domingo, 15 de fevereiro de 2015

Fichamento que ganhou colorido especial para minha pesquisa

Remexendo papéis me deparo com um "Fichamento das leituras, durante o grupo de estudos anuais sobre psicodinâmica de base psicanalítica, realizadas até 14/05/1991". E logo me vem a cobrança: "Nossa! Por que guardei isso por tanto tempo?". Passo a folhear o manuscrito e, em seu final, obtenho a resposta à minha inquietação ao observar que contém algumas frases também manuscritas pela supervisora (orientadora) do grupo, Eunice. Isso deu um colorido especial pessoal ao meu fichamento e me fez mantê-lo por todos esses anos:

"Fichamento muito bom; sério, com apreensão da complexidade do texto.
Há elaboração secundária numa apreensão pessoal dos diversos textos.
Na prática, penso que poderia haver espaço para mais dúvidas."
Eunice - psicanalista supervisora

Até o momento dessa postagem, não havia me recordado da imagem de Eunice, por mais que me esforçasse em situá-la nos eventos que levaram a esse fichamento. Para ser sincera, pouco lembro desse grupo de estudos. Teria que recorrer a várias associações de ideias e imagens para resgatar o laço afetivo, que daria colorido às circunstâncias de então, fazendo as lembranças emergirem com mais presteza da memória.

Sei que fiquei muito curiosa com o que escrevi sobre os escritos de Freud, e como era minha escrita compreensiva em 1991, e após lê-las resolvi transcrevê-las com o objetivo de arquivá-las digitalmente.

As citadas leituras compreendiam as Conferências V, VI, VII, VIII, IX, X, XI referentes ao volume XV (Obras Completas de Freud, Editora Imago): "Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1916): Parte II: Sonhos", assim como o capítulo VII do volume V da "Interpretação dos Sonhos, Parte II (1900) envolvendo "A Psicopatologia dos Processos Oníricos Latentes".

Sinopse:
*Objeto de estudo: a vida mental e as operações intrapsíquicas
*Sonhos, parapraxias (atos falhos cotidianos), sintomas: têm um sentido: são manifestações de intenções perturbadoras do Inconsciente em nossa atividade consciente.
*Sonho: estado de suspensão do interesse pelo mundo exterior, é via de acesso à compreensão do próprio Inconsciente, servindo de guia e grande aliado na escolha de formas mais harmônicas de se viver bem consigo mesmo.
*É o próprio sonhador, ou seja, a pessoa que sonha, a "única" capaz de nos dar seu significado.

"Em sua busca e constante investigação sobre o modo de funcionamento mental dos seres humanos, baseada em experiências clínicas e observações subjetivas internas, Freud nos remonta, nessas leituras, a um aprofundamento do que ocorre mentalmente durante os sonhos, nos encaminhando a acompanhar o paralelo feito por ele com o que aconteceria a nível dos sintomas que se sucedem na vida desperta; bem como nos enfatiza a importância da compreensão dos processos envolvidos, ao se priorizar a busca dos meios para ajudar um paciente a se autoconhecer, reconhecendo o que rege sua conduta e comportamento (respostas reacionais), dentro do possível.

Para ele, por trás de todo sonho existem pensamentos e desejos inconscientes ativos, sendo o sonho caracterizado, então, como reação a um estímulo que perturba o sono. Sua compreensão poderia possibilitar o acesso ao próprio inconsciente e à maneira como cada indivíduo atua dinamicamente, e facultar a observação de como se processa a mobilização do conjunto de operações intrapsíquicas, que determinam seu modo de ser e estar.

Freud coloca que, no sonho - atividade mental durante o sono - a energia que, ao sonhar, dinamiza o funcionamento do aparelho psíquico percorreria um caminho regressivo, diferenciando-se qualitativamente da característica mental da vigília que ocorre dentro de um contexto progressivo. O 1º expressando os desejos inconscientes, possibilita que esses venham à tona, em sua maioria, pela elaboração onírica e sua driblagem a uma censura interna do indivíduo. O 2º, em seu funcionamento, é permeado de sintomas, parapraxias (atos falhos cotidianos), chistes (piadas) - também originados por manifestações inconscientes - que por aí encontraram seu meio de expressão.

