quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Perigos na montagem dos currículos atuais, como não?

Preocupada com a formação da nova geração não só ante tantas inovações tecnológicas que a cercam, mas com o aprimoramento de professores, acresço agora a inquietação com a alteração de grades curriculares. Não é possível imaginar que permaneçam estanques a um passado com conhecimentos que, na prática se tornaram obsoletos, pois o mundo atual nos remete a aplicações diretas das informações assimiladas.

O ensinar e a forma de educar as crianças de hoje, para conviver com as transformações ocorridas no milênio, implicam grande dificuldade na montagem curricular. Não se pode deixar de lado que também são filhos da internet e da globalização.É preciso considerar a gama de informações que lhes chegam por essas vias e a amplitude de seus interesses. Considero importante a "construção do perfil do ser humano e do profissional que o milênio demanda", antes da aventura de buscar moldar nossas crianças, para que se enquadrem dentro do ensino enjaulado por grades curriculares que visam interesses, por vezes, escusos! Como aprimorar professores, sem esse perfil, se ambos estão entrelaçados e são inseparáveis?

É necessário a conscientização de que o senso de justiça da geração atual em formação, e a avaliação crítica sobre si mesmo e sobre o que a cerca, estão mesclados pelos valores das redes sociais a que suas crianças estão atreladas. Os "selfies" trazem consigo várias interpretações, além da mera superficialidade narcísica. O milênio demanda de empreendedorismo, auto-iniciativa que produza resultados eficientes e eficazes, visão de futuro onde a criatividade comande inovações desenvolvimentistas... sem esquecer a História que fez com que nossa civilização aqui chegasse, sem olvidar o ensinamento dos sábios pensadores gregos com seus valores e virtudes que representam as forças do ser humano em seu trilhar dentro do convívio social inclusive.

Nesse sentido, penso que os especialistas responsáveis pelos currículos deveriam incluir na formação desde o ensino fundamental, respeitando a devida didática - e não excluir como parece que é o que vai ocorrer - disciplinas como História, Sociologia, Ética, Direito, Psicologia Aplicada ... Deveriam incluir ensinamentos que não façam nossas crianças se esquecer de sua identidade histórica, nem a de seu país, nem a compreensão do encontro de forças culturais conflituosas, responsáveis pelo mapeamento histórico das nações da época em que vivemos.

Nossa sociedade não é só fruto de nossa genética hoje facilmente manipulada - outra preocupação a ser considerada pois não nos é possível calcular como será a geração que advirá dos clones, dos robôs e tantas outras aberrações... Também não é fruto só da tecnologia digital e de tantos "designs coletivos" que menosprezem os valores familiares e os substituam por padrões de comportamento, e formas de sentir as emoções, impostos por culturas. Com tantas transformações no milênio, não se pode mais desconsiderar o ser humano e sua condição de buscar ser livre e feliz, dentro de sua unicidade implantada no convívio coletivo. E abrir esse espaço no mundo líquido atual, sem ser mercadoria de consumo (como bem diz o sociólogo Zygmunt Bauman em seus 92 anos e sua extensa obra) não é fácil!

Acho que se torna de grande valia, como ponto de partida, para profundas reflexões, o que desenvolvi em "A Maratona dos Cientistas":

A maratona dos cientistas

Sempre imaginei os cientistas como aqueles desbravadores, muitos dos quais carregando nas costas o peso das novas descobertas, homens valorosos pela fé em seu acreditar e persistência em continuar investindo na busca da confirmação ou refutação de um saber intuído, "hipotetisado" por eles e, por vezes, ridicularizados pelos demais.

Fileira de formiguinhas, trazendo às costas o material de sobrevivência de sua espécie, obedecendo ao ritmo de cada uma das formigas, enfileiradas à sua frente, sem atropelos competitivos em seu caminhar persistente e sistemático.

