sexta-feira, 23 de abril de 2010

Melodia no viver com o som das palavras?

Existem pessoas que não só tem acúmulos de conhecimentos e conseguem transmiti-los através da expressão poética escrita ou criação musical, como também tem a capacidade de burilá-las de tal forma que chequem até nossos ouvidos de forma melódica.

Param por aí? Não, não param. Com sua postura reflexiva e analítica, sua busca ética pela verdade e grande capacidade perceptiva, nos envolvem de tal forma, atingindo a dimensão de nossa subjetividade.

Nesse sentido foi impactante a palestra de José Miguel Wisnik. Sua forma de raciocinar chamou minha atenção, mas seu transcender ou "levitar" através do encadeamento de suas idéias considerei magistral.

Lembram da célebre música de Maysa "Meu mundo caiu"?
Não lembram do "se meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar"?
Pois é! Wisnik aborda esse tema das experiências de perda que demandam uma recomposição do sujeito.. Segundo ele, e nós podemos comprovar tais afirmações, muitas são tão vertiginosas por atingirem objetos afetivos tão significativos que propiciam nosso autoreconhecimento, que sentimos nosso mundo interno desabar.

E lá vamos enfrentar o processo do luto, morrer e renascer com a ajuda do tempo e muita paciência, pois como bem diz Wisnik, no luto pela perda onde nosso mundo interno é "desertificado", só com o tempo e um trabalho psíquico também em dimensões inconscientes, é que o sujeito dentro de nós vai se recompondo e, novamente, povoando esse mundo. A perda vai sendo aceita, ou assimilada, de tal forma que a experiência sofrida é incorporada e passe a fazer parte de nós. Nosso ser passa a se reconstituir ao levitar, ao transcendê-la.

Essa experiência é muito bem abordada em sua música:
"Se meu mundo caiu, eu que aprenda a levitar."
Eis trechos de algumas estrofes:
"Se meu mundo cair, então que caia devagar.
Vou surfar sobre a dor até o fim...até deixar para trás... até perder o chão... até ter o mundo na mão, sem ter mais onde segurar...
"Se meu mundo caiu, eu que aprenda a levitar".

"Levantar é encontrar forças... Levitar é chegar a um local de leveza, onde a dor da perda possa ser transcendida ... O luto só se dá pela margem de desapego, que vai possibilitar o poder se apegar novamente...Não renomear é não fazer o luto...". É preciso encontrar uma forma de "recolocar ou colocar em outros termos" a experiência passada já envelhecida e inútil dentro de nós para "levitá-la".

Não nos atemos, muitas vezes, que o único lugar de vida, que temos para estar, é onde o "aqui e agora" se presentifica. Isso ocorre a cada momento de vida.

Como vivê-lo é que dá o sentido de nosso viver, ou nos remete a sensação de desamparo, tédio, indiferença, raiva, ressentimento... sinais de "briga com a vida" por não sabermos administrar o tempo presente em prol do nosso "ser livre e feliz", "ser responsável e autônomo na busca do próprio bem estar".

É preciso soltar fantasmas e ilusões enganadoras , e se desapegar, dizer adeus à dor do desamparo que mantém nosso psíquico fragilizado e sem recursos para lidar com esses espectros imaginários.

É necessário abrir os braços para acolher nosso "eu" amadurecido, que reconhece suas limitações e sua potência para "levitar". Dar-lhe o crédito amoroso da fé e confiar, também, em sua capacidade para conviver com a dor da saudade... saudade inclusive de sonhos e ideais não realizados.

Após o processo de elaboração do luto das perdas, é que podemos estar abertos às novas oportunidades que surgem, mobilizados internamente para que sejam substituidas por outras metas e ganhos, tão ou mais significativos, para nosso momento de vida presente.

A entonação da voz de Wisnik ...suas palavras ... significantes e significados...passam a ressoar em nós. Elas continuam vivas, ainda vibrando, através de cordas invisíveis mobilizadas por associações de idéias significativas. Soam além do eco de sua voz, e persistem autônomas, nos revitalizando por sua força energética, por muito e muito tempo...

Essa força vive dentro de nós, independente da emissão oral das palavras, depois que sua energia é acoplada a tantas memórias e afetos, que fazem parte de nossa subjetividade... melodia agora para nossa alma. Espera espaço em nosso mundo interno para que através de "insights" possa pulsar emitindo luz e vibrando energia novamente, mesmo sabendo ser por curto período de tempo presente, pois logo será remetida ao lado escuro da memória, à escuridão em nossa mente - mais potencializada com certeza e com seu campo magnético de ação ampliado - no aguardo de novas oportunidades para se manifestar.

Gostei muito do paralelo estabelecido com os adolescentes que fazem o luto de si mesmos ante a passagem para o mundo adulto. "Deixamos de ser em parte o que éramos e temos que nos despedir" . O dar adeus a quem fomos só é conseguido ao nos desapegarmos sem nos destruirmos, conservando nossa integridade mental, e com ela integrarmos nosso trajeto histórico a nossa experiência de vida psíquica.

Tal fato implica em persistente coragem para irmos em busca de nós mesmos. Esse é nosso encontro marcado com a vida que, por mais que o adiemos constantemente, sempre vai constar da agenda de nosso viver.

Melhor compreensão deste post?
É se permitir assistir, sob esta perspectiva, ao filme "Duas Vidas" (só em CD) com Bruce Willis.

Valeu, Wisnik! Obrigada!
Aurora Gite

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