sábado, 25 de abril de 2009

Líderes, ora líderes! Para que?

Tenho me recordado atualmente de uma época que muito me marcou.

Ainda sob o impacto do redirecionamento de minha vida, consegui passar num concurso público. Fiquei sabendo dele por uma colega, num curso de especialização, tive um dia para me inscrever e menos de um mês para me preparar. Não fazia parte de meus planos naquele momento. Como faria com o meu consultório? E meus pacientes?

Só que não deu outra. Passei em dois institutos na área hospitalar. No primeiro após ter sido selecionada na prova escrita e na dinâmica, quando na entrevista souberam que meus pais tinham sido cardíacos, tive o privilégio de ser cumprimentada pela diretora do setor, que me colocou ser esse um fator impeditivo para ser aceita naquele instituto voltado à cardiologia. Eu já conhecia seu trabalho e sua postura de verdadeira líder, a quem teria o maior prazer de me subordinar. Carreguei comigo seu incentivo, manifestação expressa diante de várias pessoas, e seu desejo de boa sorte na profissão.

No segundo instituto, passei pelas três etapas e, pouco tempo depois, vestia meu jaleco branco com um enorme orgulho. Tal foi meu comprometimento, que gostava de brincar que era "como se fosse" um novo casamento. Já no primeiro dia, porém, entrei em contato com a realidade das lideranças "representantes de um poder instituído".

Fui orientada para estar nas dependências da "Divisão" de minha categoria, onde saberia então a Clínica para a qual seria designada a prestar os serviços profissionais, a partir daquela data. Minha pontualidade é "britânica". Sempre me orgulhei disso. Portanto, lá estava eu às nove horas em ponto. Na Secretaria me disseram para esperar no saguão. E lá fiquei eu, consultando o relógio: dez horas...onze horas...meio-dia... uma hora...duas horas...e nada. Nenhum aviso sobre a demora, nenhum respeito ou consideração por minha pessoa, por parte dessa "diretoria" .

Descobri como é fácil muitos diretores, chefias, assessores e privilegiados, nesse tipo de gestão verticalizada, se esconderem impunemente. A confecção da fantasia dos cargos ou funções lhes cabia "como uma luva". Suas proteção e barreira de isolamento eram propiciadas pelos assessores diretos, que se tornavam, convenientemente, seus porta-vozes, na maioria das vezes imbuídos de maior autoritarismo. Podiam transitar sob o spray da invisibilidade, portanto embatíveis ante críticas e pontuações de falhas no desempenho de suas funções. Pude logo notar a insensibilidade ao outro, bem como o poder opressor outorgado por um mero crachá.

Não é que a mentalidade de funcionária pública se instalava! O que tinha eu, pensava então, com o desperdício de tempo e da utilização inadequada dos serviços que poderia estar prestando? Por que deveria me incomodar, se minha hora já estava sendo coberta por um salário? Produzindo ou não estaria sendo paga. Receberia, estando lá ou não, se soubesse bem encobrir o fato, ou fizesse uma barganha para que minha falta de assinatura na lista de presença ficasse imperceptível no dia. Com a mudança para cartões eletrônicos houve a substituição para os horários flexíveis e as famosas "horas em haver" para grupos de pessoas selecionadas.

Foi quando tive a primeira aprendizagem de contenção da sensação desagradável do funcionário público, que sabe que tanto tem a contribuir e se sente frustrado ante a necessidade de resignação, e busca dominar sua impotência ante a marcante discriminação de favores e privilégios. Dentro de mim acenava a descrença em toda a estrutura administrativa, que se fortaleceu ao ouvir a voz da "diretora" soando, e entender o conteúdo de suas palavras : " Bem, vamos ver para onde vamos escalar a "menina"(?).

Pude perceber outra voz, dentro de mim, que tentava gritar: " Ei! E o meu compromisso, meu entusiasmo, minha vontade e iniciativa, como ficam?". "Ei! O preconceito é seu. A dificuldade de lidar com a meia idade é sua. Tenho só pouco mais de quarenta anos!". Com maior força, agarrava eu minha autovalorização profissional e minha auto-estima pessoal, tentando protegê-las desse tipo de liderança.

Aprendi a segunda lição: a credibilidade da liderança é que determina a disposição das pessoas se envolverem com tesão no que fazem, sendo leais a seu líder.