Em meus devaneios, era o que ocorreria entre aqueles que se esgrimiam em seus argumentos defendendo ou criticando, na luta pela construção do mundo das idéias, que seriam aglomeradas em teorias científicas e que passariam a ser aplicadas racionalmente na prática em prol da humanidade. Assim, suas descobertas passariam a fazer parte desse "conjunto de conhecimentos sistematizados relativos a um determinado objeto de estudo" que vem receber o nome de ciência.

A ciência, no entanto, para espanto de muitos (inclusive meu), passou a ganhar "status" de algo concreto corporificado, personificado como entidade dotada de poder sobre o homem. Saiu do campo do abstrato, como tantos outros termos ideativos, e tornou-se - como a religião era antigamente - fonte de referência da verdade.

E se expandiu! A meta principal a ser atingida voltou-se para a obtenção e manutenção de poder. Não foi tão diferente do que ocorreu com a religião, agregada a instituições, onde os religiosos passaram a ter que se curvar ante um conjunto de regras a serem seguidas como estilos de vida, e dogmas a serem obedecidos sem questionar, se quiserem pertencer a categoria. Não mais prevalecia o valor das transformações interiores e da adoção de condutas éticas, mas o pagamento de dízimos e a absolvição por repetição de rezas decoradas. Hoje em dia, tem cientista para tudo. O homem passou a englobar, nesse termo, amplas áreas de conhecimentos vários. Um cientista passou a representar prestígio, fama para alguns, poder autárquico para outros.

Um parêntese, ou um lembrete de atenção, se faz mister. Tal foi o poder que o homem lhe atribuiu que tornou-se corriqueira a justificativa "Faço em nome da ciência!". A permissão para seguir adiante nos experimentos surge, não sei bem com que aval, mas sei que muitos experimentos se tornam até contrários ao bem comum da humanidade. Ops, e sei que as pessoas sabem, sabem reconhecer de onde vem a autorização. É só acompanhar o fio da meada e descobrem seu ponto inicial, mas terão que conviver com a dor da impotência e o confronto com a frustração e a raiva por se aquietar e brecar um agir ético; e isso incomoda tanto, que é melhor não insistir em observar a verdade que jaz oculta.

Quando pensava em ciência me vinha a imagem de uma maratona de cientistas, profissionais importantes na corrida em prol de novos saberes, um passando ao outro a tocha da verdade, com galhardia e orgulho, buscando no final o acender da tora que iluminaria as decisões humanas em prol de uma sociedade mais harmônica e feliz. O vislumbre esperançoso era o de contribuir para a expansão de uma sociedade onde o ser humano ganhasse em dignidade e auto-estima, a convivência usufruisse de mais paz, pelo respeito e tolerância ante as diferenças, e a raça humana mais serenidade, pelo "cuidar por amor" que se expandiria como consequência inevitável desse tipo de interação.

Como machuca se cair na real, podendo transitar no meio científico, principalmente sendo profissional da área da saúde mental. Anos passados fazendo parte, inclusive, de equipes institucionais nas áreas de pesquisa, ensino e assistência... Ops, essa ordem não deveria estar invertida?

Também penso assim, mas não é a realidade, que se pode constatar, ou se desejaria ajuizar, ainda. O que se observa são muitos, mas muitos mesmo, profissionais "de passagem" por instituições de renome, que buscam acumular conhecimentos nesse trânsito institucional e burocrático, se destacando em "especialidades", para aplicarem esse saber em seus consultórios particulares e tornarem seus nomes públicos para garantir aumento em suas contas bancárias, por "reconhecimento devido", conforme o ponto de vista que defendem. Justificativas que reportam a uma reflexão sobre a qualidade de seu ensino superior e à qualificação de seu aprendizado envolvendo o "como se tornar um ser humano".

