quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A dor de enterrar "fantasmas vivos" no mundo psíquico

Quase todos nós já passamos por essa dor!

Depois de cultuarmos velórios saudosistas, lembrarmos e relembrarmos no palco da memória os momentos vividos juntos, abrimos os caixões mentais e nos esmeramos para ter forças para colocarmos as vivas lembranças dos finados fantasmas. Depois de devidamente lacrados, os enterrarmos no terreno do passado das recordações indolores, buscando que permaneçam em nosso mundo psíquico unicamente sob a forma de distantes vivências, que nos ajudaram a ser quem somos, mas que não interfiram mais na qualidade de nosso viver cotidiano.

Só recordações, a partir de agora; distantes recordações que dependam de nosso querer para serem resgatadas, e de nossa vontade para serem enfraquecidas, perdendo sua autonomia como força mental com poder comovedor. Não podendo mais afetar nossa sensibilidade e desviar nossas operações racionais, tornando-nos vulneráveis e fragilizados ante suas intervenções sem nossa consciente permissão e persistente controle.

De onde retirar força interna, para que não atuem em nosso psíquico, como "fantasma vivo", nos assombrando, assustando e amedrontando? Como impedir seu sistema retroalimentador de energia? O que mantém o dinamismo autônomo desses fantasmas que povoam nossas mentes?

As respostas parecem tão simples, mas não são! A cada desencontro na vida, ficamos com o sulco do desafeto e a lembrança de como fomos atingidos amorosamente para que essas marcas profundas tenham ocorrido, muitas a "ferro e fogo", pois nos acompanham a vida toda.

É difícil enfrentar a lacuna dentro de nós, confrontar o vazio interno pela parte de nossa vida que tivemos que enterrar junto com esses fantasmas vivos sob a forma da perda de ilusões, do fracasso das expectativas, da demolição de sonhos por tantos acalentados.

Penso que se pode mudar a perspectiva e considerar sob novo prisma todo término de relacionamento, tendo a percepção de decadência de "vínculos gangrenados" e sua necessidade de serem extirpados para que nossa mente sobreviva, um tumor a ser cirurgicamente retirado também de dentro de nosso sentir. Vale enfatizar a importância de se obrigar a constatar a evidência de que a graduação do sofrimento vai depender da capacidade de cada um se desapegar daquilo que foi e que morreu junto com cada "fantasma psíquico" que abrimos mão. Cada um deles tinha um papel dentro do mundo interno subjetivo de qualquer um de nós. Não há como não conviver com uma falta, um vazio, uma solidão interna pelo não fortalecimento da razão, único tutor interno que nos protege e sustém nossa serenidade nas adversidades, advindas da manutenção de nossa independência e individualidade.

Acredito que "o nascer e o morrer" ocorrem simultaneamente como "o dia e a noite". A cada transformação vivenciada, todo ser humano diz "adeus a uma parte de si", para se integrar ao novo ser que surge, sem estar atento a isso. Não penso que deva se enquadrar na categoria de mórbidos, os que se preocupam com essa sequência de mortes internas, ou com os mistérios que mesclam todos esses processos vivos, físicos ou psíquicos, nos seres humanos. Morrer e bem viver estão tão entrelaçados, que me parece que, quem tem mais "medo da morte", é quem optou por um "mal viver". A meu ver existe uma relação direta entre esses fenômenos psíquicos.

Cada fase de desenvolvimento envolve o abandono de características físicas e psíquicas que caracterizaram as fases anteriores; que, sem dúvida, afloram e nos assombram ainda em meio a momentos de grande angústia. No controle de todos esses fantasmas, para que não contaminem nossa vida mental atual, para que não intoxiquem nossas ideias inovadoras e não envenenem nossos sentimentos, reside o parâmetro referencial para se avaliar a maturidade emocional. Não esquecendo que as fixações, em qualquer forma de controle, seja por convicções ideativas ou pelo uso de padrões comportamentais, travam qualquer desenvolvimento.

Eta "dor" danada a ser suportada, ao se constatar como vivemos só, como somos sós em nossa unicidade, e como convivemos internamente com tantos cadáveres e partes nossas gangrenadas, não só disfuncionais na prática, como intoxicantes e poderosos venenos para nossas áreas mentais saudáveis. Vamos "morrendo" por dentro imersos no medo de nossa solidão interna. Esse medo já indica quão já somos sós. E nos recusamos a ver isso, achando ilusoriamente que não somos capazes de fazer a faxina mental necessária para um bem viver mais pleno. Assassinamos, nesses momentos, nossa razão; e não nos damos conta disso. Já estamos mergulhados na solidão que tanto tememos.

Muitos estão tão distantes de quem gostariam de ser, que não reconhecem mais seu íntimo, sua índole ou seu caráter, a bagagem inata de sua alma, tão soterrados se encontram em meio a tanto "lixo atômico" acumulado dentro de si, contaminando os terrenos de seu mundo psíquico, minando aos poucos a saúde física e psíquica, considerando a integração psicossomática e biopsicoespiritual.

