sexta-feira, 14 de junho de 2013

"Basta ... Agora Basta!"


Quero acreditar que todo esse confronto em várias capitais do país, que resultaram em várias pessoas presas no dia de ontem, 13 de junho de 2013, represente o início de um despertar de um povo, que permaneceu por longo tempo com sua razão adormecida e seu pensar crítico desativado, substituído pelo mundo ilusório do pensar superficial do mundo supérfluo das aparências transitórias e manipuláveis.

Minha expectativa é que valham como um "Basta!" para autoridades que camuflam interesses outros atrás de discursos sofistas de preocupação com a comunidade e com o bem-estar do povo. Quadro mais sério quando pertencentes a partidos políticos que pregam ideologistas trabalhistas e divulgam projetos em prol dos trabalhadores.

Os que deveriam ser "representantes do governo", pelo menos parece que para isso foram eleitos, esquecem que um aumento do ônibus de 3,00 "só" para 3,20, e ainda "abaixo da porcentagem da inflação acumulada", tem como contraponto acordos salariais que não acompanham o aumento inflacionário acelerado por gastos inadequados governamentais e má administração das finanças que lhes chegam às mãos para realizar benfeitorias sociais.

Ah! Não esqueçam de descontar o total, a que chegaram, do salário mínimo atual. Agora avaliem o quanto sobra para a sobrevivência do povo, que busca um mínimo de qualidade de vida.

Analisam o problema sob que perspectiva referencial? Parece que, até esse momento, ganham o bastão, que na certa não pertence nem ao bom senso e nem à temperança dos "justos" e dos "pacíficos". O manto que coube aos políticos, envolvidos em seus discursos vazios de sentido e cheios de especulações - e nas diversas esferas governamentais - foi o mesmo de "Pilatos", lavando suas mãos, indiferente às repercussões práticas de sua decisão, tomada do alto da posição, que lhe outorgava o prestígio e a coroa da insensibilidade do intocável.

Os que deveriam se colocar como responsáveis pela proteção pacífica e segurança da sociedade não poderiam nos dias que antecederam e que vinham anunciando o acréscimo da bola de neve do descontentamento e da sensação de injustiça social, ter planejado ações não violentas e estratégias de contenção por outras vias preventivas, quer sejam, marcações de reuniões visando ações mais eficazes para solucionar o problema?

"Queremos conversar sim ... justificar nossas medidas ... negociar até ... desde que façam como queremos e mandamos!" Eis o monólogo divulgado, em nada propenso ao diálogo que faculta a probabilidade para negociações, que sejam consensuais e boas "para ambos o lados".

Não se pode deixar de enfatizar que, sentir a dor da injustiça social, machuca o povo por dentro, atinge sua alma e integridade, mais do que um par de algemas, do que tiros com balas de borracha e pancadarias com cacetetes, que na pontaria e descida aleatória sobre suas partes físicas buscam amordaçar a expressão dessa dor. Ontem essas cenas tornaram-se evidentes com a tecnologia do "zoom".

Para quem não viu um repórter sendo imobilizado por seis ou sete policiais, tal visão ocasiona maior revolta a quem pode assistir a cena e impotente teve que conter a raiva que despertou. Muitos ignoram ou se esquecem que a violência injustamente contida, física ou verbal, se constitui em uma das variáveis com grande força mobilizadora de contrarreações agressivas. A reação é mais aviltante ainda, tanto a quem sofre a agressão, ou assiste a essa agressão sendo praticada em terceiros, quando se trata de aliviar a dor que vem da alma: dor da indiferença e desconsideração, do desprezo e desrespeito, dor das atitudes desumanas por aqueles que deveriam zelar pelas interferências visando a ordem para o bem-estar social.

Colocar limites e restringir transgressões legais é bem diferente do incorporações policiais avançarem em suas funções e se permitirem ações violentas, autoritárias e ilegais.

