sexta-feira, 28 de junho de 2013

Vamos pensar juntos sobre a mobilização de junho de 2013 - (1)


Penso que o impacto da "mobilização social" ocorrida no Brasil, em junho de 2013, iniciada por estudantes e que tomou enorme vulto, como movimento de massa, depois da adesão de vários setores da população, provocou mudanças irreversíveis nas sociedades desse milênio. Um efeito cascata já se faz sentir em outros países.

Fenômeno resultante da convocação via Internet, sem uma única liderança centralizadora, se espalhou rapidamente pelos Estados que compõem nosso país. E nos confronta com o agregar da Internet à imprensa e aos diversos veículos de comunicação, aumentando a força de expressão e coesão do conhecido "Quarto Poder".

Por todos os cantos se podia ouvir o grito exultante do "despertar" de uma nação, clamando por se fazer ouvir por entre a diversidade de ações que espelhavam o uníssono da insatisfação e o brado, fraco no início, de "Eu sou brasileiro!". Aos três poderes instituídos: Executivo, Legislativo, Judiciário restou a busca de tentar compreender, elaborar medidas de contenção, encontrar atos ilícitos enquadrados como violência à soberania da Constituição.

Governantes de todos os poderes se reunindo, tentando encontrar medidas apaziguadoras, via retórica vazia dos discursos ou via contenção física e violenta da polícia - que desnudou sua agressividade cotidiana perversa em nada próxima de sua função protetora da população e espelhou a falta de segurança social que se alastrava por anos pelo país.

E as reivindicações explodiam! Em setores imprescindíveis para a civilidade de um país como o Brasil, o protesto tornou público, e em proporção globalizada e instantânea, o descuido e a carência nas áreas de Saneamento Básico, Saúde, Educação, Segurança ... Mais ainda quebrou o ideal virtual propagado pelo área de marketing do governo atual, ou seja,  de imagem de país maravilhoso, onde tudo corre bem, tudo dentro da estabilidade na economia, da sustentabilidade na administração pública com gastos controlados (?)...

Minou a publicidade voltada a convivências com "paz e amor" e medidas de justiça social pela distribuição de renda, que escondiam grande distorção de informações, "agora" desmistificadas. Belos nomes de programas sociais embutiam longos empréstimos a serem pagos pela gama dos desempregados que já se avolumava outra vez, mas era acobertada pelas pesquisas que realçavam aspectos mais positivos ou fictícios. Na prática a "massa, conduzida como manada", se deparou, nos últimos tempos, com a realidade de seu endividamento e inadimplência, decorrentes da abertura e incentivo ao consumo irracional.

O povo passou a sentir as feridas em sua própria carne, pois se viu inserido dentro do caldeirão de saques, roubos, assassinatos de pessoas com suas vidas banalizadas, interrompidas simplesmente porque não tinham dinheiro para dar aos ladrões agora de vidas, não mais de bens materiais. Nova categoria de "homicídios perversos" se institucionaliza. O pânico toma conta da sociedade, por temor da morte, até de desconhecidos, por balas perdidas de traficantes, ou mesmo de policiais. A bola de neve de um estado de "anomia" se instalava nesses últimos anos ante o não cumprimento efetivo das leis existentes, ante a ausência de ética nas regras de conduta, ante a quebra das regras até burocráticas para uma convivência pacífica entre as pessoas. E o governo voltado a outros interesses (?) permanecia insensível a perceber o grau de ebulição da chaleira das emoções populares, fechado a escutar as demandas da massa sofrida de seres humanos que deveria proteger.

Agora com as medidas ontem anunciadas, necessárias ao combate do monstro inflacionário e convivência forçada com aumento de impostos para tentar contê-lo, sem ter mais de onde tirar de seus parcos ganhos diários, sabendo que é também para arcar com os gastos excessivos do governo, desvios de verbas ante interesses particulares da classe política, com a pouca eficiência para lidar com o patrimônio público tudo regado a ausência de fiscalização do Executivo, falta de elaboração de leis eficazes do legislativo e impunidade do Judiciário, a massa da manada se fragmenta e cada um berra: o que "eu" vou fazer? o que "nós" vamos fazer?

