quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Base Organísmica de Orientações de Valor

Incrível como podemos entrar em contato com as ideias de muitos pensadores em suas descrições das vivências terapêuticas com pacientes (ou clientes) e só passamos a assimilá-las quando, internamente, atingimos um patamar (nível de consciência) que possibite releituras compreensivas dos conteúdos de seus livros.

Isso aconteceu essa semana, ao reler "De Pessoa para Pessoa: o problema do ser humano, uma nova tendência na psicologia" de autoria de Carl Rogers- Barry Stevens e colaboradores. São Paulo, Pioneira, 1976.

Tantos anos se passaram? E se lhes disser que o "copyright data de 1967", quais seriam suas reações imediatas?

Eu só respondo que existem ideias atemporais e imortais, de uma proximidade espantosa no presente - considerando os últimos conceitos quânticos da dimensão não-local e do tempo real. Aos que se interessam pelas novas descobertas do mundo quântico, que adentraram o milênio, digo que vale a pena se atualizar nesse sentido.

Barry Stevens já havia se destacado para mim, principalmente por seu livro "Não apresse o rio: ele corre sozinho". Prato cheio para os que buscam explicar conceitos abstratos como "felicidade e serenidade". Vão se surpreender com possíveis mudanças de atitudes perante si mesmo e perante a vida. Stevens descreve também seu contato com a Gestalt e com seu fundador Fritz Perls em muitos workshops.

Li "De Pessoa para Pessoa" em abril de 1978. Gosto de anotar quando começo a ler e a data em que termino minhas leituras, por isso tinha essa data visível na contra-capa. Transcrevo a frase das páginas iniciais com que os autores me mobilizaram a acompanhá-los nas articulações de suas ideias - já em 1967 : " E um relógio parou - e soube o sentido do tempo."

Minha curiosidade logo recaiu no capítulo (p.13) escrito por Carl Rogers (Terapia Centrada no Cliente), onde descreve com pormenores as vivências que observou em seus clientes. O título me chamou a atenção:  "Em Busca de uma Moderna Perspectiva de Valores. O Processo Valorizador na Pessoa Madura".

Minha maior empolgação decorreu ao me inteirar de uma das hipóteses traçadas por Rogers ao analisar o desenvolvimento de alguns clientes em seu processo evolutivo como ser humano, durante a situação terapêutica : " No íntimo do ser humano existe uma base organísmica de um processo organizado de valorização." (p.26). " Nas pessoas que estão caminhando para uma maior abertura de sua vivência, existe um ponto organísmico comum de orientações de valor." (p.27) e mais adiante coloca como "fato extraordinário" que essas tendências não dependem da personalidade, nem da relação com os terapeutas.

Transcrevo as considerações de Rogers (citas à p.28/29), para a honesta avaliação do leitor em sua singularidade, e para a análise de um terapeuta, qualquer que seja a linha teórica em que baseia sua atuação:

"Vou apresentar algumas destas orientações de valor, como as vejo em meus clientes, à medida que caminham para o crescimento pessoal e a maturidade.

* Tendem a afastar-se das aparências. A ostentação, a defesa e a manutenção de aparência tendem a ter um valor negativo.

* Tendem a afastar-se de "deveres". O sentimento de "Eu devia fazer ou ser isto ou aquilo" tem valor negativo. O paciente afasta-se do que "devia ser". não importa quem tenha estabelecido aquele imperativo.

* Tendem a deixar de satisfazer às expectativas dos outros. Agradar aos outros, como um objetivo em si, é um valor negativo.

* Ser verdadeiro é um valor positivo. O cliente tende a procurar ser ele mesmo, com seus sentimentos reais, sendo o que é. Esta parece ser uma preferência muito profunda.

* A auto-orientação é um valor positivo. O cliente descobre um orgulho e uma confiança cada vez maiores ao fazer suas escolhas, orientando a sua vida.

* O eu e os sentimentos pessoais passam a ter valor positivo. A partir de um ponto em que se vê com desprezo e desespero, o cliente chega a se valorizar e a considerar valiosas suas reações.

* Estar num processo é valorizado positivamente. A partir do desejo de um objetivo fixo, os clientes passam a preferir a estimulação de estar num processo em que nascem potencialidades.

* Talvez mais do que tudo, o cliente passa a valorizar uma abertura de todas as suas experiências internas e externas. Estar aberto e sensível a suas reações e sentimentos íntimos, a reações e sentimentos de outros, e às realidades do mundo objetivo - é uma orientação que prefere claramente. Esta abertura torna-se o recurso mais valorizado do paciente.

* A sensibilidade aos outros e a aceitação dos outros é um valor positivo. O cliente passa a apreciar os outros pelo que são, como passou a se apreciar pelo que é.

*Finalmente, relações profundas são valores positivos. Atingir uma relação fechada, íntima, real e totalmente comunicativa com outra pessoa parece satisfazer uma profunda necessidade de cada indivíduo, e é extremamente valorizado.

..."Considero significativo que, se os indivíduos são apreciados como pessoas, os valores que escolhem não se espalham na escala completa de possibilidades. Nesse clima de liberdade, não vejo que uma pessoa passe a valorizar a mentira, o assassinato, o roubo, enquanto outra valoriza a vida de auto-sacrifício e outra só valoriza o dinheiro. Em vez disso, parece haver um fio profundo e subjacente de homogeneidade. Ouso acreditar que, quando o ser humano fica interiormente livre para escolher o que quer que valorize profundamente, tende a valorizar os objetos, experiências e objetivos que permitam sua sobrevivência, seu crescimento e seu desenvolvimento, bem como a sobrevivência e desenvolvimento de outras pessoas. A minha hipótese é que é característica do organismo humano preferir estes objetivos de realização e socialização, quando se expõe a um clima que favorece o crescimento." 

Pouco adiante escreve: " Disse que, aparentemente, perdemos esta capacidade de valorização direta, e passamos a nos comportar segundo formas e valores que nos trarão aprovação, afeição e consideração sociais. Para comprar o amor, renunciamos ao processo de valorização. Como o centro de nossas vidas está agora em outros ficamos amedrontados e inseguros, e precisamos nos apegar rigidamente aos valores que introjetamos." ... "O homem tem em seu íntimo uma base organísmica de valorização. Na medida em que pode estar livremente em contato com este processo de valorização, comportar-se-á de maneiras que permitam sua realização." (p.31)

"Conclui que se tornou possível um novo tipo de universalismo emergente de orientações de valor quando os indivíduos se orientam para a maturidade psicológica ou, mais precisamente, tendem a abrir-se para suas vivências. Esse funcionamento de valor parece provocar a ampliação do eu e dos outros, e estimular o processo evolutivo positivo." (p.32)


Agora penso ser papel de cada um de nós, principalmente profissionais de saúde mental e educadores,  refletir sobre essas observações de Rogers e legitimar, ou não, a veracidade de suas assertivas, as sobrepondo com suas próprias vivências pessoais.

Há anos afirmo a existência de uma instância ética inerente ao ser humano, além do superego freudiano, que ficou imperceptível ao próprio Freud. Rogers reforça essa minha observação em mim mesma e em alguns poucos pacientes  A mim cabe aprofundar minhas investigações. Uau!

Aurora Gite



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