E viva a tecnologia, que facultou recursos para o alcance de cenas transmitidas por profissionais usando seus equipamentos e filmando dentro de helicópteros. Com isso, a imprensa, ante evidências gravadas em vídeos e fotos, pode desmascarar quaisquer tentativas de manipulação de notícias e plantação de provas como tem sido feito em muitos casos. Com isso, pode a imprensa apontar a fraqueza e irresponsabilidade de covardes, "paus mandados que não ousam ter respeito próprio e dignidade", maus treinados para o desempenho de determinadas funções. Convém pontuar que, para muitos, o cargo serve como válvula de escape e respaldo para suas tendências agressivas, encobrindo o lado sombrio e patológico da condição humana em sua perversão, fato bem retratado nos dois filmes brasileiros sob o título de "Tropa de Elite 1 e 2".

Os agrupamentos populares, como caracterizou uma repórter em sua breve, corajosa e rápida avaliação
nos locais do confronto, tinham seus elementos pertencentes à uma classe não tão carente que necessitasse defender esse quinhão de seu salário. Aliás multipliquem esses 0,20 por 30 dias/mês, pelas vezes ao dia em que a população usa esse meio de transporte, ou paga a seus empregados para que os use, ou que pais pagam para que seus filhos estudantes os usem...

E por aí vai essa realidade, tão distante das categorias, de representantes e protetores da sociedade, acima citadas:

De um lado pode-se notar que - dessa vez intransigentes em suas normas mantenedoras de seu poder, e sem abertura para escuta indispensável a qualquer negociação - os que teriam poder decisório para alterar o quadro de violência, lavaram aos mãos, atribuindo todo levante a grupos de baderneiros e uso político do evento popular.

De outro lado os que, garantidos pela farda, usurparam de seus poderes e se deixaram seguir ordens irracionais, borrifando gases de pimenta diretamente nos olhos de muitos fotógrafos evitando o registro direto da tirania de suas ações, ferindo com as balas de borracha de suas espingardas o rosto de jovens repórteres no exercício de sua função, tal como eles.

E viva a tecnologia, que permitiu que tudo fosse documentado e que o mundo verificasse como a liberdade de imprensa ou de expressão é ceifada ante o ardor, a cegueira e sequelas respiratórias provocada por gases de pimenta e bombas de "efeito moral".

Contra evidências como lideranças podem, cabeça erguida e sem hipocrisia moral, encontrar argumentos para justificar o ocorrido, sem colocar em xeque e demitir seus comandados responsáveis por tais ações inaceitáveis e não administráveis através de belos discursos?

Como não sentir "como cidadã" o peito encher de orgulho patriota, percebendo "como ser humano" todo o corpo palpitar ante essa "sensação de despertar"?

Como esquecer o rico instrumento da comunicação via internet, onde um líder ausente é capaz de bem aglomerar muito mais pessoas em minutos de convocação e propagação midiática globalizada abrangente, se estratégias forem bem planejadas buscando eventos populares maciços e pacíficos, que espelhem ao mundo as injustiças sociais que dominam o país?

Como não realçar o papel, de cada um de nós, intelectuais ou não, que possam divulgar e tenham a ousadia de se expor, um pouco, e não se esconder atrás de suas cátedras, seus livros, seus chinelos e suas "tevês", suas cervejinhas e uísques, ou seu pote de cremes e doces?

De qualquer modo, penso que assistimos, nesses últimos dias, a um despertar que acredito não ter retorno.

Não só lembro das consequências do movimento dos "caras pintadas", há alguns anos, para que ocorressem as eleições diretas para presidente, aqui mesmo no Brasil; mas me recordo da época do movimento que eclodiu na Revolução Francesa, quando o povo se conscientizou de que a ele eram distribuídos cestos de pães para matar sua fome, enquanto que aos governantes cabiam fartos banquetes para saciar sua gula e sua ganância.

E com o despertar para o que de real acontecia ao seu redor, vieram o urro de dor pela injustiça percebida e o enraivecido limite colocado pelo grito de "Agora basta!"

Engrosso o urro dos injustiçados com meu "Basta, agora basta!"


Aurora Gite


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