sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Quando o texto tá difícil de entender...

"O texto tá difícil de entender, pode me ajudar a compreender o que eles estão transmitindo?"

Eis o tipo de ajuda que, provavelmente, tenho condições de contribuir. Ainda mais envolvendo Norberto Bobbio (1909-2004), Immanuel Kant (1724-1804), seus interesses primordiais em ética e política, onde as possibilidades de me acrescentar algo são enormes!

Agora é buscar nos comunicarmos adequadamente, para que possamos comungar ou compartilhar nossas ideias com as desses filósofos. Penso até que poderiam ser considerados co-autores do texto, por suas citações lhes facultarem uma participação relevante dentro do conteúdo do mesmo. Minhas pretensões passam longe de ensinar, passar informações, mas buscar essa comunhão de pensamentos entre leitores e escritores, que somos. É essa relação que me fascina!

Ante a gratificação de mão dupla, não há como recusar o pedido de ajuda informal. Dessa vez, a rede social facebook foi o recurso que serviu ao nosso intercâmbio. Lá comecei eu a responder sobre o texto encaminhado via e-mail e previamente lido. Como acredito que possa auxiliar outros, resolvi passar para essa postagem, com a dupla intenção de também poder resgatar para ler, quantas vezes tivesse vontade, sem ter que contar opcionalmente com alguma falha da memória, distorção que me faria ir atrás de outras fontes.

"Quando o texto tá difícil de entender, leia um parágrafo e tire uma palavra-chave, ou poucas palavras que representem 'para você' o que o autor quis transmitir. Assim, pouco a pouco, vá juntando as ideias principais do autor e acompanhe a trama de seus pensamentos. Quando leio, faço de conta que o autor está falando para mim. É assim que acompanho as articulações de ideias dele sobre o tema, buscando me engajar em seus escritos como leitora participativa, sempre curiosa com "E o que vem depois?" e sempre buscando preencher lacunas, porventura incompreensíveis, que possam distorcer o conteúdo que ele procura comunicar, como se fosse um interlocutor presente. Quando vem por metáforas, ou está mais oculto, na sequência sempre emerge uma associação que o torna mais explícito.

É uma outra curtição essa forma de se envolver como leitor... tente para ver! No início causa estranheza, pois precisa conter a ansiedade de abarcar tudo, de forma mais fácil e mais imediata. Mas vai valer curtir o tesão da aproximação, lenta e gradual, e da eclosão iminente do prazer de um insight compreensivo.

Por exemplo, no primeiro parágrafo, Bobbio (filósofo-político italiano considerado com "identidade neokantiana") pontua que "para elucidar o mundo contemporâneo, o pensamento iluminista é primordial".

No segundo parágrafo, Bobbio cita que, para Kant (filósofo alemão, cujas ideias muito o influenciaram), o Iluminismo "representa a  saída do homem da minoridade para a maioridade", conceitos que para ele refletem posturas de vida e escolhas existenciais. Superar a minoridade significa atingir uma liberdade interna para tomar decisões; responsabilidade de refletir sobre elas e as avaliar racionalmente e criticamente; e se bancar ao se comprometer com suas escolhas e consequências de prováveis resultados de suas opções. Assim surge o cidadão, inserido no coletivo, não mais dependente do referencial dos outros para ter voz ativa no social, mas que emerge como figura centrada em si mesma, opinando e votando sobre a forma de governo ou poder, que deve governar ou administrar o bem público.

Esmiuçando as ideias da primeira folha... são essas que coloquei acima. Agora vou para a segunda folha, tendo em mente que a ideia principal até agora foi a "importância da superação de menoridade pela maioridade". Por que? Porque na minoridade se é dependente do pensar dos outros. Na maioridade, já se alcançou a liberdade de pensar por si mesmo, tendo desenvolvido uma razão crítica pública, que possibilita avaliações mais realistas sobre o que ocorre dentro de si e ao redor de si, no mundo exterior.

Abro um parentese: Usando minha maioridade "eu penso que" a chave de tudo no mundo está em reconhecermos como somos afetados, ou nos permitimos afetar pelas circunstâncias internas ou externas.

Agora volto ao texto sobre Bobbio para seguir as ideias desse filósofo-político, curiosa para ver aonde ele quer me levar... No início da segunda folha, já vi que vai diferenciar governo democrático do governo autocrático. Dou uma paradinha e olho novamente o título desse texto "A Identidade Neokantiana de Norberto Bobbio: a ética-moral da paz e da guerra liberal-democrata", de autoria de Marcelo Lira Silva.

