segunda-feira, 16 de abril de 2012

Como calar a voz que grita dentro de nós por justiça dentro de uma empresa?

Ainda me recordo com detalhes de minha surpresa ao constatar tantos pontos deficitários nos programas de desenvolvimento e treinamento naquele enorme complexo hospitalar. Não existiam documentações ou esboços teóricos, planificação de estratégias, nem registros, nem avaliações. Os treinamentos partiam das premissas "isso se deve fazer e aquilo não", dentro de posturas nada condizentes com articulações de comunicações horizontais mas, ainda, voltadas a fazer valer informações de autoridades verticalmente constituídas.

Sendo assim, procurei a efetivação do que chamei de CEIEF (Centro de Estudos e Integração Empresa-Funcionário) , cujo Projeto: "Educar para a Satisfação no Trabalho" se tornou minha meta principal. Não me perguntem quanto tempo durou, ou se não foi encaminhado para a Superintendência Executiva; só sei que nunca mais o vi. Coincidência: em outubro foi publicado no Diário Oficial um grande projeto, elaborado pela parceria abaixo citada sob o nome "Núcleo de Desenvolvimento", onde um Núcleo de Qualidade aparecia alinhado a um Núcleo de Desenvolvimento. Coincidências.. coincidências...

Isso data de 2003, quando estavam ainda se consolidando parcerias com Grupos ligados a Fundações voltadas a Administração e a Economia. Minha avaliação dessa aliança foi totalmente positiva, contrária ao cerne administrativo das gestões que imperavam até então, que criticavam essa parceria, realçando seu lado negativo, demonstrando bem sua visão obsoleta e total desconhecimento das transformações que ocorriam no mundo empreendedor que se instalava de vez em organizações que pretendiam continuar no mercado desse terceiro milênio.

Meu interesse acrescido a uma curiosidade, que me é inata, voltou-se para como seria a implantação e a efetivação das mudanças estruturais necessárias, e me vi fascinada a realizar uma leitura da dinâmica das interações que iriam ocorrer, de como o capital humano reagiria, de que maneira as pessoas (clientes internos e externos) estariam disponíveis e abertos ao novo design, que se delineava como "potente" para unificar os três "es" da eficiência, eficácia e efetivo.

Como para qualquer mudança estrutural, que mexa na hierarquia de cargos e funções, ou com o fluxo de poder interno, para um prognóstico favorável, seria preciso a existência de um líder com pulso, que acreditasse nas propostas e que não tivesse receio de enfrentar toda bola de neve de chantagens políticas, desqualificações e calúnias pessoais, movimento de massa de colaboradores internos descontentes ou manipulados por aqueles que não deixariam tão facilmente seus postos de chefias, ou funções de controle que lhe outorgavam a autoridade baseada no autoritarismo do cargo.

Confiando na nova gestão participativa, volto um pouco no tempo: tentei abrir meu espaço formatando um "Núcleo de Qualidade", projeto que logo viu suas partes sendo vorazmente dilacerada por vários profissionais de diversas áreas. O estranho é que ou avaliavam meus projetos como arrojados, não abarcando sua extensão e seus benefícios, ou ao se inteirarem com expressão de desprezo diziam: "Ah, mas fulana há 3 anos já realizou algo semelhante." Ao que eu respondia curiosa "E por que não deu certo?" ou "Pelo visto não deu continuidade, pois não existe vestígio ou registro de terem implantado."

O profissional do passado sempre era trazido ao presente, forma corriqueira de desqualificação profissional e de reforçarem a rede da "não invasão na hierarquia formada", da "não inclusão de ninguém que ousasse pensar em romper a estratificação de poder existente". Essa leitura um profissional da área de saúde mental não perdoa! Ah, até esse fato foi usado contra mim -inclusive por profissionais afins que almejavam minha função - sem se inteirarem que além da licenciatura e clínica, também me capacitara para a área organizacional e para a área de ensino. Estava em casa e não sabiam!

Logo de cara, reconheci nos assessores sua leitura "psicotizante" da equipe que pretendiam que permanecesse fechada em si mesma, procuravam evitar trocas que ameaçassem sua liderança. Aconselhavam seus diretores a "não mexer em equipe que está vencendo" e assinalavam que "os membros não estão abertos a entrada de novos elementos que poderiam desestruturar o equilíbrio do grupo com idéias novas e propostas ousadas". Hoje é visível a importância desses intercâmbios pessoais para que a empresa mantenha seu espaço no mercado de trabalho e conquiste diferenciais para preservar a fidelidade da clientela. Era, ou é, uma questão de tempo para que assessores com esse perfil permaneçam em seus cargos de confiança.

Infelizmente, ao reconhecer a força desses assessores no clima organizacional inseguro e ameaçador pela iminente série de mudanças, alterações desconhecidas que motivavam chefias ao sentirem minha presença logo pedirem: "Por favor, não sei para que veio, só peço que não tire o meu lugar." Eu tinha estrutura interna para conter as angústias que esse ambiente suscitava em todos nós, mas não foi fácil. E as empresas ainda se questionam sobre a razão de tanta licença médica, de tanta psicossomatização e cronificação de doenças, que demandavam esse afastamento!