O resultado dessa diretriz de ensino é bem diferente das máquinas registradoras pensantes, que se acumulam por aí. Calculadoras ambulantes, que visam sempre o aumento de lucros materiais, não abarcando a prazerosa gratificação obtida através dos benefícios morais multiplicados pela irradiação ambiental das atitudes virtuosas. Sua visão imediatista não se assemelha ao olhar do empreendedor da nova era. O termo virtude não está cadastrado, em seu lugar vem a mensagem do "não tem registro" nos arquivos mentais. A janela que surge em sua mente, com seu piscar intermitente indica a necessidade da vivência racional no mundo capitalista, distorcido para um frio acúmulo de riquezas materiais e o colocar sob vigilância e controle o perceptivo mundo sentimental, como se pensamento e sentimento não estivessem atrelados simbioticamente, residindo a chave mestra em seu gerenciamento adequado.

O quadro acima dificulta a administração justa e ética das incompatibilidades entre os meios acadêmicos e os profissionais que se quer lançar no mercado. Grades curriculares engessam a curiosidade espontânea, mola propulsora a ser fortalecida em qualquer cientista.

Os alunos, e os verdadeiros mestres, são enjaulados dentro de grades ideológicas poderosas, que delineiam pouco espaço ao saber em si, direcionando suas metas e avaliações a interesses outros, que não o de sanar, ou beneficiar, a demanda do "paciente social".

Na época atual, atribui-se ao ensino a boia salvadora do quadro social que hoje vivemos. A má remuneração e má formação dos profissionais docentes são citados como principal fator desse estado de anomia e violência. A realidade, no entanto, se incumbe de espelhar outro cenário, bem diferente do idealizado e divulgado, mas isso é para quem se dispõe a ver, a se confrontar com o que é refletido, com o fenômeno real.

O foco, para despoluir o social, recai então no saneamento da ignorância pela formação de profissionais qualificados. Uma reflexão mais apurada vai constatar o desvio da atenção do que se mantém por trás dos brilhos dos diplomas: o juramento sub-liminar de manter o "status quo" do poder institucional vigente e o aprisionamento do atuar ético dentro dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. Uma análise mais acurada vai comprovar que ainda vigora, pela falta de fiscalização e impunidade, o QI (quem indicou) para a aceitação e aprovação dos mestres e dos alunos. O peso das "algemas da gratidão" se faz logo presente, pois a relação simbiótica entre os envolvidos com o "tráfico de influência" é fortalecida e vicia - é uma das maiores drogas da corrupção sociopática.

Projetos de ensino e programas didáticos de maior eficácia ? Ótimo, precisamos de inovações, "desde que" sigam as normas já estabelecidas. Mudanças no mundo demandando novas estruturas, novas estratégias de ensino, nova didática? Serão consideradas, "desde que" não alterem as regras já solidificadas. Ensino que pense na formação do aluno de uma maneira global, não somente cognitiva, em qualquer nível de aprendizado, que busque despertar sua autocrítica e que leve ao despertar interior de uma ética humana e ao cuidar do bem público? Só no papel, aliás é preciso mesmo ter um registro visível do empenho por transparência, verdade, justiça, humanização... Quer termo mais pomposo que esse? Agora peça para descreverem em que consiste uma ação de humanizar! E não se assuste com a resposta que vai ouvir.

O som das palavras e os afetos, que emolduram seus significados, pairando no ar já está de bom tamanho para os "ilusionistas educacionais". Todo esse aparato já serve de palco para ótimas encenações, peças criadas com conteúdos temáticos, que o povo curte apreciar. As pessoas têm até curtido serem enganadas! A mentira corrupta, que enfraquece o peso dos valores éticos, passou a ter efeito semelhante ao ópio e se tornou um vício. A vontade de lutar por ideais mais humanizados cada vez mais enfraquece e cede lugar para a inércia de quem se aposenta da vida, se permitindo ficar no papel de mero expectador, excluído como "agente responsável atuante" no que vai acontecer.