E a realidade apavora os governantes, pois cidadãos clamam por urgência de soluções concretas, não mais blablablás... e gritam através das constantes e contínuas mobilizações populares: O que "vocês" vão fazer?
O que vocês, como governo, vão fazer com o despertar do senso crítico da grande continência dos que se sentem injustiçados e, na verdade, o são; dos que se aperceberam de como o país se afundou políticamente também por sua atitude displicente ou de autoexclusão social, sua acomodação e impotência; dos que se perceberam de sua condição humana vazia e superficial, que os remete a graves quadros depressivos; dos que passaram a ver no que se transformaram se permitindo viver na padronização e mesmice robotizada, seduzidos pelo "brilho da vida ilusória marketizada" e comandada por grupos que, centralizando e "manipulando o poder", lhes tiraram a possibilidade de exercer sua cidadania em prol de uma nação melhor e mais justa.

Notícias de tal porte, como o fogo, logo se espalham, inclusive por outros continentes "internatizados", ao tempo real em que os movimentos acontecem: "Protestos se espalham pelo Brasil", "Movimento está divorciado dos políticos tradicionais!", "Manifestação apartidária começou pelas redes sociais", "Convocação via Internet, mobilizou muita gente, deixando atônito o Governo", "Governo, surpreso, procura entender a dimensão nacional do protesto!"...

Cartazes se proliferam em meio às passeatas: "Basta à roubalheira!", "Chega de corrupção e impunidade!", "Não tenho partido, 'eu sou' Brasil!" "Prioridades do povo não são as prioridades do governo".

Divulgação do movimento por meio de caras pintadas, se avolumando: agora não só dos jovens, mas crianças, adultos e idosos expressam o orgulho de lutar pelo Brasil, orgulho de "pertencer a essa nação".

Muitas análises aproximam o movimento brasileiro ao que ocorreu na França em maio de 1968, que redundou 1 ano depois na destituição do governo De Gaulle. No Brasil, espero que futuros votos nas urnas democráticas possam denotar a decepção com a falta de representação popular: câmara, congresso - vereadores, prefeitos, deputados estaduais, governadores, deputados federais, senadores... e por aí vamos.

Podemos observar com clareza "facetas mobilizadoras da grande manifestação popular", que assola o Brasil como um todo. Alguns perfis de futuros líderes políticos já despontam. Passo a acompanhar os passos de Thiago Aguiar, jovem mestrando em Sociologia, do grupo JUNTOS, por sua fluência retórica, capacidade de convencimento, coerência e deteminação de ideais e metas, repetidas em várias entrevistas televisivas: "Meu objetivo pessoal é contribuir para maior bem estar social. Minha luta visa uma sociedade justa!"

Se alguém tiver interesse em traçar o perfil do político do milênio indico, além da análise atenta e acurada do quadro social atual, o livro "Cartas a um Jovem Político", de Fernando Henrique Cardoso.

Vamos então pensar juntos e articular algumas ideias com fatos observados?

Manifestação "apartidária",  não apresenta características de engajamentos políticos, defesa de compromissos ideológicos, manipulações populistas. O povo brasileiro permaneceu, por tantos anos, impotente, observando a grande distância entre as prioridades do governo e suas reais necessidades.

O sentir-se excluído, colocado à parte das decisões governamentais, pois seus representantes, ao serem eleitos, buscavam outros interesses, implica em sensações de menos valia, desconsideração pela frieza e insensibilidade dos políticos escolhidos, e com isso grande desconfiança na classe política. Aliás poucos sabem, ou se interessam em saber, "O que é Política?". Não existem mais projetos políticos para serem debatidos contribuindo para a formação do "ser político". Em épocas eleitoreiras o que mais se notificam são as datas dos shows com cantores famosos e celebridades, pagas - e bem pagas - para prestigiar os candidatos.

Em meio a esse quadro de exclusão, desesperança, impotência, raiva, inveja dos privilégios e da aquisição fácil de poder financeiro e reconhecimento social, podemos notar que, num primeiro momento, a busca da massa popular se voltava mais para o preenchimento do vazio como eleitor e cidadão, para a conquista da "sensação de pertencimento", não de engajamento em uma causa política. A "mola propulsora do movimento popular de tal porte" foi, confiram comigo, a necessidade do ser humano de ser valorizado e se autovalorizar, sentir-se acolhido, de ser aceito e incluído, para ter satisfação em "pertencer a...".