Já começo a articular! Liberdade (respeito com diferenças) articulo com Democracia ( convivência pacífica com divergências), com ética-moral da paz (maneiras de ser mais harmônicas e integradoras), com guerra liberal-democratas (com conflitos a serem superados buscando a união da maioria, do coletivo... ops, união não é fusão; fusão vem a dar em "massa padronizada" e não indivíduos agregados ao redor de um bem comum.

O texto sobre Bobbio e Kant não é de leitura compreensiva fácil mesmo, até pela complexidade temática. Sendo assim é preciso ir entendendo por partes. Primeiro resgatei quem foi Bobbio e  me interessei em saber como e onde Kant entrou em sua linha de pensamento ao analisar o quadro socio-político mundial.

Na página... você tem que Bobbio "evoca a razão política, assim como os princípios ético-moral kantianos, como formas resolutivas da paz e da guerra entre os Estados nacionais dos séculos XX e XXI". Segundo Bobbio, o caráter anárquico das relações internacionais de hoje, decorre da "ausência de um poder comum, "supranacional", que viesse regular e garantir o cumprimento dos pactos entre as nações".

Ops! Associei  a importância de um "poder comum supranacional" com as ideias do sociólogo Zigmunt Bauman e anotei um lembrete para revê-las após "dissecar" esse texto. Vários vídeos de Bauman se encontram disponíveis no Canal YouTube.

Volto a Bobbio, para quem "as relações internacionais repousam em um sistema de equilíbrio de poder", não podendo ser esquecidos os poderes invisíveis, ocultos. "Em termos kantianos, os Estados-nação contemporâneos não alcançaram a maioridade no nível das relações internacionais, onde o poder é, e só pode ser exercido através do uso público da razão".

Pausa para eu te lembrar que Kant privilegiava o alcance da autonomia, independência e liberdade internas para tomar decisões racionais, conscientes e responsáveis. Destacava a falta de coragem, a preguiça e indolência características da menoridade, afirmando que só saindo dessa postura interna e existencial de um individualismo mais egoísta, passivo e egocêntrico, seria possível - como indivíduo - pensar no coletivo e - como cidadão - atuar, tendo por foco o Bem Comum.

Volto ao texto: "Todo homem tem a possibilidade de diferenciar-se dos outros seguindo sua própria lei intrínseca (ou seja, sua natureza inata, seus valores, seu caráter) sua própria liberdade, e, portanto, pode ser avaliado de modo correspondente à sua diferenciação. Continua Bobbio, "A Justiça está na igual possibilidade de cada um usar sua liberdade... na igualdade para o uso do "livre exercício de expressar a própria personalidade" - no "como administrar vontades e interesses pessoais com todos os pactos sociais necessários, feitos na co-existência com outros indivíduos, no jogo de diferenças dentro da polis".

Vale destacar que " A Política (a gestão da coisa pública), entretanto, é permeada por conflitos irreconciliáveis, cabendo às partes resolver os conflitos através de uma pactuação, na qual a Constituição aparece como mediador de conflitos"...O contrato social de Kant depende dos indivíduos reconhecerem seus limites pessoais e estabelecerem normas universais, que sirvam para todos na vida pública. As regras ético-morais kantianas implicam no cumprimento de deveres e obrigações, certos tipos de coações práticas impostas ao homem por leis criadas por ele mesmo.

E aí é que começam os problemas! Continua Bobbio: "Se for verdade que o homem é um valor em si (que tem o que Kant chama de dignidade ontológica a respeitar)", que faz valer a sua vontade como se fosse uma legislação universal (ao usar racionalmente seu pensar voltado ao público), torna-se necessário saber "quem tem o poder e está autorizado (legitimado) a usá-lo em uma sociedade utilitarista como a atual. A igualdade (isonomia) e liberdade formal (decidir dentro das normas), garantidos pelos regimes democráticos contemporâneos, convertem-se em "desigualdade social", na medida em que, "quem está autorizado a transformar em legislação universal a sua vontade, são os que detém o poder econômico."

Sendo assim passa a imperar o confronto de interesses e vontades distintos, característico da sociedade utilitarista burguesa liberal, que a distancia da "ética kantiana, que compreende o homem como um valor em si, portanto, uma dignidade que não admite o estabelecimento de um preço".

Tô curiosa para ver a sugestão de Bobbio,  baseada no Projeto de Kant, que propunha o estabelecimento de uma "confederação de Estados", que desse vida e corpo político a uma "comunidade internacional", garantindo uma "paz perpétua".

