continuo indicando a todos!
Retrata o mundo globalizado, o papel da internet e rede de telefonia como veículos de vigilância em massa de pessoas, que têm seu sigilo e privacidade invadidos, sem as devidas permissões jurídicas conseguidas anteriormente, sendo então explicitado e analisado previamente o motivo para que tal concessão ocorresse.

Uma via de comunicação em tempo instantâneo e globalizante, uma das maiores, senão a maior responsável pela transformação cultural do milênio, pode-se tornar enorme perigo aos ideais humanísticos e democráticos de igualdade, fraternidade e liberdade, se não houver, com urgência, uma fiscalização legal efetiva, embora no Brasil a aprovação de um "Marco Civil", sinalizando alguns parâmetros referenciais, já tenha sido um primeiro passo importante.

A perseguição a jornalistas independentes e corajosos, que tenham audácia para investir na luta para que suas matérias sejam publicadas, sem a devida aprovação e cortes dos respectivos governos é essencial para evitar uma farsa midiática. À tentativa de colocar a mordaça em uma imprensa livre, vai se aliar a colocação de uma venda na Justiça, se não se puder contar com respaldo jurídico para fontes e denúncias "contra abusos ilegais por representantes governistas", que se escondem atrás do sigilo e da não necessidade de prestação de contas do que fazem à sociedade, como um todo, e aos políticos, que representam essa sociedade.

Greenwald nos leva a refletir sobre a "encruzilhada histórica" que vivemos e sobre os "abusos", que cercam a vigilância ilegal em "politicas extremistas". A tecnologia evoluiu e, segundo ele, a vigilância evoluiu: sistemas de vigilância em massa converteram a internet em "monitoramento intrusivo e repressivo", sem que os usuários sequer se deem conta da extensão do que realmente esteja ocorrendo com suas vidas, pois acreditam nos governos protetores do seu bem estar e zeladores por sua segurança. O que foi exposto com os documentos apresentados é que o que ocorre ao nosso redor é, pelo contrário, bem a nível dos controles centralizadores e autoritários "orwellianos".

Realmente podemos observar o design de nova configuração social, novas formas de integração grupal, um nivelamento entre indivíduos com diferentes graus de poder. A internet, o anonimato, a democratização do discurso político sem compromisso efetivo que demonstre sua eficácia, sem programas de governo que contem com o envolvimento na aplicação prática, sem representantes do governo que sigam na avaliação de sua implantação e devida eficiência após eleitos. Inegável é que esse quadro está propiciando o "desenvolvimento de novas personalidades (novas maneiras de ser e existir no mundo) e de novas expressões das individualidades". O próprio Snowden se considera uma "cria da internet", se transformando em testemunho vivo da geração cibernética do milênio, cujo perfil vai ficando cada vez mais fácil de se delinear.

Considerando, no entanto, as circunstâncias atuais com tantas mobilizações agressivas e violentas reivindicações sociais, espocando em várias partes do mundo, é importante enfatizar que a natureza humana tem uma resistência limitada às tentações. A barbárie social, do momento, vai muito além do repúdio a diferenças de opiniões, investidas a medidas frustrantes intoleráveis, rejeição e desrespeito a limites necessários para uma boa, ou razoável que seja, convivência social interpessoal. A preservação dos bens coletivos, a busca da manutenção da vida pacífica em sociedade, o cultivo do amor à pátria... perderam seu sentido e valor, e são atacados de forma grosseira e irracional.

A meu ver, hoje constatamos a marca da "era do ódio", destruições de patrimônios e mutilações de vida ocorrem não mais por inveja ou vingança. Penso que o "sadismo maquiavélico" se estende aos regimes tirânicos de tortura, à criatividade inovadora das espionagens, aos "controles orwwellianos", ao cinismo e manipulação de fatos, que ganham maquiagens de "verdades nobres e justas".

Assim entraria Snowden na farsa dos "delatores que são demonizados como pessoas solitárias ou perdedoras, que agem movidos pela alienação e frustração de uma vida fracassada" , se não fosse o casamento perfeito de ideais, entre ele e Greenwald, voltados à luta por um bem maior coletivo e pelo direito de defesa, de cada indivíduo, em prol da integridade e dignidade de sua alma e da nobreza de seu caráter.

Snowden embasou sua escolha para entregar os documentos a Greenwald, por considerá-lo um jornalista responsável, honesto e integro que iria divulgá-los sem espetacularização, mas com a seriedade que demandavam. Greenwald permitiu a aproximação de Snowden com cautela e movido por sua própria intuição, algo lhe dizia internamente para ir atrás da ferrenha determinação e convicção moral desse jovem analista de sistemas, nascido a 21 de junho de 1983. "Não sei explicar por quê, mas minha intuição me diz que esse cara está falando sério, que ele é exatamente quem diz ser." (p.23)

Impressionante a tranquilidade de Snowden nas entrevistas em vídeo. Sua postura serena era o campo ideal para convencer, com seu discurso coerente e lúcido, dos objetivos e intenções que cercavam suas ações. A cada vídeo seu, buscava indícios de um megalomaníaco com tendências de se tornar um salvador do mundo, um candidato ao posto de celebridade mundial, um indivíduo vingativo buscando revidar ofensas e humilhações, ou um "kamikase" se orgulhando de participar de um ataque suicida! Mas era justamente o contrário, que saltava aos olhos. Tudo direcionava para ser Snowden uma pessoa "especial", uma "agulha no palheiro" social.