Voltando aos assessores e seu estilo de trabalho logo percebi que antes de entregar meus projetos ao diretor geral, não só burilavam projetos semelhantes com profissionais afins do setor, como se apropriavam de minhas idéias e as apresentavam como suas. O que fazer, de forma concreta, a não ser "conviver com a dor da injusta exclusão" e "buscar a satisfação pela constante superação", constatação do crescimento pessoal e profissional? Esse "reconhecimento individual" ninguém usurpa, e quando tentam mais ele se enraiza e nos engrandece como ser humano.

Como é duro ter que se abrir mão da autoria de um projeto para vê-lo florescer... um projeto criado com amor e carinho ... mas valia o abandono da verdadeira mãe salomônica. A satisfação de impedir a morte de idéias geradas e acalantadas por bom tempo, versus a percepção de sua curta vida, de que nas mãos desses assessores, ou pessoas por eles aliciadas, não teriam bom termo, ou seriam desviadas dos valores de dignidade, que lhe deram origem.

Entreguei o projeto do "Núcleo de Qualidade" em março de 2003, vi seu uso. Procurei levantar em seguida, em vez de me abater, e em junho do mesmo ano já estava adiantada a elaboração do "Núcleo de Desenvolvimento". As atividades de ambos funcionariam em paralelo. De alguma forma me encantava constatar como as idéias brotavam em minha mente, e de forma acelerada. Mal terminava de formatar um "design" e outro já se delineava, tudo encadeado numa visão para um futuro não tão distante, se a nova liderança executiva bancasse sua posição e poder central, combatida maquiavelicamente pelos assessores próximos desleais, que os consideravam desconfortável para si, que se sentiam incomodados com minha presença.

Assim encaminhei o novo projeto protocolado ( a partir da observação dos desvios dos assessores, passei a protocolar todos os projetos enviados á diretoria). Transcrevo alguns esboços, talvez sejam úteis a vocês:

" Mediante alguns pontos nodais observados nas diversas interações e hierarquias, o núcleo tem por base focar aspectos pedagógicos e psicológicos, além de conter atuações pertinentes à parte técnica ou administrativa da área de recursos humanos.

Abrangeria inicialmente:

GESTÃO DO "EMPOWERMENT"
(literamente: "dar poder", dar autonomia aos funcionário para que os mesmos diagnostiquem, analisem e proponham soluções; podendo ser traduzido por energização empresarial, "poder para fazer a diferença", intrinsecamente ligado a auto-estima e auto-valorização)

Sugestões para programas subordinados a essa gestão:
  • Otimização de meios e formas de trabalhos colaborativos e reuniões de equipe.
  • Programa de captação de sugestões visando rapidez na efetivação de propostas pertinentes.
  • Programa de delegação de tarefas e padronização de retornos possibilitando seguimentos prospectivos.
  • Programas e planos de intervenção, preventivos ou não, em incidentes disciplinares ocorridos na empresa.
GESTÃO DO "FEEDBACK"

Sugestões para programas visando essa gestão:
  • Otimização e operacionalização das idéias e níveis de satisfação.
  • Programa de reconhecimento e recompensa efetivos (de acordo com as vivências e expectativas pessoais dos colaboradores internos).
  • Programa de melhorias inter-relacionais contínuas (palestras entre próprios colaboradores trocando experiências práticas diretas).
  • Programa de incentivos estimuladores ao crescimento individual e amadurecimento emocional (conteúdo de congressos ou afins seriam transmitidos às equipes e documentados).
  • Programas motivacionais situacionais e administração da criatividade em prol da empresa.
GESTÃO DE "COMPETÊNCIAS"

Sugestão para programas:
  • Conscientização dos fatores emocionais e desenvolvimento de funções e atribuições inerentes aos cargos.
  • Elaborações dos perfis do trabalhador atual e das lideranças dentro de um modelo participativo de gestão.
  • Planejamentos de programas de recrutamento e seleção voltados a esses perfis alinhados ao perfil da empresa.
  • Elaboração de programas de treinamento, avaliados de forma contínua quanto a eficácia, efetividade e eficiência para a empresa e para o cliente interno (funcionário).
  • Montagem inteligente de programas motivacionais situacionais e dinâmicas de grupo adequadas a competências específicas, cujas documentações fariam parte do capital intelectual da empresa.
GESTÃO DO "DESPERDÍCIO"

  • ... Agora é com vocês!
Esse é um dos alvos, que deveria ter prioridade nas empresas. Não se impressionem com o instrumento que vão ter em mãos para cruzar dados e avaliarem o que ocorre em suas empresas.

E assim as idéias vão circulando e os esboços vão se interligando numa conectividade racional constante.

Agora tentem vocês, enfrentando o que desperdiçam do capital intelectual que constituem. Comecem desmembrando e dissecando as sugestões de acordo com a população empresarial que quer atingir e o esboço de sua empresa em termos de valores, filosofia e política (formas de gestão e fluxo de poder), missão e objetivos.
Construam os seus projetos formatados de acordo também com sua maneira de existir e de ser, não só da empresa e das lideranças.

Aurora Gite

Nenhum comentário: