segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O conjunto de "quebra-cabeças" da vida

Um quebra-cabeça... ou um conjunto de quebra-cabeças, é assim que me ponho a olhar a vida atualmente.

Tantas peças todas misturadas esperando que, com atenção, sensibilidade e inteligência, possamos observar detalhes de formas e nuances de cores. Com habilidade e destreza, possamos buscar o encaixe adequado entre as mesmas para atingir o todo previamente configurado. Grande é a satisfação interna ante o alcance do prazer por atingir seu "todo", que implica no entendimento de sua sistematização e completude. Sendo assim essa compreensão só pode ser vislumbrada ante nossa perspicácia de perceber a conexão entre as peças, e ante nossa capacidade intuitiva aberta a visão abstrata do conjunto das mesmas.

Cada peça de um quebra-cabeça, ou cada evento de nossas vidas, depende da escolha acertada, possibilidade única entre tantas oportunidades com que nos deparamos. No entanto, como acertar ante tantas peças ocultas e embaralhadas no meio de tantas outras que lhe são semelhantes? Mais ainda, como distinguir o acerto das decisões, ante peças ainda não tão visíveis na parcialidade do cenário que se constroe gradativamente. Sua construção depende das relações entre elas e o contexto global, para que possamos obter a engrenagem perfeita, que lhe permita sua sustentabilidade, inclusive ante imprevistos que surgem quando menos esperamos.

Cada situação de vida representa uma vivência, cuja qualidade depende da forma que a assimilemos. Experiência positiva ou negativa, sempre fará parte de nossa vida, sempre terá seu espaço nesse quebra-cabeça. Nele não existe lacuna. O que poderia ser chamado de lacuna, ou espaço vazio, já se constitui numa peça a ser considerada como tal. A firmeza de um ponto central está atrelada a nossa qualidade de caráter auto-referencial, que permite conviver por um tempo com a ansiedade do vácuo inicial até a percepção da integração com a plenitude do todo.

Vamos nos imaginar montando o que nos parece um belo quebra-cabeça, de muitas e muitas peças. Particularmente eu gosto de montá-los e ver as imagens se delineando pouco a pouco. Demanda muita paciência e perseverança. Uma paradinha aqui, um cafezinho ali, uma leitura acolá, e uma nova aproximação da mesa onde as peças estão espalhadas. Sob novo prisma, como por encanto, no meio de tantas uma peça se sobressai dentre as demais. E eis o encaixe perfeito, imperceptível a nossos olhos até então focados atentamente e a toda nossa concentração mental, visando o controle sobre todo aquele contexto desmanchado e borrado. E com que orgulho ouvimos de nosso interior: "Puxa, até que enfim, consegui!" Nosso peito se enche pela auto-admiração com tão simples vitória.

Novamente em minha lembrança surgem cenas nubladas de um filme, que sempre retorna a minha mente - o nome de seu título já se esvai, "Júlia" talvez - mas ainda se conservam bem nítidas as sensações que me despertaram logo no seu início. A solidão do barco, a tristeza do entardecer, a quietude do lago, a serenidade do contexto...De repente, o apagar da cena e a destreza do artista na busca de novas imagens, mais condizentes com seu aqui e agora, com o estado momentâneo de seu mundo interno. Determinado ele se esforça por encobrir a paisagem anterior. Porém na tela permanecem impressos os traços já delineados, por mais que somente a ele se tornem visíveis. Os demais poderão contemplar um belo trabalho, expressão de seu ser. Não imaginariam o que o mesmo encobre.

Como a vida nos prega uma peça. Anseios e aspirações, desejos e fantasias... Quantos sonhos e ideais imaginados! Quantas peças mal escolhidas, muitas tendo que ser desprezadas pois nas tentativas de encaixes acabam sendo deterioradas, de tal forma, que aquele quebra-cabeça não tem mais serventia.

Frustrações, raivas, brigas inúteis com a vida, aceitação do que nos impõe, tristeza profunda, resignação e sábia percepção de que na luta com a vida sempre saímos perdendo. A partir daí, "humildade" e "coragem" para novas negociações diplomáticas sobre "como viver"com a intensidade das rupturas bruscas e com o abandono das dolorosas perdas, sobre "como vislumbrar" novas formas prazerosas de vida, utilizando todas as experiências passadas. E eis que a vida nos brinda com um novo quebra-cabeça. E nos retorna a nossa capacidade de escolher montá-lo com alegria, ou ficar nos consumindo ante o que ela nos retirou e não tem retorno.

Paramos por aqui? Não!
A grandiosidade da vida é que após o término desse novo quebra-cabeça nos possibilita apreciarmos tudo que aprendemos com o anterior.
Seu jogo perverso é que o mesmo não perdura, qualquer esbarrão o desmonta e demanda nova construção, testando nossas forças internas, valores e virtudes, na leitura e interpretação do que nos ocorre com os conhecimentos e sabedoria adquiridos.

O presente da vida é a sábia vivência dando qualidade ao que nos ocorre no momento presente, sem nos prendermos ao que já foi, ou nos lançarmos avidamente ao que está por vir. Porém o desejoso desembrulhar desse "presente", não é tão simples, acarreta nova ultrapassagem, desvendando o "enigma das esfinges", para atingir o desconhecido dentro de nós mesmos, e reconhecer a validade do que recebemos da vida.

Por mais que tenhamos o relógio do tempo da vida como objeto de estimação, o mesmo não nos está disponível a nosso bel prazer, a espera de nossas opções de vida. Vale a pena esperar, mais ainda, para alterar algumas decisões desconfortáveis já tomadas?

Aurora Gite
(postado às 19:05h)

P.S. Obrigada, recebi o email e divulgo. O filme a que me referi nesse texto é "Julia" de Fred Zinnemann. Data de 1977. Jane Fonda foi a atriz principal.

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