Instituições, entes abstratos, ficam atrás desses líderes, já que eles falam por elas. Tentei pesquisar depois o que mantinha as pessoas nesse complexo hospitalar, tido como modelo nas áreas assistenciais, de ensino e pesquisa. O salário era baixo e o desgaste burocrático enorme. Na época, constatei a presença de dois elos mantenedores. Num extremo, a ajuda ao "próximo necessitado", porém ao burlar regras burocráticas insanas, também era obtido um tipo de "status" e de poder. Os eternos "eu sou" e "eu posso", demarcadores de um falso espaço no mundo interno e de um lugar ilusório no social. No outro extremo, estava a conquista da fama ante pesquisas individuais efetuadas, valendo aqui a mera inclusão do nome em grupos de pesquisadores, ou o reconhecimento obtido pela inserção do nome da instituição nos currículos. Deixo o juízo avaliativo para vocês.

Com o tempo percebi o séquito de empregados irresponsáveis, indiferentes e até mal-intencionados. Passei a observar suas posturas e escutar seus queixumes: "Se der para fazer tudo bem,não vou me matar. É desmarcar pacientes!"; " Pacientes foram marcados no mesmo horário da reunião da Divisão? Que esperem, pois do setor vem uma sanção ante o não comparecimento à reunião!"; "Meio-dia? Vou aproveitar, sair para almoçar e depois passar no Banco. Retorno por volto de quatro horas. Digam aos pacientes que podem dar uma volta e tomar um lanche"; " Vou pesquisar para mim, para minha pós, para assuntos de meu interesse particular, e depois me mando daqui."

Cada vez mais sentia algo dentro de mim dando cambalhota e cobrando a adoção de uma postura diferente. Aí veio minha terceira lição: "Aprender a exercer a própria liderança" e a minha era uma liderança ética. Eu a segui durante minha vida. Paguei preços altos. Tive até que conviver com rupturas de relacionamentos importantes. Senti o que é "estar morta em vida", pela fácil substituição em algumas relações amigáveis e mesmo familiares. Mas sempre me mantive de cabeça erguida. Não seria agora, que iria vestir as máscaras "do cinismo, da frivolidade, das manipulações perversas, dos consentimentos e silêncios cúmplices". Queria lutar pela minha dignidade. E assim o fiz.

Cada vez que me vinha um desanimo, por me ver sem ação frente a um sistema atroz, que não se interessava pela preservação da integridade do ser humano, notava que aumentava o volume de minha voz interna, que já berrava: "Líderes, ora líderes! Para que?". E, com mais força ainda, eu abraçava o líder que ía se fortalecendo dentro de mim.

Produzi grande material envolvendo lideranças éticas. Foram entregues protocolados. Recebi cumprimentos verbais de alguns diretores que acusaram o recebimento do material, e me avisaram que estavam colocando "algumas vírgulas"(?) e... é só o que sei. Líderes, ora líderes! Para que?

Reconheci, e reconheço ainda, o peso inovador, a base ética de meus projetos e minha autoridade e compromisso moral , comigo mesmo e com os demais, para implantá-los a contento. Para alguns era uma visionária. Não seria portadora de um caráter inovador? Outros, embora reconhecendo o valor prático dos projetos, em seu ceticismo com o sistema, me acusavam de esquecer das dificuldades de um "terceiro mundo". E o agregar, e a sintonia de forças de equipes e seu papel na sincronia do sistema organizacional? Outros ainda me apontavam como representante de "Dom Quixote" com seus sonhos utópicos. E o caráter entusiástico de um empreendedor? Para mim eu era uma lutadora, tentando semear ética num campo ainda árido.

Hoje, não mais na instituição, conservo ainda no peito muita esperança. Com grande capacidade de análise e visão de futuro, estava claro para mim que a busca de políticas de transparências no processo logístico e nos resultados , característica de nossa sociedade informatizada, trazia consigo grandes mudanças éticas a médio e longo prazo. Sendo assim, as frágeis e aparentes transformações institucionais não se manteriam e os resultados desmoronariam , como os castelos quixotescos. Evidencias atuais só confirmam isso. O que me dá novo alento é que dessas constatações reais surgem as necessárias mudanças e os verdadeiros líderes que conseguirão implantá-las de forma não só eficiente, mas eficaz.

Ah! Aprendi mais uma lição dentro da organização: "Um indivíduo na tarefa de dirigir um grupo de pessoas é um dirigente, mas nem todo dirigente é um líder, a quem pessoas sentem prazer em seguir e, com a lealdade de um time, ajudam a tocar seus projetos avante, visando a melhoria da equipe e da instituição". Líderes, ora líderes ! Para que?

Aurora Gite
(postado às 22:20 horas)

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