quarta-feira, 3 de julho de 2013

Considerações sobre o papel das redes sociais


Minhas primeiras considerações sobre o papel das redes sociais deixei registrado no post "Amigos Virtuais e o Social" de 11 de fevereiro de 2013, que republico. Acredito que seu conteúdo deva ser agregado a um "Vamos pensar juntos..." agora envolvendo a forma de relações que estão se construindo através das redes sociais.

Penso que novos horizontes se abrem para observarmos a sociedade atual e analisarmos as formas de relação interpessoal, que se estruturam a partir do mundo virtual.

O que me surpreende, dado para futuras análises, foi a gritante separação observada nas manifestações reivindicatórias, que tiveram seu início em 06 de junho e persistem até agora (quase 1 mês após), entre o grupo de baderneiros e o grupo com as bandeiras do movimento pacífico. Talvez estejamos observando os primórdios da separação, consciente e corajosa, "do joio e do trigo" entre os membros sociais, quando os que incorporavam a mobilização pacífica, de caráter nacionalista, passaram a se afastar, e mesmo rechaçar, os intrusos depredadores do patrimônio público, não só material, mas "moral".

Tais fatos aumentam em muito minha esperança de que novos valores sociais estão surgindo, alavancando um futuro melhor para a humanidade, por estarem sinalizando o despertar da consciência do "ser social" e de seu "senso autocrítico" direcionando seu potencial para ação benéfica, tendo por meta o bem coletivo e uma sociedade mais justa.


Os Amigos Virtuais e o Social

Parece que a poeira levantada pelo "tsunami" de tal proporção que assolou as passagens do século 20 para o século 21, começa a baixar. Pouco a pouco se consegue observar e avaliar os danos acarretados por tantas e tantas mudanças que, como ondas sucessivas e simultâneas, deixavam para trás ruínas das tradições e paradigmas sobre o ser humano.

As transformações, em um mundo estruturado e organizado de tal forma para passar a sensação de permanência e segurança, foram tão devastadoras e irreversíveis que entre seus destroços só se observa a perda das identidades e dos referenciais válidos até então; e se vivencia o escapar pelas mãos da solidez do passado, ante a liquidez da mutabilidade incessante e velocidade acelerada do que ocorre no presente. O relativo tempo presente é onde tudo é considerado ultrapassado em um "piscar de olhos" e obriga o ser humano a adotar uma identidade camaleônica, com graves problemas para a imagem psíquica, que necessita parâmetros mais estáveis.

Ante o "desbussolamento", desnorteamento de rumos a serem tomados, o ser humano já impotente,  acomodado em estado depressivo diante de tamanhas perdas, que envolviam a queda de seu papel de herói, cai em desalentado estado de espírito, perdido diante de atroz destino cujos padrões e modelos desabaram.

Poeira assentando, emerge a dignidade do ser humano do século 21, após sua passagem pelas etapas:
* da raiva (primeiro impulso a seu frustrante despreparo não querendo aceitar, até negando o que já ocorreu),
* da areia movediça do questionamento dos porquês de tudo ter acontecido dessa forma, e busca de análises sobre o que poderia ter sido feito para que tivesse sido diferente (ações que em nada contribuem para soluções efetivas),
* da impotente aceitação (avaliação de tantas limitações e erros nas escolhas) e da premente resignação ante a constatação da necessidade de ter que se inventar a partir de agora  (posturas que impedem o afundar no pântano egocêntrico da depressão),
* da mobilização de forças internas e criação de valores humanos que vão motivar e direcionar sua busca por caminhos alternativos para a construção de novos paradigmas sociais, com a inserção na sociedade do "humano do século 21".

Hoje a sociedade, como um todo, contempla passivamente o perigo iminente da humanização manufaturada de robôs. Cada vez mais ela conquista seu espaço funcional dentro da nova organização social institucionalizada. Esse quadro, a meu ver, tem que ter prioridade na atenção e formatação oficial de leis limitando essas atuações; ainda, no momento, sem referências reguladoras para uso em um social mais amplo.