Comprova que o sonho representa um caminho regressivo ao estado uterino, reconhecendo daí provir o maior desejo do ser humano de plenitude e integração; reforça sempre dentro de um trabalho dedutivo... - (ops...foco na anotação de Eunice no espaço lateral da folha: "Qual a definição do conceito, ou existem trabalhos dedutivos?)... retomo que Freud comprova sua afirmação sobre o determinismo da vida psíquica de todo indivíduo. Nesse sentido, a compreensão do elo associativo possibilitaria a compreensão do próprio objetivo oculto, ponto de partida de toda dinâmica mental. Para ele, "um indivíduo que sonha, sabe que sonha, apenas não sabe que sabe, por isso pensa que não sabe", hipótese comprovada na experiência hipnótica. Partindo dessa premissa do que ocorre com esses fenômenos psíquicos, Freud procura a verificação do que acontece nos sintomas, ambos substitutos deformados de um material original.

O trabalho da análise, seria justamente essa compreensão das associações e interpretações, onde o terapeuta procura, novamente retraduzir, ao captar a linguagem latente das manifestações expressas, tentando que o sujeito vença as resistências, que impedem que uma expressão surja via direta, em virtude da "enorme dor mental", que poderia ocasionar pela "imensa quantidade de fantasias que contaminam sua expressão". Reações a elas exercem um poder tão forte, uma força tão repressora, que só é permitida sua manifestação como resultado de uma conciliação, ou formação de compromisso, entre duas intenções concorrentes, sendo a segunda caracterizada pelo desejo de satisfação do estímulo psíquico. Com isso, Freud reafirma que, na vida mental, existem intenções inconscientes atuando lado a lado e de formas opostas às intenções conscientes.

Nesse sentido, o sonho é uma forma de descarregar o estímulo somático (desejo de dormir) e o psíquico (de obter satisfação pela realização de um desejo oculto), servindo às duas instâncias psíquicas. Como o indivíduo não realiza o que sonha, vem a constituir-se numa vivência ou experiência alucinatória, comprovação do contexto regressivo observado por Freud.

Procura, Freud, percorrendo todo esse projeto, manter a ideia de um aparelho psíquico e reconhecer que o "simbolismo"  que cerca essas expressões simbólicas, pertence à vida mental inconsciente. Ele reconhece a existência de uma atividade psíquica que parte de estímulos, intrinsecamente "ligados à falta de algo" e, portanto, ao desejo de obter algo para supri-la, que tanto podem ser internos quanto externos.

Assim se direcionaria a descarga da tensão interior e se obteria o prazer daí decorrente. Aborda a existência de um polo sensorial de um lado, e de um polo motor de outro. A tendência normal seria que um estímulo-sensação fosse descarregado de forma imediata. Nesse sentido, não haveria sobrevida para o indivíduo a nível psíquico e social, havendo portanto a necessidade de que algo se interponha a esse processo semelhante a um arco reflexo (estímulo-resposta). A interposição decorre da existência de sistemas, caracterizados por funções coordenadas, com organizações específicas. Sendo assim haveria um sistema receptor do estímulo, transformando a excitação passageira em traços permanentes, mnêmicos, que no seu total viria a constituir a memória.

Os traços mnêmicos são elementos que se referem ao inconsciente. A tendência de seus elementos é tornarem-se conscientes, porém pela natureza dos desejos, que envolve impulsos inaceitáveis que ferem contextos internos ético-morais, surgem barreiras que impedem a descarga, tais como a repressão a nível inconsciente e a censura, já entre o que constitui o sistema pré-consciente e o polo motor, que constitui o sistema consciente.