É impactante observar como alguns desses cadáveres já estão irreconhecíveis só ocupando espaço; seus limites não são mais perceptíveis, sua função é mantida atuante pelo receio de muitos ousarem se renovar, mudar e se construir internamente, sempre escorados pela parceria com, sua maior amiga interna, a "razão".

Toda construção dentro da "psique" envolve esforço, determinação, persistência e vislumbre de novos e constantes cenários na vida, renovados por outros sonhos e ideais prazerosos, "que possam ser alcançados", para efetivamente preencherem o buraco sepulcral mantido aberto, não mais pelo cadáver vivo dentro de nós, mas pela falsa ilusão onipotente, que nos impede do contato com fracassos e limitações. Rígidas convicções imperam sobre a grandeza da Razão, e podem nos desviar de quaisquer intenções voltadas ao Bem e outras virtudes internas como a honestidade e a benevolência conosco mesmo. Como muitos não se apercebem que matam o que de mais precioso tem a razão: sua logicidade aplicada a evidências reais?

Ops, para sonhar e proteger nossos ideais, não dependemos somente de nós mesmos, de nossa modéstia e humildade para conviver com desacertos e desencontros afetivos, recolher os cacos dos sonhos e arriscar dar forma ideacional a novas expectativas passíveis de serem concretizadas? E não é por aí que temos que começar a resgatar nossa privacidade impar mais íntima?

O perigo reside em se tentar, desativando a razão "pela onipotência ilusória a ser combatida", persistir em controlar o futuro. A vida se expressa no real do "aqui e agora do presente". Saindo desse espaço e tempo, é imprevisível em seu fluxo constante e pleno de incertezas e inseguranças, não perdoa quem tenta se insurgir contra esse movimento, e mostra na repetição e mesmice de vivências o que nos falta atingir, para nos afastarmos da "punição de Sísifo".

Lembram de Sísifo? Aquela figura mitológica a quem os deuses puniram suas tentativas de burlar os desígnios, com o castigo de ter que levar pesada pedra para o cume de uma montanha e toda vez que estivesse quase atingindo essa meta, não conseguiria manter-se mais com o peso da pedra, obrigando-se a soltá-la, rolando a mesma ribanceira abaixo, retornando ao ponto de partida. Todo o esforço daquela tentativa foi em vão. Tudo teria que ser recomeçado. Tudo seria repetido.

Vale a pergunta interna, inquietação presente em todo ser pensante: "Até quando e qual a lição a ser aprendida das singulares experiências vividas e apreendidas dentro da subjetividade de cada um?". Arrisco uma resposta: "A maior dádiva não estaria na consciência do que lhe é devido e no arrependimento das escolhas efetuadas, tomando como parâmetro seu centro autorreferencial? Sua maior punição não decorreria de seus ideais abandonados, de sua falsa esperteza querendo manipular e controlar seu próprio destino, da opção pelo desprezar sua possibilidade de viver livre, tendo por lanterna a vida boa e, por foco, maior bem-estar interno?

Outros cadáveres ainda exercem uma função na vida mental de cada um e, para libertação de sua ação paralisante, cabe a investigação da necessidade de se fazerem tão presentes em nosso cotidiano. Por que isso ocorre? Esse caminho é difícil, pois o contato com o desconhecido dentro de nós é sempre desconfortável, envolve contratos internos de risco, a coragem para se aventurar a novos ideais e a força para direcionar a vida para novos rumos.

Para se conseguir alcançar a "verdadeira transformação" é preciso efetivamente ter eficiência e eficácia para dominar os medos de se enfrentar, e soltar os cadáveres vivos que circulam pelo mundo mental, imerso na solidão. A partir daí é aprender a conviver com o "ser só" que espera por nosso acolhimento para conhecer a plenitude do auto-aconchego, é melhor lidar com a incerteza e imprevisibilidade, é ousar se arriscar a mudar internamente... Ou optar por permanecer na areia movediça, se permitindo afundar na depressão (condutas sabotadoras auto-agressivas e destrutivas)... Ou ainda escolher adotar atitudes rebeldes e agressivas contra o mundo externo culpabilizado (postura da vítima, em seu "coitadismo", que se vê dependente das circunstâncias, não de si mesmo)

Aqui lembro de meu post "Quer receber um presente meu?" (novembro/2008): próximo passo, a meu ver, de quem se permitiu alcançar internamente a dignidade da liberdade e curtiu assim sentir-se internamente.

Gosto muito da imagem da ampulheta. Poucos no entanto conseguem ultrapassar o doído processo de individuação interna, se tornando um "individuo", inclusive, orgulhoso de sua dignidade de caráter. Esse é o patamar interno que possibilita o contato com outro sistema moral, com a ética das virtudes (parte superior da ampulheta) e com valores espirituais da convivência harmônica de uma energia psíquica mais elevada, que leva à formação do "sujeito" mais solto e livre, mais feliz e orgulhoso de como conseguiu mudar e se autorrespeitar como "ser humano", energia microcósmica integrada à energia macrocósmica do Universo.


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