De repente, em meio a essas reflexões, coloco-me sob nova perspectiva, respondendo a um "miguinho virtual". Transcrevo a resposta inicial e a "Re: Re: DRVs" ...a seguir:

Re : " Eu me referia a fantasia que irá vestir "em seu blog" nesse carnaval: rica de paetês e brilho, ou aparentando sua bela nudez encoberta por pintura artística.
  Aceito suas desculpas pelos dias sem contato, mas o legal do mundo virtual é nos aproximarmos das pessoas nos momentos em que estivermos a fim e nos permitirmos nos afastar quando nossa vontade e nossas atividades não abrirem espaço para elas.
  A questão não é de rejeição a pessoas, mas envolve o espaço dentro de nós. Esse espaço não se contrai ante  vínculos de cumplicidade e lealdade. Existindo também o cuidar da qualidade da relação online, só tende a se expandir pela capacidade humana de memorizar e imaginar.

 Um contato sem a "neura" das obrigações e culpas, a meu ver, equivale à conquista da liberdade para a manifestação da "leveza do ser livre no ir e vir do voar virtual".
  No mundo virtual, ao se sentir o peso de cobranças tá na hora de "discutir a relação" Ops! DRV? Discutir Relação Virtual? É discutir consigo mesmo primeiro e talvez fique só nisso!!!
  É isso aí, "miguinho virtual": adentramos no mundo das DRs Virtuais. Putz, eis um tema que gostaria de ler em seu blog!
 Até mais, abç
 lm "


Aqui abro um espaço para esclarecer o que entendo por cuidar da relação dentro do mundo virtual.
Enfatizo que o cuidar de uma relação virtual envolve a adoção de algumas posturas como:

* a receptividade na escuta ao outro: seja em sua expressão verbal em meio a sonorização ruidosa distorcida, ou através do digitar silencioso - onde a expectativa da espera pode ser aliviada por alguma música que se coloque como fundo, tornando o tempo de espera ao digitar do outro mais aconchegante;

* o respeito à vontade do parceiro virtual: de querer ouvir ou não o que se deseja colocar "naquele momento", tendo sempre em vista que o outro não é recipiente para despejo de nossas queixas e auto-lamúrias;

* tolerância para conviver com sintomas ansiógenos amedrontadores:  expressões de ansiedades mais fóbicas que reais, pois não existe o olho no olho e a possibilidade do confronto com a realidade circundante;

* paciência ante a divisão de atenção do parceiro virtual: que pode ter que distribuí-la ante a simultaneidade de vários contatos online, lembrando que nem sempre o outro pode ser integrado na rede que se forma ao redor do amigo virtual;

* desapego: demonstrar interesse pela continuidade da amizade online, sempre lembrando que não cabe o cultivo da sensação de posse ou reações de ciúme, pois o amigo virtual tem por origem a complexa família online das redes sociais ...e, por outro lado, não se sabe com certeza quando ocorrerá um novo contato virtual e a vida pode se tornar um "inferno" se alta expectativa condicionar uma espera patológica na frente da tela de um computador;

* autodomínio e controle de impulsividade para evitar ações ansiosas "estabanadas" ou "desajeitadas": se o amigo virtual se desligar para o status transitório offline vale encarar como seu direito a um pedido de tempo;

* contenção de quaisquer impulsos agressivos: que impliquem em sutis ataques como meras ironias até um click precipitado na tecla deletar e posterior sensação de arrependimento e culpa.

* a essas posturas cada um acrescenta aquelas que achar relevante para ocasionar a sensação agradável do "quero mais", "quero permanecer por mais tempo com essa pessoa, encompridando o breve momento online que estamos junto", "quero manter 'essa relação online' com 'esse contato virtual' e não outro".

 A perspectiva que me surpreendeu, e que estou tentando colocar, é que o cuidar da relação virtual está diretamente proporcional ao amadurecimento emocional que envolve o processo de se autocuidar.