Freud localiza a base das associações residindo nos sistemas mnemônicos. Alguma coisa, ou evento, adquiriria uma significação psíquica pela associação de ocorrências com o que denomina de "matéria-prima" da memória, correspondente ao 1º traço significativo da experiência de satisfação. O sonho é considerado substituto do impulso instintivo infantil carregado de desejo e modificado, que é transferido para as experiências recentes. Por essa experiência alucinatória ocorre o "refundir do conteúdo ideacional com imagens sensoriais". O fenômeno da regressão atua e os pensamentos são transformados em imagens. É considerado produto da resistência, que se opõe ao avanço do pensamento na consciência por via normal. Nesse caso, um pensamento é reprimido tanto pelo efeito da censura, que o empurra em direção ao inconsciente, quanto pelo próprio inconsciente que o puxa. A regressão ao polo mais primitivo ocasiona que as imagens voltem para trás e o funcionamento noturno seja mais primitivo que o que ocorre no estado de vigília. Esses fatores explicam processos, como a "condensação" e o "deslocamento", que ocorrem na elaboração onírica, e a "falta de sequência lógica", que dão, a alguns sonhos, o caráter de absurdo.

Se na experiência alucinatória do sonho, o estímulo é atraído pelos traços mnêmicos do próprio inconsciente, e do próprio movimento regressivo que se tem à noite, na alucinação dos neuróticos, pensamentos são barrados pela censura tendendo a ocasionar um pensar, mesmo em vigília, segundo um polo regressivo. O pensamento também é um substituto de um desejo alucinatório.

Para Freud, necessidades internas constituiriam forças provocadoras, que ocasionariam modificações ou movimentações internas, perdurando o nível de tensão até que a experiência de satisfação pusesse fim ao estímulo. O desejo seria a realização do reaparecimento da percepção, ou seja, o desencadeador do impulso psíquico, que coloca o aparelho mental em ação. Sendo assim, do estado primitivo advém um desejo considerado alucinatório, pois o que se busca é uma experiência de satisfação já vivida e só conseguida a nível de alucinação por uma identidade perceptiva, pela associação com o traço de memória correspondente. Ante o contato com o mundo externo ocorrerá uma inibição da regressão e o consequente desvio da excitação. Esse funcionamento caracteriza o 2º sistema, que se encontra no controle do movimento voluntário, onde ante a censura e o recalque da alucinação, o indivíduo tenderá a buscar, no mundo externo, algo que satisfaça sua necessidade sem ser de forma alucinatória. O pensamento surge, nesse caso, como forma de ação ligada ao prever, a um postergar a descarga da energia.

Sintetizando o funcionamento do aparelho psíquico: uma sensação ou impressão sensorial marca o sistema perceptivo e, a partir daí, as excitações, que correspondem à energia psíquica, vão passando por uma série de interações em contato com a realidade, deixando vários registros permanentes, como um elo decorrente das relações de similaridade, que correspondem ao próprio inconsciente, visto a censura, recalque ou repressão atuarem no sentido de impedirem sua recordação. A pré-consciência (onde com esforço e atenção lembranças poderiam ocorrer) e a consciência estariam no extremo do polo motor.

Partindo da compreensão do funcionamento e constituição do aparelho psíquico, Freud reconhece a existência de dois processos, que denomina primário (mais ligado à identidade da percepção e descarga imediata) e secundário (mais ligado à identidade do pensamento, onde a descarga postergada, ante o desenvolvimento da capacidade de melhor tolerar a frustração e a ansiedade, possibilita contato voltado à realidade de forma mais harmônica e real."

Agora anexo como mais um dado para articular com as hipóteses de minha pesquisa, a saber:
* Freud foi o primeiro a constatar e registrar a dinâmica psíquica quântica
* Freud foi o primeiro a observar e manipular, sem condições na época de assim nomear, a energia quântica que mobiliza nossa vida mental.

Nesse momento, me volto para Jung em seu grande interesse e trabalho incessante voltado aos estudos sobre atividade mental simbólica no sonhar. Penso que com suas observações sobre o que chamou de "Processo de Individuação" e "Integração Eu-Self", descreveu o encontro com o "Inconsciente Quântico".

Então, as palavras de ordem e disciplina, para um pesquisador, são: "Mãos à obra, com garra e determinação!"


Aurora Gite


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