Atentem a seu vocabulário, onde encontramos termos e expressões como: dignidade, nobreza, valores e virtudes pessoais, integridade e reconhecimento da influência positiva dos pais, preservação da família por amor e gratidão a seus membros que o criaram, respeito à sociedade, solidariedade e cooperação com o coletivo, patriotismo, amor à nação...
Destaco algumas frases de Snowden, desse jovem de 29 anos então, retiradas do livro de Greenwald:
* "A real medida do valor de alguém não é aquilo em que a pessoa diz acreditar, mas o que ela faz, para defender essas crenças." (p.54)
* "Se você não age de acordo com as suas crenças, é provável que elas não sejam sinceras."
* "Só poderia estar agindo moralmente caso estivesse disposto a sacrificar os próprios interesses em prol de um bem maior."
* "Cresci lendo muita mitologia grega...tirei lições: Somos nós que damos significado à vida, com nossas ações e as histórias que criamos com elas."
* "A cidadania traz consigo um dever de policiar o próprio governo: percebi que o meu só permite uma supervisão limitada e se recusa a prestar contas."
* " Sim, estou feliz. O custo foi muito alto, mas como não se sentir feliz se consigo dormir e levantar com a satisfação de ter feito a coisa certa? Fiz o que devia fazer: Um povo tem o direito de escolher a forma de sociedade em que almeja viver".

Snowden e Greenwald detalham a sofisticação dos sistemas de espionagem governamentais que não respeitam nem as normas legais nem alianças entre nações. Não se intimidam em descrever os conluios de muitos setores midiáticos e o filtro governamental sobre as matérias a serem publicadas depois dessa intervenção.
Sendo assim, indico:
 "Sem lugar para se esconder: Edward Snowden, a NSA e a espionagem do governo americano". Glenn Greenwald. Rio da Janeiro: Sextante, 2014.

E, como cidadã, empunho uma placa com esses dizeres:
"Procura-se pessoa honesta com firmeza ética, que ouse amputar de vez sistemas movidos por alianças corruptas e modelos jurídicos disfuncionais."

No momento, aguardo, com grande expectativa, a decisão do governo brasileiro, sobre o pedido de asilo de Edward Snowden. Manifesto meu receio de não concessão!

Penso alto:" Que ingenuidade, os que defendem a Justiça, acharem que existe respeito a ela, dos que se cobrem com o manto da impunidade, e bradam por defesa com o cetro, que permite manipulação a seu favor dos princípios legais!"

                Seria ingenuidade minha, se não concordasse com Snowden que, em sua lucidez, reconhece que: "Só teria um julgamento justo, se lhe dessem direito de autodefesa e não o condenassem a priori como traidor, como muitos estão sendo induzidos a fazer por difamadores e caluniadores...frustrados em sua intenção de obter mais poder para si, sem necessitar prestar contas à sociedade."

Snowden tem bem claro para si que "só lhe seria feita Justiça" se analisassem seu gesto sob o prisma de estar "denunciando abusos governamentais, para que uma imprensa livre, embasada em estatutos responsáveis e legais, os divulgasse", com a finalidade principal de que todos "cidadãos atingidos" tivessem ciência, e pudessem decidir, livres e democraticamente, as medidas legais a tomar. Adotar uma "postura omissa e negligente" é que o faria "trair a si mesmo" e, nesse sentido, sua "consciência moral não o deixava aquietar e serenar".

Tinha a plena convicção dentro de si, motivo de sua tranquilidade interior, de estar fazendo o que era certo ao não continuar encobrindo tais fatos. Os documentos coletados e tornados públicos (não vendidos a nações inimigas), eram as evidências indiscutíveis de quem eram os verdadeiros traidores da pátria e da sociedade. Mas as leis, da forma como estão redigidas, ainda os inocentam, e culpam os que ousam denunciar os delitos abusivos desses "poderosos", que são abertamente resguardados juridicamente por elas.

Snowden reitera, nas entrevistas, sua lealdade aos Estados Unidos. Seu compromisso de continuar trabalhando com o governo americano, buscando melhorar a segurança cibernética, cujas falhas já demonstrou, mas dentro dos padrões legais e do bem estar coletivo; não apadrinhando interesses pessoais voltados a "conquista de poder e mais poder", mentiras e falseamento da verdade.

Como patriota, concordo com a nobreza de seu amor à pátria.
Como pessoa, admiro sua lealdade a si mesmo e seu empenho em preservar sua dignidade pessoal.
Faço parte das 1.200.000 ( "hum milhão e duzentos mil" ) assinaturas endossando a concessão de seu pedido de asilo, o convidando para vir para o Brasil!

Aurora Gite




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