O reconhecer a fonte interna das próprias ansiedades e o saber-se capaz de contê-las e gerenciá-las,  administrá-las adequadamente nos momentos online, só tende a fortalecer e elevar a auto-estima quando a interação virtual ocorrer. Como o juízo sobre si é de autovalorização pode-se bancar de forma positiva qualquer relação, sem cair na autopiedade ante possíveis rejeições e afundar na posição de vítima, do "coitado de mim", emitindo mensagens camufladas do tipo "espero que cuidem de mim".

A qualidade do contato virtual não se vincula a visão de uma aparência (que pode não ser verdadeira), não oscila ante presença ou ausência física existindo imagens em vídeos (essas também podem ser falseadas), não se atrela a liquidez consumista do mercado midiático dos valores interesseiros, nem a expectativas não dignificantes a nosso lado +humano...

O vínculo entre amigos virtuais depende mais da qualidade das imagens mobilizadas pelas fantasias propiciadas não só pelo sentido das palavras nas mensagens, como também pelas associações significativas e sensações aconchegantes que possam ocasionar em quem as lê e interpreta.

É uma nova visão de mundo que vai se delineando, menos fria e mecânica e mais voltada ao ser humano racional e sensível, que demanda mudança na perspectiva do "cuidar", ou seja, do "amar". Vale refletir sobre tudo isso e verificar sua aplicabilidade prática na realidade cotidiana, para que ganhe "status de verdade"!

Retorno ao meu "miguinho virtual":
  Re: Re: "A questão, a meu ver, é como conviver com a incerteza de quando será o novo contato virtual e envolve também a insegurança sobre como manter a relação virtual.
  Acredito que a volta a si mesmo e o reconhecimento da impotência individual possam ocasionar o filtro seletivo de autovalores humanos (= forças pessoais).
  O peso da própria angústia pelo desamparo e desconforto nas relações virtuais tem condições, segundo penso, de aumentar a empatia pelo outro dentro do social.
  Hoje minha compreensão do social é algo além das interações "eu/outro com rosto". Após leituras das obras de Zigmunt Bauman e análise das articulações das idéias desse sociólogo polonês indo para seus 90 anos de idade, observo o social como o "eu anônimo sem rosto".
  Os "amigos virtuais", dentro de seus anonimatos e distorções identitárias, têm condições de possibilitar  uma verdadeira empatia pelos "sem rostos do social", pois seu lugar na relação virtual, não está distante da posição desses na sociedade.
  Possível luz no fim do túnel levando ao admirável mundo novo... longe da ficção de Huxley, bem longe em sua estrutura ... agora direcionando o século 21, para um novo 'mundo inventado por humanos'.
  Aguardando nosso próximo contato, sem "neuras",
  Abç
  lm "

A adaptação às novas formas de interações, advindas com as amizades virtuais, já vão acarretando possibilidades para se delinear novo tipo convivência humana, que acredito possa se transformar em menos competitiva e destruidora; mais harmônica e pacífica, culminando no desejo de bem-estar e no confronto com o mal estar da pós modernidade; culminando com o abandono da posição humana de mercadoria de consumo e com a luta diária por uma boa qualidade de vida como "sujeito livre, herói para si ao ser responsável pela criação da história de sua vida".

Acredito não ser utopia, e é grande minha esperança em futuro - não tão longínquo agora - que possamos alcançar, dentro do social, a condição de um ser humano "livre" em sua opção por viver de acordo com valores pessoais que o dignifiquem, e "feliz" ao criar, a cada momento, seus estilos gratificantes de vida, respeitando sua essência em suas escolhas para um bem viver consigo mesmo, sem precisar se enjaular em padrões  massificadores, não mais reconhecendo seu rosto no social.

Aurora Gite

P.S. : Para quem se interessar em conhecer a obra de Zigmunt Bauman, o Youtube traz excelente material em vídeos, inclusive divulgando entrevistas realizadas com o próprio sociólogo.

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