Ao se abrirem as cortinas, o cenário bem construído, os atores bem posicionados, o texto midiático bem definido, os óculos 3D distribuídos ao público, e o mundo virtual da ilusão contamina toda a realidade das pessoas que estão no local e dependem das circunstâncias para viver. Após seu término, o entorpecimento do pensar, manipulação bem camuflada contaminando a platéia, perdura por bom tempo, mesmo à distância de sua causação imediata. Tudo bem planejado e arquitetado!

Sendo assim, nem é preciso esperar a calada da noite, para se colocar em pauta, novamente, MP antes rejeitadas, ou tomar outras medidas políticas impopulares, mas geradoras de aumento de renda aos cofres públicos e , aos de algumas pessoas físicas, em especial. E isso sem encontrar grandes resistências em serem aprovadas nesse momento de torpor.

Ah. a arte de iludir! E como existem "cientistas na arte de iludir"! O fenômeno fascina, a paralisia deprime, a resiliência constrange. Aumentos de impostos e de salários, inclusive na proporção de 200 a 300% poderão ser confrontados, e defendidos como gastos de primeira necessidade, por aqueles "escolhidos democraticamente" para gerir a "coisa pública". E a defesa dos interesses do povo?

Ora o povo (outro termo abstrato, a que cada um atribui a imagem que lhe aprouver), ora o povo... não há de querer ver seus representantes mal vestidos e andando sem ser em carros de primeira linha. O povo não precisa viver de ostentação. Quer um exemplo? É só observar sua identificação virtual com o mundo "glamouroso" das celebridades. O povo vive através das vidas delas, basta ver a forma como reage ao que ocorre com elas. É criar ídolos que o povo desvia sua atenção para eles, e sossega!

Ora o povo, até a época de novas eleições já esqueceu tudo! Os experimentos científicos dos cientistas da ilusão podem desativar a memória popular. Qual verdadeira lavagem cerebral, ministrando soníferos através de pequenas dosagens de sonhos imprecisos e incertos, de promessas de prazeres duvidosos ou de ameaças, fomentando o medo de represálias, se utilizam desses métodos ilusionistas, com grande potencial de alterar as percepções, semelhante aos fármacos. Aplicados, nas vésperas das eleições, alteram quaisquer circunstâncias desfavoráveis ao poder vigente.

A cegueira que impede a leitura sobre fatos reais, o pouco interesse com o bem estar do povo, o enfraquecimento intencional do poder da livre-expressão popular, a fragilização manipulada da vontade espontânea, o gerenciamento da raiva - que surge pela impotência ante injustiças - devem ser trabalhados e bem disfarçados por um ensino eficiente.

Uma didática eficaz, nesse sentido, visa reforçar esse foco e centralizar a atenção na iluminação psicodélica ofuscante do "palco das ilusões". Os sonhos têm que parecer que se tornaram reais, função da "teatralização midiática". O poder de identificação com o conteúdo da peça, tal como nas novelas, se incumbe de, virtualmente, ocasionar a vivência das circunstâncias, sentidas na imaginação como prazerosas e felizes, e o suportar as reações metabólicas reais, condizentes com esse estado psíquico. Na realidade, porém, essas vivências não se assentam no chão, pedregoso e esburacado, pelo qual os pés do povo transitam, e são lesionados, no mundo real.

O que mais leva esse aglomerado de pessoas, essa multidão; esse grupo de indivíduos que formam uma nação ou vivem numa mesma região; esse conjunto de pessoas da classe menos favorecida, essa plebe - escolha a definição do dicionário com que mais se identifique - o que leva o "povo" da sociedade contemporânea, a optar por estar assim vivendo o momento atual de sua existência ?

Para quem não conhece, indico a leitura do "Mito da Caverna", de Platão. Muitos se enfileiram para adentrar e ocupar seu lugar dentro dela. Deixam-se aprisionar sem resistir... O que os leva a isso?
Lúcia Thompson

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