De antemão, já adianto, como bem colocado no texto abordado, Bobbio aponta duas vias para conseguir isso que chama de "saúde da Democracia": a "ampliação dos Estados Democráticos"  e a "Democratização do Sistema Internacional" em seu conjunto. Essas vias deveriam caminhar de maneira "interdependente, conexas e inter-relacionadas: uma passaria a ser garantidora do complemento e constituição da outra".

Observe que interessante, para impedir invasões mútuas, a proposta é de um processo de "pactuaçôes": "primeiro um pacto negativo, de não-agressão; depois um pacto positivo de acordo mútuo e regras comuns a serem seguidas; e como último pacto, "acima das partes", o fazer respeitar os pactos, mesmo pela força da espada, se necessário. Bobbio defende uma "guerra justa", pois, a seu ver, essa guerra justa não é um momento contrário à política, mas é ela própria "o momento político resolutivo de conflitos".

Agora articulo eu!  Para que os pactos sejam respeitados é preciso que os homens saibam usar com inteligência seu lado racional, pensar com bom senso e ter diplomacia no agir com ponderação nas negociações da vida de relações internas de um país, ou nas que dizem respeito a suas relações externas, dentro da perspectiva internacional,  envolvendo outras nações com culturas sociopolíticas e economia tão diferentes...Esse é um grande desafio para o momento atual com tanta violência e desconsideração de pactos legais em diversas áreas.

Sendo assim também me aproximo esperançosa de Kant e resgato a Filosofia Iluminista que "parte da razão, como elemento essencial para o progresso da modernidade". Por que não seguirmos com Bobbio, neokantiano como caracterizado no texto, e endossarmos sua linha de pensamento para a saúde da Democracia no confronto com os desafios desumanos, desabonadores e vilipendiadores dos direitos humanos já no século 20, adentrando o novo milênio? Para ele, "A democratização das relações entre os Estados nacionais, portanto, constitui-se em baluarte (bandeira) da democracia. A Democracia assume assim um 'caráter civilizador'."

Não é tão fácil se implantar essa forma de governo, mesmo se reconhecendo a falência da maioria das gestões governamentais atuantes, haja visto o estado caótico globalizado. Não há nação que escape de crises diversas, sem vislumbre imediato de luz no final dos túneis e sem disponibilidade para efetivos pactos sociais mais abrangentes.

Bobbio ainda tenta sintetizar o quadro político, nos permitindo quimeras esperançosas: "Um Estado Democrático (decisões coletivas, debate livre, votações, direitos de associações e greve, manifestações pacíficas, reconhecimento de liberdade de expressão e de uma imprensa livre e responsável pela ordem social, preservação dos direitos civis, reconhecimento de normas legais de acordo com os "Direitos Humanos Sociais e Políticos dos Cidadãos"...só ocorreria se "todos" os "Estados contemporâneos constituídos" fossem republicanos, formando uma "comunidade democrática", que não colocasse em risco a ordem social liberal, que garantisse os direitos e ordem democrática liberal-burguesa."

A questão que fica, e também me inquieta, é:  " Como conseguir isso numa sociedade pluralista e policêntrica como a contemporânea, já que só pode haver uma convivência pacífica entre maioria e minoria, através da constituição, primeiro de uma 'sociedade civil' depois de uma 'comunidade política' que a garanta através do 'contrato', valendo-se do monopólio da força se necessário, como Bobbio é categórico ao afirmar, para que os pactos sociais democráticos sejam cumpridos ética e legalmente ?"

Gostei desse texto de Marcelo Lira Silva, intitulado " A Identidade Neokantiana de Norberto Bobbio: A Ética Moral da Paz e da Guerra Liberal-Democrata", datado de 2008!
 (www.marilia.unesp.br/aurora)

Agora é refletir sobre essas ideias para assimilar o que esses pensadores buscam transmitir, e até "ousar articular com o momento atual" que estamos vivendo, por que não?

Aurora Gite

P.S.: Vou atrás das "entrevistas de Zigmunt Bauman, divulgadas pelo Canal Youtube". Tenho certeza que o ouvi comentar sobre a "formação de um Poder Supranacional", até tomando como base a nova linguagem globalizada.  Não deixa de ser a pontuação de uma "possibilidade de combater o estado de anomia dos Estados-nação da pós-modernidade"!

Achei a entrevista: "La critica como llamado al cambio"!
Vale assistir em http://www.youtube.com/watch?v=X4YGdqgCWd8
ou http://www.youtube.com/watch?v=X4YGdqgCWd8&feature=youtu.be

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