A música entoada "Eu sou brasileiro" indica o "despertar da disposição do cidadão de fazer história por pertencer a essa nação e se orgulhar desse sentimento". "O Brasil precisa de nós!". "Basta de desmando irresponsável, de nepotismo, de corrupção, de impunidade correndo solta, de represálias por falta de uma Justiça atuante!". "Chega de violência de uma polícia sem preparo!" ... e são muitos os que gostariam, se a raiva pemitisse um pensar mais ponderado, continuar com : sem treinamento, sem recursos, sem salário à altura do risco que enfrenta!

Nesse momento, com caras pintadas com as cores da bandeira nacional, cabeça erguida e peito inflado, encontram sua potência na "inclusão participativa". Lutam pelo futuro de sua geração e das gerações vindouras.

Nessas circunstâncias, embora o perigo pela infiltração dos baderneiros, vândalos e saqueadores destruindo o patrimônio público e investindo contra pessoas indefesas, como não apoiar pais, que, com o coração angustiado, são obrigados a soltar os filhos para a vida, justificando esse ato de amor com a frase: "Acho uma experiência cívica importante para essa juventude!"; como não aceitar familiares, que estão sendo convencidos pelos estudantes, por amor e por admiração, a com eles se solidarizarem respeitosamente ao ouvirem:"Estamos dando a cara à tapa, lutando por um mundo diferente!"; como não aplaudir esses jovens estudantes - filhos agora também do Brasil - com o gosto da vitória na boca, caminhando rumo a uma batalha pacífica, com amplo sorriso gritando: "Tenho orgulho de estar aqui, por meu país!"

E "nós, que convivemos titubeantes com a estranha sensação de pertencer ao milênio", buscando nova identidade ante a multiplicidade de possibilidades para tomadas de decisão, analisando a liquidez transitória dessa nova época, que nos leva mais longe da solidez da segurança do "velho e presente ainda mundo"... podemos constatar no cantarolar do Hino Nacional, a "força do patriotismo", a "História mostrando ao povo sua identidade... novos valores sociais emergindo da solidariedade no coletivo":

"Tava em casa e percebi que não dava mais para ficar fora, queria pertencer a esse movimento. Sou cidadão brasileiro. A nação precisa de mim!"

Particularmente, sinto enorme comoção, orgulho e gratidão ante essa juventude corajosa.
Por vontade, estaria nas ruas, cara pintada com as cores da bandeira nacional.
Só não me permito, como cidadã, ficar sem divulgar notícias sobre essa manifestação.
Só não me concedo o direito de personagens públicos e políticos (por serem também formadores de opinião) permanecerem sob proteção pessoal, sigilosa, silenciosa e intocável, idealizados dentro de "bolhas individuais".

Nesse sentido:
Só posso mais uma vez parabenizar a exposição, análise crítica do quadro social como sociólogo e ex-presidente, postura de um verdadeiro político como é Fernando Henrique Cardoso.
Só nâo posso me consolidar com a postura "neutra e até certo ponto indiferente ao quadro social", e me permito deplorar a atitude do ex-presidente Luis Inácio "Lula" da Silva, que hoje saiu de sua clausura, manifestou suas críticas e "apontou erros do atual governo (de seu partido)", estando com suas "malas prontas, para sua próxima viagem à África, para respeitar compromissos assumidos e, talvez, porque não, marcar seu espaço público (como muitas celebridades já o fazem) na paz da despedida de um "verdadeiro líder como Mandela" - só que no seu caso, nesse momento, falha no respeito ao povo brasileiro, que se digladia (combate corpo a corpo) em uma batalha por espaços de cidadania e de valores éticos.


Aurora Gite

P.S.: Em próximo post, "Vamos pensar juntos ..." (2), que tal nos empenharmos para refletir sobre o que representa esse "despertar" para o ser humano, e constatar, na prática, se não se refere ao acordar da "razão crítica", ao despertar de um "espírito crítico", responsável pela eclosão da vontade espontânea, ou seja, pelo "querer agir de forma realmente política?"



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